Os textos deste blog estão sob licença

Creative Commons License

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Dilma e a mídia: um olhar critico

No futuro, quando os historiadores forem examinar o período que hoje vivemos no Brasil, irão se deparar com uma questão das mais contraditórias: a relação do governo Dilma Rousseff com a mídia.

A administração Lula, diretamente afetada pela condição de primeiro governo de centro-esquerda do país desde a deposição de João Goulart, em 1964, não teve disposição ou não foi capaz de implementar uma Lei de Meios que democratizasse as comunicações e, assim, coibisse a transformação de parte da mídia em usina de escândalos, factoides e desqualificações. A inação talvez se explique, parcialmente – embora não se justifique -, pela própria virulência de tal transformação, que manteve durante boa parte do mandato o governo nas cordas, bombardeado por uma sucessão de denúncias, reais ou fabricadas, num processo de permanente chantagem que atinge seu ápice – mas de modo algum seu fim - durante o "mensalão".

Porém se, por conveniência ou medo, o ex-presidente Lula manteve intacta a arcaica estrutura comunicacional do país, limitando-se a redirecionar parte das verbas publicitárias federais de modo a também irrigar rádios e imprensa regionais - e, em bases ínfimas, órgãos da internet -, não se furtou a legar à sua sucessora, através do trabalho incansável de Franklin Martins à frente da Secom, um projeto fundamentado de regulamentação das comunicações e um plano viável para expansão da banda larga a curto e médio prazos.

Candidata encarregada de dar prosseguimento e aprofundar o legado de Lula, a expectativa, há exatos três anos, era que Dilma, se vitoriosa, tão logo assumisse, encaminhasse tais projetos e priorizasse a questão comunicacional através da promulgação de uma Lei dos Meios que regulamentasse, em bases republicanas, a atividade midiática, democratizando de fato a área comunicacional no país.



Requisitos da democracia
Trata-se de uma bandeira histórica da esquerda brasileira e de condição sine quae non para o exercício pleno da cidadania, tal como fundamentado por uma linhagem de pensadores vigorosos – de Perseu Abramo a Venício A. de Lima –, os quais demonstraram de forma comprovada, com dados e exemplos comparativos, o jugo oligárquico, o caráter antidemocrata e o atraso estrutural que caracterizam a mídia corporativa no Brasil. Que tais características tenham, na última década, potencializado o ódio de classes e transformado, não raramente, a mídia em um raivoso porta-voz da oposição acrescenta ainda mais urgência à questão das comunicações no país.

Como antídoto a esta realidade incompatível com uma democracia em consolidação, têm sido recomendados, como elementos essenciais internacionalmente consagrados, a proibição da propriedade cruzada dos meios de comunicação – ou seja, que uma mesma empresa de comunicação tenha imprensa, rádio e TV em uma mesma região -, a diversificação de opções e a democratização do acesso a meios e conteúdos. Ainda dentro de tal espírito, os novos tempos digitais tornam imprescindível a inclusão da expansão da banda larga a preços acessíveis e condições técnicas condizentes, de modo a incorporar parte do ainda enorme contingente de excluídos digitais.



Flerte com a mídia
Malgrado as altas expectativas suscitadas por uma administração que recebeu o país em muito melhores condições do que FHC o legara a Lula, o governo Dilma, porém, logo deu mostras de que não pretendia contemplar tal agenda. Um primeiro movimento de recuo tem lugar já ao final da campanha eleitoral, com a seguinte declaração, daí em diante recorrente, em versões variadas, mas conservando a mesma ideia-base: "Prefiro o barulho da imprensa livre do que o silêncio das ditaduras". A meu ver, o jornalista Paulo Nogueira foi quem melhor dissecou os sentidos inerentes a tal acacianismo.

Espécie de Carta ao Povo Brasileiro para a questão comunicacional, tais palavras foram a senha, para a plutocracia midiática, de que o governo não apoiaria uma Lei dos Meios e de que não haveria retaliação contra os abusos cometidos durante o período eleitoral – os quais incluem, entre inúmeros outros exemplos, uma ficha policial falsa da candidata petista na capa de edição dominical da Folha de S. Paulo e os esforços do Jornal Nacional e de seus experts de encomenda para transformar em chumbo uma bolinha de papel atirada à fronte do oposicionista José Serra.

Daí por diante a história é conhecida: primeiro a nova presidente flertou com a mídia corporativa, posando para capa da Veja, cozinhando ao lado de Ana Maria Braga, chegando a voar de Brasília a São Paulo para confraternizar com o alto tucanato num rega-bofe promovido pela Folha de S. Paulo, jornal de propriedade de uma empresa privada de comunicação.



