Nasci em São Paulo, aqui morei até o final da adolescência. Voltei a morar provisoriamente por períodos mais ou menos curtos (como este agora, em vias de se encerrar) entre o fim de um ciclo de trabalho e o início de outro, nessa carreira instável de cineasta e jornalista que escolhi e que, a despeito de suas dificuldades, amo. Volto à cidade algumas vezes ao ano para visitar meus pais.
Quando li sobre a lei que instaurou o projeto “Cidade Limpa”, proibindo outdoors e determinando uma padronização nas fachadas das casas comerciais, sob a ameaça de pesadas multas para quem não a cumprisse, morava em outro país, e dei risada. “Jamais uma lei dessas vai ‘pegar’ numa cidade enorme e caótica como São Paulo. Se a prefeitura forçar a barra, a reação vai ser incontrolável”, vaticinei. Como se vê, eu estava redondamente enganado. Desde então, a passividade bovina do povo paulista contra atos inaceitáveis das administrações municipais e estadual do conluio DEM/PSDB não cansa de me impressionar (leia aqui a opinião do blogueiro Paulo D'Aria sobre algumas leis coercitivas aceitas bovinamente pelos paulistas).
O caso dos pedágios é particularmente ilustrativo do quanto há de elitismo nessa passividade. Embora todos reclamem contra a quantidade e o alto preço dos pedágios, tal sentimento é com frequência compensado por um misto de orgulho e de consolo expressados na exaltação à qualidade das rodovias paulistas.
Difícil observar exemplo maior de egoísmo, elitismo e ausência de noção dos deveres do estado – não é à tôa, com efeito, que São Paulo é governado há 18 anos – desde Luís Antônio “Massacre do Carandiru” Fleury - por políticos conservadores, e há 8 por defensores radicais da privatização, que multiplicaram exponencialmente a quantidade de cabines e o valor cobrado para viajar pelas estradas estaduais:
Esse processo é ilustrativo do quadro de decadência geral que a outrora chamada “locomotiva da nação” apresenta em relação ao resto do país – e isso a despeito de ter sido largamente priorizada, em áreas diversas, não só durante a ditadura mas em todos os governos que a seguiram, com a exceção do atual. O estado lidera e continuará liderando em muitos setores, mas é visível a diminuição de distância e de padrões dos demais estados em relação a São Paulo. O fato de a feia capital ser literalmente intransitável completa a sensação de estagnação e decadência.
Paralelamente a esse processo, o conservadorismo parece ganhar cada vez mais corpo no estado. A classe média paulista, leitora da Veja, da Folha ou do Estadão tornou-se uma caricatura do conservadorismo – que o talento único de Luís Fernando Veríssimo eternizou na personagem da Velhinha de Taubaté. Insensibilidade social é o que não lhe falta: apoiou em peso a "lei Cidade Limpa", porque, supostamente, "a cidade fica mais bonita", sem dar a mínima para os milhares de empregos que subtraiu dos publicitários, dos pobres coitados que correm risco de vida colando outdoors, dos cartazistas e confeccionadores de faixas.
Essa pseudo-elite erigiu-se, assim, no maior bastião de resistência contra governos progressistas e demandas como a reforma agrária ou a democratização das comunicações, além de ter-se tornado repositório dos piores preconceitos de classe e das mais renitentes discriminações raciais - que quem convive com a classe média paulista sabe que formam a base de seu cardápio humorístico. Não é com satisfação nem com o desejo de atiçar rivalidades regionais - as quais detesto - que faço tal constatação, mas com pesar. Hugo Albuquerque, n'O Descurvo, oferece hipóteses político-sociais acerca de tal estado de coisas.
Há, é verdade, uma outra São Paulo, alternativa, underground, periférica, que é vibrante e ocupa a linha de frente dos movimentos sociais e culturais. Mas ela é tão escondida pela geografia centrípeta da cidade e, também por razões materiais, sua voz é tão abafada, que às vezes passa despercebida, sufocada em meio a tanto conservadorismo. Mesmo porque, como a pancadaria na USP evidencia, até o movimento estudantil é tratado a bomba e cassetete em Sâo Paulo, sob o silêncio cúmplice da maioria. Há momentos em que o humor afigura-se como única saída e forma catártica de resistência.
