A “hibernação” do blog O Biscoito Fino e a Massa, sem previsão de retorno, foi anunciada ontem por Idelber Avelar e provocou comoção em muitos, inclusive em mim.
Instalaram-se um vazio e um senso de desorientação. A tarde ficou triste, melancólica, como aquela do poema que Vinicius fez a Rubem Braga. Fez-me lembrar outra tarde, distante, em que eu almoçava com minha amiga Glauce Passeri e ouvimos no rádio do restaurante que Cazuza morrera. Não se trata, evidentemente, de algo tão trágico e irreversível, mas a ligação se faz, para mim, porque os dois eventos significam, de certa forma, o fim da culminância de uma era em que o novo se impôs.
Pois, ao criar e manter, por cinco anos, um blog independente - visceral em suas posições, na crítica à mídia, na defesa lúcida dos pontos de vista da esquerda - e fazer dele uma referência política e cultural para milhares de pessoas, Idelber provou que uma nova mídia, não-corporativa, democrática, feita com parcos recursos mas com inteligência é possível.
Relutei muito em escrever este post. Havia decidido não fazê-lo. Mas, de madrugada, após um dia marcado pela tristeza e pelo pasmo, ele se impôs quase que como uma forma de desabafo, de exorcismo emocional. Não quero, de forma alguma, dar a impressão de estar sendo oportunista. Sou o primeiro a reconhecer que há muitas outras pessoas com um contato muito mais longo e intenso com Idelber do que eu. Uma dessa pessoas, o Alexandre Nodari, escreveu um belíssimo post a respeito, no qual o qualifica, com a precisão de um antropólogo, como “o primeiro intelectual público brasileiro da internet”.
Eu sequer o conheço pessoalmente, e meu contato com ele se resume a comentários – eventualmente respondidos - em seu blog, em esparsos e breves diálogos twitados e nas poucas mas para mim importantes vezes em que, graças à sua generosidade, ele citou a meu blog ou a mim no Biscoito ou nos RTs do Tweeter.
Lembro-me bem das primeiras vezes que acessei O Biscoito. Faz uns 3 anos, 3 anos e meio. Eu morava nos EUA e acompanhava obsessivamente a mídia brasileira pela internet. O blog do Nassif foi, para mim, uma novidade redentora. Mas demorei a assimilar o de Idelber, não apenas porque seus textos pareciam-me muito densos (numa épóca em os blogs ainda eram mais associados a humor, a diários adolescentes ou, de qualquer forma, a textos curtos) mas por motivos correlatos que hoje me fazem rir: seu nome, Idelber Avelar, me sugeria, sei lá o por quê (as xícaras de chá?) , um senhor de uns 50, 60 anos que, sendo professor universitário e escrevendo aqueles textos analíticos compridos, devia ser seríisimo e sisudo (rs.). Levou um bom tempo para que essa impressão se dissipasse.
Só passei a frequentar o blog diariamente há 1 ano 9 meses, creio eu, quando já estava para voltar ao Brasil. Daí em diante ele se tornou meu principal ponto de referência na internet brasileira. Durante todo esse período espantava-me a frequência com que as idéias dele expressavam exatamente o que eu pensava, notadamente em termos políticos. Alguns momentos memoráveis, para mim, foram as últimas eleições para prefeito e, sobretudo, o episódio da “ditabranda” e do ataque aos professores Fábio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides pela Folha de S. Paulo. Daí nasceu o Cinema e Outras Artes: motivado pela leitura, n’O Biscoito, da cobertura da passeata promovida pelo Movimento dos Sem Mídia (da qual participei) em frente à sede do jornal.
Só me lembro de ter discordado total e frontalmente de Idelber em uma ocasião, mais pela forma como ele defendeu uma idéia - e pelas consequências políticas que aquela defesa poderia gerar - do que pela idéia em si (embora desta também discordasse). Mas não seria correto abordar o tema aqui, já que ele não estará disponível para eventualmente contestar.
“A hibernação do Biscoito deixa um vácuo considerável na blogosfera brasileira”, aponta Hugo Albuquerque. Além da perda do referencial periódico que as atualizações d’O Biscoito traziam e do fim do espaço de discussão cultural de alto nível, o que mais lamento na decisão de Idelber é, ao que tudo indica, a sua ausência nos debates que serão suscitados pela próxima eleição. Será, com certeza, uma guerra, e não tenho dúvidas de que ele seria – como já vinha sendo – um dos principais faróis para a militância de esquerda e no contra-ataque a uma mídia que insiste em agir como partido. Caberá a todos nós segurar essa peteca.
Pois o desenvolvimento de sua carreira acadêmica, incompatível com a intensa atividade blogueira, se impôs e novos frutos devem vir, não mais em doses fugazes e quase diárias, mas a longo prazo, na forma duradoura e intelecualmente mais complexa de livros. Toda a sorte e inspiração do mundo a ele, que a tantos inspirou!
Instalaram-se um vazio e um senso de desorientação. A tarde ficou triste, melancólica, como aquela do poema que Vinicius fez a Rubem Braga. Fez-me lembrar outra tarde, distante, em que eu almoçava com minha amiga Glauce Passeri e ouvimos no rádio do restaurante que Cazuza morrera. Não se trata, evidentemente, de algo tão trágico e irreversível, mas a ligação se faz, para mim, porque os dois eventos significam, de certa forma, o fim da culminância de uma era em que o novo se impôs.
Pois, ao criar e manter, por cinco anos, um blog independente - visceral em suas posições, na crítica à mídia, na defesa lúcida dos pontos de vista da esquerda - e fazer dele uma referência política e cultural para milhares de pessoas, Idelber provou que uma nova mídia, não-corporativa, democrática, feita com parcos recursos mas com inteligência é possível.