Usina de escândalos
Deu em nada, ou seja, a mídia continuou a praticar o mesmo jogo de derruba-presidente da era Lula, com capas estapafúrdias, um exercício cotidiano da negatividade e do ódio incompatível com o bom jornalismo, denúncias semanais que permaneciam nas manchetes até que os acusados fossem demitidos pelo governo – e, como o comprovam o caso do ex-ministro Orlando Silva e da ex-secretária Erenice Guerra, quando, meses mais tarde, a Justiça os decretasse inocentes, sequer uma matéria viria a ser publicada, quanto mais um pedido de desculpa ou um destaque minimamente proporcional à denúncia.

Clara fica não apenas a leviandade das acusações – e o mau jornalismo que isso denota -, mas a constatação de que o interesse da mídia nunca foi a moralização da coisa pública, mas tão-somente a escandalização com objetivos eleitoreiros ou golpistas.

Pelo contrário, com a coincidência cronometrada – inaceitável em um país verdadeiramente democrático – do julgamento do mensalão com as eleições de 2012, os grupos de comunicação, em clave de espetáculo, deram vazão a um verdadeiro linchamento midiático, no melhor estilo esfola-e-mata, incluindo uma narratividade dramática composta de bandidos, mocinhos e de um herói solitário e vingativo, como convém à fabulação do totalitarismo.



Frutos do "mensalão"
O resultado não poderia ser outro: um acirramento de ânimos de parte a parte, uns celebrando a única vitória do conservadorismo na última década (ainda que obtida "no tapetão" e não nas urnas); outros – e aqui se incluem muitos dos que até então vinham defendendo, por estrategismo ou por temor, a parcimônia do governo para com a mídia – vociferando contra o que concebem como uma aliança golpista entre mídia e Justiça, destinada a, num futuro próximo, melar os resultados das urnas se este continuar a desapontá-las.

O nosso arguto historiador do futuro, beneficiando-se da perspectiva distanciada que o tempo dá e sem a obrigação de entrar no mérito da questão judicial, há de perceber que a insistência com que a conduta da mídia no "mensalão" foi invocada como um dos principais pretextos para regulá-la acabou, na verdade, por abrir flancos que beneficiaram os que à regularização se opõem. Não que a conduta da mídia durante o processo não tenha sido, em larga medida, questionável. Ela o foi, bem como, em ainda maior grau, o foram várias das decisões dos juízes, notadamente – mas não exclusivamente – a inversão do ônus da prova, o uso por demais inovador da teoria do domínio dos fatos e as condenações sem provas mas "permitidas pela literatura jurídica".

Ocorre, porém, que facilitou tremendamente a tarefa da mídia de se fazer de vítima e de confundir propositadamente o clamor republicano por um jornalismo que respeite ao menos uma deontologia básica e efetivamente sirva ao público, com os queixumes de uma parcela do eleitorado com sede de vingança pela derrota jurídica e política sofrida em um julgamento que, para a maioria leiga da população, transcorreu em normalidade. E, neste ponto convém frisar, tal impressão errônea se deu não só pela atuação tendenciosa da mídia, mas pelo misto de incompetência comunicacional, omissão e recusa deliberada das forças políticas ora no poder de denunciarem os interesses em jogo e as práticas para tal utilizadas no julgamento.



Agendas próprias
Nosso arguto historiador certamente também se dará conta de que o uso da pregnante sigla PIG (Partido da Imprensa Golpista) pode até ter sido uma maneira escrachada e efetiva de tipificar a mídia corporativa, em um cenário de enfrentamento aberto. Que o recurso à sigla não deixa de traduzir um desejo latente que a conduta de grande parte da mídia no período permitiu entrever. Mas que tal uso traz também em seu bojo um maniqueísmo que o exame detalhado dos fatos desmente, pois quando a agenda conservadora da mídia e a agenda dos governos federais petistas coincide, o alegado golpismo frequentemente dá lugar ao silêncio cúmplice ou à ratificação ponderada.

Não faltarão exemplos para que nosso historiador ilustre tal hipóteses. Três deles:
1) A mudez quase total da mídia durante a repressão do governo Dilma à greve dos professores federais, em 2012, que se alastrou por quatro meses e incluiu recusa ferrenha à negociação, articulação de um sindicato pelego para simular acordo e protestantes reprimidos a cassetetes na frente do MEC, em Brasília. Ante esse feito que nem FHC nem a ditadura militar ousaram, a mídia não emitiu um pio de protesto. Se a intenção fosse mesmo dar um golpe no governo seria um prato cheio para desconstruir negativamente a imagem de Dilma;