A “cereja do bolo” desse processo de aceitação bovina de decisões governamentais insensatas vem, é claro, da não-reação efetiva à lei anti-fumo promulgada por José Serra. Não vou gastar nem a paciência do(a) leitor(a) nem a suave ponta dos meus dedos teclando a respeito dessa autêntica ode ao protofascismo paulista – mesmo porque muita gente boa já escreveu sobre isso, como o João Villaverde e O Anaconda. O que interessa, no âmbito deste post, é ressaltar a subserviência dos que se submetem à lei como bezerros no matadouro: um mugido ou outro à guisa de protesto, enquanto seguem rumo ao abate que os anula como ente e como ser político.
Quando li sobre a lei que instaurou o projeto “Cidade Limpa”, proibindo outdoors e determinando uma padronização nas fachadas das casas comerciais, sob a ameaça de pesadas multas para quem não a cumprisse, morava em outro país, e dei risada. “Jamais uma lei dessas vai ‘pegar’ numa cidade enorme e caótica como São Paulo. Se a prefeitura forçar a barra, a reação vai ser incontrolável”, vaticinei. Como se vê, eu estava redondamente enganado. Desde então, a passividade bovina do povo paulista contra atos inaceitáveis das administrações municipais e estadual do conluio DEM/PSDB não cansa de me impressionar (leia aqui a opinião do blogueiro Paulo D'Aria sobre algumas leis coercitivas aceitas bovinamente pelos paulistas).
O caso dos pedágios é particularmente ilustrativo do quanto há de elitismo nessa passividade. Embora todos reclamem contra a quantidade e o alto preço dos pedágios, tal sentimento é com frequência compensado por um misto de orgulho e de consolo expressados na exaltação à qualidade das rodovias paulistas.
Difícil observar exemplo maior de egoísmo, elitismo e ausência de noção dos deveres do estado – não é à tôa, com efeito, que São Paulo é governado há 18 anos – desde Luís Antônio “Massacre do Carandiru” Fleury - por políticos conservadores, e há 8 por defensores radicais da privatização, que multiplicaram exponencialmente a quantidade de cabines e o valor cobrado para viajar pelas estradas estaduais:
- “Eu tenho dinheiro, pago e viajo nas melhores estradas do país; quem não pode pagar que se dane” – este parece ser o lema do paulista médio, não coincidentemente o mesmo que, como demonstram as pesquisas, é o mais crítico do país aos R$60 por mês que o governo federal destina aos miseráveis através do programa social que a direita chama de “Bolsa-esmola”. Caso típico de minoria que se acha maioria.O pior é que esse raciocínio do “posso-pago-viajo nas melhores estradas do país” começa a ficar anacrônico, e o habitante do estado sequer se dá conta disso (Caetano Veloso, num de seus cada vez mais raros bons momentos, definiu os paulistas como “um misto de operosidade e ingenuidade”). Primeiro, porque o atual governo é tão avaro em gastos (e tão ávido em fazer caixa eleitoral) que deixou de fiscalizar o serviço das concessionárias das rodovias a contento, e o nível deste piorou, com trechos esburacados, adiamento de obras previamente agendadas e maior tempo de espera por socorro mecãnico. Segundo, porque algumas das estradas que estão sendo construídas pelo PAC federal começam a provar – e devem fazê-lo em grande escala - que é possível oferecer estradas de alto nível sem esfolar o motorista que nelas trafega - e sem destinar o butim à iniciativa privada.
Esse processo é ilustrativo do quadro de decadência geral que a outrora chamada “locomotiva da nação” apresenta em relação ao resto do país – e isso a despeito de ter sido largamente priorizada, em áreas diversas, não só durante a ditadura mas em todos os governos que a seguiram, com a exceção do atual. O estado lidera e continuará liderando em muitos setores, mas é visível a diminuição de distância e de padrões dos demais estados em relação a São Paulo. O fato de a feia capital ser literalmente intransitável completa a sensação de estagnação e decadência.
