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quarta-feira, 30 de março de 2016

Temer e a realpolitik petista


A iminente possibilidade de Temer assumir a Presidência, não obstante execrada pela militância pró-governo, seria o ato final da realpolitik petista, este eufemismo "elegante" que o marketing político adotou para tentar legitimar uma política de alianças que está - mesmo no ãmbito latino-americano - entre as mais imorais e antirrepublicanas já praticadas por um partido nascido e ainda tido (por alguns desavisados) como de esquerda.

O surto de ulrapragmatismo acomete o PT após as três derrotas presidenciais de Lula e inclui, por um lado, a transformação do outrora ameaçador e desgrenhado líder petista no "Lulinha paz e amor" de Duda Mendonça, com fala mansa e conciliadora, ternos bem-cortados e barba aparada. De outro, o expurgo das mais combativas correntes internas do partido, em um processo cujo maior símbolo foi a expulsão de Heloísa Helena, em 2003, em decorrência de sua posição ante a reforma da Previdência (a primeira de uma série de tungas contra os aposentados promovidas pelos governos petistas).


Sem limites
Daí em diante, foi um verdadeiro vale-tudo: em um elasticismo desprovido de afinidades programáticas ou limites éticos, a tal da realpolitik - saudada e defendida com unhas, dentes e sarcasmo pela mesma militãncia que hoje urra contra o PMDB - aliou o petismo a Sarney, Collor, Maluf, Kassab, Delcídio, Kátia Abreu, "bispos" diversos, além de uma miríade de figuras do baixo clero. 

Dentre elas, um tal de Eduardo Cunha, desde sempre um escroque de baixo escalão, cuja ascensão no Rio foi patrocinada pelo mesmo consórcio PTMDB que elegeu Paes e Cabral e bancou - com aplausos entusiasmados mesmo em setores que se diziam de esquerda - o Estado policial simbolizado pelas UPPs, responsável, em 2013 e durante a Copa do Mundo, pela maior repressão a manifestações públicas das três décadas de democracia pós-ditadura.
 
Em tal cenário, só a ignorância plena, a má-fé ou o fanatismo induzem à conclusão de que, nos governos Lula e Dilma, o "Mensalão", "o Petrolão" e a corrupção disseminada são exceções, esquemas pontuais e secretos sobre os quais os governantes possam alegar desconhecimento - e não a consequência óbvia e direta de tal política de alianças.


Choque de realidade
Ainda assim, açulada por um governismo cego e fanático que durante anos foi predominante na blogosfera e nas redes sociais, uma "guinada à esquerda" foi desde o início anunciada em relação aos governos petistas, tendo cumprido um papel relevante (ou mesmo decisivo) nas últimas eleições - como parte fundamental do estelionato eleitoral no qual incorreu a candidata vencedora. 
 
Enquanto isso, no mundo real, o governo que ora agoniza "exibe os piores índices de reforma agrária e de demarcação de terras indígenas da história, corta verbas da Educação, extingue direitos trabalhistas e sucateia o SUS", como aponta a psicóloga e psicanalista Vera Rodrigues, em sua corajosa carta-resposta a um desses manifestos ditos pró-democracia que proliferam nos últimos dias, recheados de signatários que se omitiram covardemente nas diversas vezes em que o massacre aos índios, aos jovens (e não tão jovens) manifestantes e à população não branca ou periférica manchou e relativizou a democracia brasileira em anos recentes, sob chancela governamental.



Cortina de fumaça
Claro está que, com o arco de alianças forjado pela realpolitik petista, qualquer "guinada à esquerda" jamais passou de miragem. Ele serviu, no entanto - e muito bem - ao modelo predatório e arcaico de desenvolvimento instalado no país, o qual, por sua vez, foi decisivo na instrumentalização das grandes negociatas que, mesclando dinheiro público a interesses privados, serviram ao enriquecimento de uns e à(s) eleição(ões) de outros, como as evidências judiciais colhidas no bojo da Lava-Jato - mesmo com os recentes desvios de conduta que macularam pontualmente a operação - atestam (a tal respeito, defende Vera Rodrigues: "Os excessos da Operação Lava Jato, ou do juiz de primeira instância que a conduz, devem ser combatidos nas esferas jurídicas e políticas que dizem respeito ao Judiciário como um todo, e ao Estado Policial, fomentado por esse governo sempre que lhe interessou").


Liquidação geral
Agora, com o PMDB fora do governo e Dilma fazendo, literalmente, qualquer negócio para chegar aos - tente não rir - 171 votos, o balcão de negócios do Planalto desce ainda mais baixo (se é que isso é possível), se voltando a políticos cujo grau de mercenarismo os leva a evitar os holofotes e a partidos como o PP (de Maluf, que deve levar nada menos do que o ministério da Saúde), o PR (do Capitão Wagner e de Tiririca), o inacreditável PEN (Partido Ecológico Nacional, que nunca defendeu sequer uma árvore) e o PSD kassabista (provável novo velho lar da ruralista escravocrata Kátia Abreu, darling de Dilma, a esquerdista). 
 
Mesmo antes do recrudescimento do impeachment, a pauta priorizada por Dilma II, após ter atacado direitos trabalhistas - ao alterar regras do seguro-desemprego, de pensões por invalidez e do seguro-defenso - era aumento de impostos via volta da CPMF e (mais uma) "reforma" da Previdência (leia-se tunga em aposentados, com violação de direitos adquiridos). Calcula agora, com o Planalto transformado em balcão público de negócios e alguns dos partidos mais retrógrados do país com amplo poder de chantagem sobre a presidente!


Estado de farsa
Em tal cenário e após tantos anos, continuar a propagar (e a acreditar em) qualquer laivo de esquerdismo ou progressismo ou o nome que se queira dar a políticas que priorizem o social, o desenvolvimento sustentado e os Direitos Humanos por parte desse governo é não apenas irreal - é deliberada e escandalosamente mentiroso.


(Imagem editada retirada daqui)