2) O entusiasmo dos colunistas econômicos quando o governo Dilma retomou as antes tão criticadas privatizações, então apelidadas de concessões e que, de início alegadamente limitada a três aeroportos, logo se expandiu para ferrovias, rodovias e mais um punhado de aeroportos. Se quisesse mesmo golpear Dilma, que fácil seria para a mídia colocar-lhe a pecha de mentirosa e incoerente, contrapondo imagens da candidata criticando ferozmente a privatização e da presidente a saudar-lhe;

3) O silêncio cúmplice da mídia para com as medidas de desoneração da folha de pagamentos, sem exigir dos setores beneficiados nenhuma contrapartida – como   a manutenção de empregos e de preços – e, como apontou o insuspeito Luis Nassif, sem que o Ministério da Fazenda aponte como cobrirá o rombo na Previdência que tais medidas certamente causarão. Ora, como o episódio evidencia, não há golpismo que resista à desoneração da folha, clamor de décadas do patronato brasileiro, curiosamente atendido por um governo que se diz de centro-esquerda.


Benefícios eleitorais
No futuro, nosso historiador talvez venha a sugerir que se a relação da mídia com o governo Dilma não foi tão marcada por um maniqueísmo golpista, como uma parcela pequena mas barulhenta da arena política quer fazer crer (pois a maioria do povo brasileiro estava à margem desse debate e não tinha ideia sequer do que signifique PIG), talvez seja necessário levar em conta que, malgrado a notória má vontade da mídia para com o petismo, a própria presidente se beneficiava, de um modo não evidente mas efetivo, desta relação.

Tal benefício talvez constituísse a principal explicação para os altos índices de aprovação de que a mandatária vinha gozando nos primeiros dois anos e meio de seu mandato, em que se verifica uma incorporação de setores conservadores da classe média – como, de forma notável, os que professam o neopentecostalismo -, comumente refratários ao petismo.

Ajuda a explicar também porque um ministro como Paulo Bernardo – que antes confraternizava alegremente nas redes sociais, prometendo para logo a democratização da banda larga, e hoje quer doar R$3bi para as teles privatizadas para que estas cumpram o que é obrigação contratual – goza neste momento não apenas de blindagem na imprensa, mas do acesso a vultosos apoios financeiros eleitorais, dos quais os candidatos governistas certamente também irão se beneficiar.

Ante esse cenário, a atual presidente não teria motivações eleitorais para rever os critérios de distribuição de verbas publicitárias federais, relativizando o cômputo da audiência como fator determinante e implementando uma estratégia que visasse, em alguma medida, a promover a inovação e a diversificação do campo comunicacional no Brasil. Suas motivações teriam necessariamente de ser de outra ordem, cívica, republicana – o que, entre outras coisas, contrariaria o pragmatismo eleitoral petista adotado na última década.



Questões em aberto
Entretanto, é apenas o nosso querido historiador, no futuro, quem saberá o desenlace desse e dos demais dilemas subjacentes à relação de Dilma Rousseff com a mídia corporativa – e quem poderá responder questões ora prementes, tais como:

  • Em que medida – se alguma - a manutenção de uma atitude passiva por parte da presidente traz efetivos benefícios eleitorais?

  • O que garante que esses segmentos conservadores que ora apoiam Dilma não a deixarão na mão, sob forte estímulo midiático, tão logo disponham de um candidato minimamente viável advindo de seu próprio espectro político?

  • Qual o limite de paciência de parcelas do eleitorado de esquerda que, tendo votado em Dilma, encontram-se exasperadas com o conservadorismo de sua gestão?

  • Faz mesmo sentido, para a centro-esquerda, vencer uma eleição em que as alianças e os compromissos assumidos impõem, na prática, uma agenda conservadora?

  • Até que ponto vale a pena sacrificar tudo – inclusive o direito republicano dos cidadãos brasileiros de viverem em uma sociedade com o setor comunicacional democratizado – em troca da realização de um projeto de poder?



(Imagem retirada daqui)

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Dia do Índio

Hoje é Dia do Índio. Crianças sairão da escola com cocar e bochechas pintadas, enquanto os índios de verdade vão sendo assassinados impunemente.

Hoje é Dia do Índio, portanto não se espante se você vir um bando de deputados correndo apavorados por aí.

Hoje é Dia do Índio, mas as obras de Belo Monte continuarão a avançar impunemente, numa frontal agressão ao Xingu, aos rios e aos índios que lá vivem, negligenciando até as medidas acordadas para concessão de licença ambiental para a megaobra.

Hoje é Dia do Ìndio, mas assim como bandido bom é bandido morto, índio bom é índio autêntico, que anda pelado e tem medo de apertar botão. Cyberíndios, ora essa, a graça não é maltratá-los por serem inocentes?