Paralelamente a esse processo, o conservadorismo parece ganhar cada vez mais corpo no estado. A classe média paulista, leitora da Veja, da Folha ou do Estadão tornou-se uma caricatura do conservadorismo – que o talento único de Luís Fernando Veríssimo eternizou na personagem da Velhinha de Taubaté. Insensibilidade social é o que não lhe falta: apoiou em peso a "lei Cidade Limpa", porque, supostamente, "a cidade fica mais bonita", sem dar a mínima para os milhares de empregos que subtraiu dos publicitários, dos pobres coitados que correm risco de vida colando outdoors, dos cartazistas e confeccionadores de faixas.
Essa pseudo-elite erigiu-se, assim, no maior bastião de resistência contra governos progressistas e demandas como a reforma agrária ou a democratização das comunicações, além de ter-se tornado repositório dos piores preconceitos de classe e das mais renitentes discriminações raciais - que quem convive com a classe média paulista sabe que formam a base de seu cardápio humorístico. Não é com satisfação nem com o desejo de atiçar rivalidades regionais - as quais detesto - que faço tal constatação, mas com pesar. Hugo Albuquerque, n'O Descurvo, oferece hipóteses político-sociais acerca de tal estado de coisas.
Há, é verdade, uma outra São Paulo, alternativa, underground, periférica, que é vibrante e ocupa a linha de frente dos movimentos sociais e culturais. Mas ela é tão escondida pela geografia centrípeta da cidade e, também por razões materiais, sua voz é tão abafada, que às vezes passa despercebida, sufocada em meio a tanto conservadorismo. Mesmo porque, como a pancadaria na USP evidencia, até o movimento estudantil é tratado a bomba e cassetete em Sâo Paulo, sob o silêncio cúmplice da maioria. Há momentos em que o humor afigura-se como única saída e forma catártica de resistência.
A “cereja do bolo” desse processo de aceitação bovina de decisões governamentais insensatas vem, é claro, da não-reação efetiva à lei anti-fumo promulgada por José Serra. Não vou gastar nem a paciência do(a) leitor(a) nem a suave ponta dos meus dedos teclando a respeito dessa autêntica ode ao protofascismo paulista – mesmo porque muita gente boa já escreveu sobre isso, como o João Villaverde e O Anaconda. O que interessa, no âmbito deste post, é ressaltar a subserviência dos que se submetem à lei como bezerros no matadouro: um mugido ou outro à guisa de protesto, enquanto seguem rumo ao abate que os anula como ente e como ser político.
8 comentários:
Maurício,
O que se passa em São Paulo é um fenômeno tão complexo e tão muldimensional que daria tranquilamente uma coletânea de livros - esforcei-me o máximo que pude naquele post que você linkou, mas, óbvio, eu só arranhei a superfície.
Para além de qualquer análise científica mais apurada, venho aqui e divido a minha experiência pessoal: Estou muito angustiado de viver nessa São Paulo de hoje. Ainda não desisti daqui, mas falta pouco, muito pouco.
A impressão que eu tenho é que cada dia que passa isso fica pior. Olha, eu estou na faculdade hoje, estudo numa PUC, certamente a Universidade disparadamente progressista da cidade, e a sensação que eu tenho se manifesta como um certo embargo de voz, um angústia, a intuição de um desastre.
Antes, quando nós íamos para a Universidade sentíamos que um futuro melhor estava sendo fomentado, hoje, o que resta é um presente melhor do que o passado, mas um futuro que se anuncia tal como uma tempestade horizonte.
Um lugar onde a Academia consegue ser pior do que o mundo de fora, é um lugar com problemas; lembro do último congresso da puc quando um professor de Filosofia falou o seguinte:
Antes vínhamos para cá e a PUC elegia seu reitor quando o país não elegia seu presidente; tínhamos uma guarda comunitária civilizada enquanto o país se via às voltas com o seu estado policialesco; hoje, o Brasil elege o seu presidente, mas a PUC não elege mais o seu reitor, as eleições são um fraude; hoje, o Brasil, a passos curtos possui uma polícia que vem se adequando ao Estado de Direito, mas aqui, vivemos às voltas com uma guarda terceirizada e orientada para não deixar os alunos sequer panfletarem; antes a PUC era o Brasil queria deveria ser, hoje, ela é algo que o Brasil não aceitaria mais ser - e o cara falou um porra bonita dessas e até hoje eu não sei o nome dele...