Relutei muito em escrever este post. Havia decidido não fazê-lo. Mas, de madrugada, após um dia marcado pela tristeza e pelo pasmo, ele se impôs quase que como uma forma de desabafo, de exorcismo emocional. Não quero, de forma alguma, dar a impressão de estar sendo oportunista. Sou o primeiro a reconhecer que há muitas outras pessoas com um contato muito mais longo e intenso com Idelber do que eu. Uma dessa pessoas, o Alexandre Nodari, escreveu um belíssimo post a respeito, no qual o qualifica, com a precisão de um antropólogo, como “o primeiro intelectual público brasileiro da internet”.
Eu sequer o conheço pessoalmente, e meu contato com ele se resume a comentários – eventualmente respondidos - em seu blog, em esparsos e breves diálogos twitados e nas poucas mas para mim importantes vezes em que, graças à sua generosidade, ele citou a meu blog ou a mim no Biscoito ou nos RTs do Tweeter.
Lembro-me bem das primeiras vezes que acessei O Biscoito. Faz uns 3 anos, 3 anos e meio. Eu morava nos EUA e acompanhava obsessivamente a mídia brasileira pela internet. O blog do Nassif foi, para mim, uma novidade redentora. Mas demorei a assimilar o de Idelber, não apenas porque seus textos pareciam-me muito densos (numa épóca em os blogs ainda eram mais associados a humor, a diários adolescentes ou, de qualquer forma, a textos curtos) mas por motivos correlatos que hoje me fazem rir: seu nome, Idelber Avelar, me sugeria, sei lá o por quê (as xícaras de chá?) , um senhor de uns 50, 60 anos que, sendo professor universitário e escrevendo aqueles textos analíticos compridos, devia ser seríisimo e sisudo (rs.). Levou um bom tempo para que essa impressão se dissipasse.
Só passei a frequentar o blog diariamente há 1 ano 9 meses, creio eu, quando já estava para voltar ao Brasil. Daí em diante ele se tornou meu principal ponto de referência na internet brasileira. Durante todo esse período espantava-me a frequência com que as idéias dele expressavam exatamente o que eu pensava, notadamente em termos políticos. Alguns momentos memoráveis, para mim, foram as últimas eleições para prefeito e, sobretudo, o episódio da “ditabranda” e do ataque aos professores Fábio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides pela Folha de S. Paulo. Daí nasceu o Cinema e Outras Artes: motivado pela leitura, n’O Biscoito, da cobertura da passeata promovida pelo Movimento dos Sem Mídia (da qual participei) em frente à sede do jornal.
Só me lembro de ter discordado total e frontalmente de Idelber em uma ocasião, mais pela forma como ele defendeu uma idéia - e pelas consequências políticas que aquela defesa poderia gerar - do que pela idéia em si (embora desta também discordasse). Mas não seria correto abordar o tema aqui, já que ele não estará disponível para eventualmente contestar.
“A hibernação do Biscoito deixa um vácuo considerável na blogosfera brasileira”, aponta Hugo Albuquerque. Além da perda do referencial periódico que as atualizações d’O Biscoito traziam e do fim do espaço de discussão cultural de alto nível, o que mais lamento na decisão de Idelber é, ao que tudo indica, a sua ausência nos debates que serão suscitados pela próxima eleição. Será, com certeza, uma guerra, e não tenho dúvidas de que ele seria – como já vinha sendo – um dos principais faróis para a militância de esquerda e no contra-ataque a uma mídia que insiste em agir como partido. Caberá a todos nós segurar essa peteca.
Pois o desenvolvimento de sua carreira acadêmica, incompatível com a intensa atividade blogueira, se impôs e novos frutos devem vir, não mais em doses fugazes e quase diárias, mas a longo prazo, na forma duradoura e intelecualmente mais complexa de livros. Toda a sorte e inspiração do mundo a ele, que a tantos inspirou!
(Ilustração: "Melancolia", por Edward Munch, 1891 - retirada daqui)
7 comentários:
Entendo: o recesso do Imaginação Sociologica fez de mim uma melancólica também.
Todo mundo lamentou, mas eu achei que só eu tinha ficado com a sensação de desalento. Já encontrei alguém com quem solidarizar.
Um abraço
Maurício,
Pois é, concordo em genêro, número e grau. escrevi um post a respeito, inclusive.
É reconfortante saber que a sensação que sinto é compartilhada por outros, ainda que isso não a
desfaça.
Um abraço a todos.
Maurício, adorei o seu texto. Quase morri de tanto chorar quando o Biscoito resolveu descansar. Olha, parecia uma criança boba! hahaha. O Idelber é um cara genial, uma das melhores pessoas que tive a honra de conhecer. É inevitável não sofrer, profundamente, com a soneca do Biscoito. (eu tenho que, urgentemente, parar de usar eufemismos para a pausa do Biscoito ehehehe). beijo
Maurício,
Como eu disse lá no twitter, essa notícia caiu como uma bomba para mim.Acho que "O biscoito..." vai fazer uma falta danada à blogosfera. O meu sentimento é parecido com o seu: o de desalento.
abraço.
PS: eu roubei um trechinho do seu post e rebloguei...
Flávia,
Não conta pra ninguém, mas eu também chorei ):
Bruno,
Seguindo a tradição do Ali Babá, vou roubar um trecho do seu post para acrescentar alguns adjetivos essenciais que faltaram no perfil do Idelber como blogueiro: "Sanguíneo, apaixonado, erudito sem ser pedante".
Um abraço a todos,
Maurício.
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