O nobre professor só se enganou no seguinte: Não é um quadro apenas puquiano. Pegue a USP e não é muito diferente. Pegue a política municipal e ela não é tão tuim quanto, mas não difere em essência: São Paulo era o que o Brasil queria e deveria ser nos anos 80, mas hoje ela é uma cidade que o Brasil não aceitaria mais ser - duvida? Por que será que o DEM foi varrido em todo país, exceto...aqui?!!
Se antes o Nordeste parecia a terra do "Atraso", o lugar a ser civilizado, hoje, o Atraso mora aqui - a falsa civilização de São Paulo produziu esse fenômeno de abovinamento popular que um dia se abateu, por exemplo, na muito mais bela, mais rica e muito mais culta Alemanha - espero que acordemos desse pesadelo antes dos nossos irmãos germâmicos.
abraços
Hugo,
Compartilho totalmente da sua angústia e confesso que sinto um alívio em saber que a hora de me mudar daqui se aproxima, mesmo sabendo que isso vai me distanciar de pessoas com quem gosto de conviver.
Realmente, quando a academia é pior do que o mundo exterior, é porque há algo de profundamente errado. E, como você coloca, não se limita à universidade essa sensação opressora - muito pelo contrário, é difusa e cada vez mais presente. Uma lástima, realmente.
Um abraço,
Maurício.
Oi Mauricio, conheci seu blog há pouco tempo. E to adorando. "Há, é verdade, uma outra São Paulo, alternativa, underground, periférica, que é vibrante e ocupa a linha de frente dos movimentos sociais e culturais". Nossa, pra mim essa é praticamente a única SP que conheço. Sou carioca e fico perplexa no que estão transformando uma cidade tão, digamos, atraente. Esse policiamento de tudo vai acabar tranformando sp em uma pequena cidade gde. Aqui a desordem é outra, o tal choque de ordem. Politica de "Limpeza" Publico. Só absurdos. bjobjo
Halline,
Vc disse o essencial: "Esse policiamento de tudo vai acabar tranformando sp em uma pequena cidade gde.". Não tenha dúvidas - aqui estamos ficando cada vez menos cosmopolitas e mais provincianos.
Li seu post sobre o Rio - que eu AMO (morei quase 10 anos aí) - e vi q aí as coisas n estao muito diferentes, com a nova velha história do choque de ordem...
Bem-vinda e apareça!
Bjos,
Maurício.
São Paulo sempre foi essa contradição, ao mesmo tempo na vanguarda do progresso e do atraso do Brasil, mas dessa vez parece que com a melhora do resto do país a balança está se desequilibrando e as forças do atraso se sobressaindo.
O meu medo é que a elite paulista, que sempre viu o resto do Brasil, principalmente o Nordeste como sua "colônia", não aceite a "independência" desta e parta para a briga, de verdade. Até o separatismo não parece uma impossibilidade, ou eu estou muito pirado?
Meu caro,
O ódio contra o Nordeste é palpável em alguns setores da sociedade paulista, sobretudo após a vitória de Lula, que açulou esse sentimento.
Quanto a separatismo, é meio extremo, mas eu não duvido mais de nada... com a elite que temos...
Caríssimo, o grande irmão está solto, o jornalismo das tv's abertas e das radios com seus "analistas" políticos cantando uma só música é aterrador, mentem ao máximo para que a mentira se torne realidade, compram as pessoas com o bem estar dos sós com eles mesmos. A bronha insatisfatória que minimiza a solidão das vidas medíocres que foram alojados com seus carros de luxo aparente. Nada de leve pela frente, somente a constância que a luta continua.
Abraços.
Puebla
Publa,
Tá aterrador mesmo. Como "nunca antes neste país", como diria o outro. O jornalismo - na TV, no rádio, impresso -, com raríssimas exceções, tornou-se a arte da repetição da mentira até que esta se torne verdade... O caso Lina é emblemático.
Agora, cá entre nós: bronha e ainda por cima insatisfatória? Aí já é demais...
Um abração,
Maurício.
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