Hoje é Dia do Índio, e alguma rádio há de tocar as músicas alusivas ao tema compostas por Jorge Ben Jor, Caetano Veloso ou Renato Russo, enquanto os últimos resquícios da cultura de algumas tribos, sua língua, sua cosmovisão, vão desaparecendo para sempre.

Hoje é Dia do Índio, mas é também sexta-feita. Portanto, não estranhe se o Congresso  estiver ainda mais vazio do que costume, no país em que os Direitos Humanos são moeda de troca no Parlamento e viram plataforma para a promoção pessoal de pessoas que se dizem religiosas mas fazem do ódio a gays e do preconceito racial seu marketing pessoal.

Hoje é Dia do Índio, mas ao final da tarde, como fazem todos os dias, os telejornais anunciarão o índice Bovespa e de variação do dólar. Quanto ao sempre crescente e etariamente cada vez menor índice de suicídios nas tribos brasileiros, nem um pio, apito, sinais de fumaça ou sons onomatopaicos produzidos pelo vai-e-vem dos dedos contra a boca.

Hoje é Dia do Índio. E as chances de um bom selvagem descer de uma estrela brilhante em velocidade estonteante é inversamente proporcional à possibilidade de um deles - confundido com um mendigo, veja bem - ser queimado enquanto dorme.

Hoje é Dia do Índio, e lembrei de um poema de meu pai, que apregoava, já no título: "Um dia retornaremos à grande tribo". Em criança, ansiava; hoje temo por esse dia.


(Imagem retirada daqui)

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Selic, Dilma e o medo da mídia

A retomada do aumento da taxa de juros (Selic) e o anúncio de que o governo vai autorizar que as concessionárias de rodovias e ferrovias aumentem seus lucros em cerca de 30% acima do estipulado em contrato – inclusive com reajuste dos preços dos pedágios – representam um pesaroso retrocesso nas atuais relações entre Estado e economia e mais uma vitória do conservadorismo em uma aliança governamental dita de centro-esquerda.

O aumento da taxa de juros evidencia mais uma vitória do mercado - ou seja, de especuladores que, sem nada investir no país, lucram com os juros pagos pelo conjunto da população brasileira – e da mídia corporativa, cujo desprezo pelo bem-estar do povo brasileiro é inversamente proporcional aos cuidados que nutre pelos interesses do mercado, ao qual se encontra de forma umbilical atada.



Retrocesso 
A queda da Selic significa, ainda, um retrocesso em uma das poucas áreas - se não a única - em que o governo Dilma vinha mostrando alguma ousadia em relação à presidência de Lula, ao patrocinar o que foi anunciado como um novo paradigma econômico, um cenário em que o capital especulativo daria lugar ao investimento na produção e na economia real, com a revisão dos parâmetros econômicos das últimas décadas e as benesses sociais daí decorrentes. Tratava-se, aparentemente, de uma ilha de inovação no oceano de conservadorismo que vem se transformando a atual presidência.

Tal possibilidade se encontra, neste momento, com a retomada do aumento da Selic, colocada sob xeque. Ainda mais porque, com o recuo presidencial, o mercado financeiro e a mídia corporativa que o apoia têm agora a certeza da efetividade de seus meios de pressão sobre o governo – e esta, a cada vez que o governo vier a insistir em sua política de juros baixos, não hesitará em lançar mão do alerta sobre um surto inflacionário iminente, seja este real ou não.



Medo da mídia 
Fica patente no episódio, uma vez mais, o quanto a presidência Dilma mantém-se refém da mídia e do mercado - os quais, na prática, vêm pautando o governo, que recua ante a mínima repercussão negativa de suas medidas, ainda que claramente orquestrada e politicamente dirigida. Limita-se a calibrar o discurso – como fez no dia anterior ao anúncio da retomada do aumento da Selic - para que o recuo vexatório possa passar aos incautos por estratégia calculada.

Para além dessa constatação óbvia, o recuo na gestão da taxa Selic e o fracasso em transformar, ao menos parcialmente, o rentismo em investimento produtivo, evidenciam a dificuldade do governo de estabelecer meios de pressão efetiva sobre os agentes econômicos. Não parece improvável a hipótese de que tal se dê, em larga medida, porque a atual administração não supera o mero anúncio de manipulação de taxas de juros e das intenções de tal medida decorrente, sem dar continuidade e intensificar junto aos entes econômicos e financeiros, de forma efetiva, a articulação para a implementação de tais políticas. Ou seja, o governo anuncia as medidas supostamente transformadoras, mas não vai à luta para implementá-las, valendo-se de seu poder de força e de seus variados instrumentos de pressão.



Resquícios neoliberais 
E não o faz basicamente porque a superação de tal estágio demanda a renúncia efetiva à mentalidade neoliberal que persiste na administração pública brasileira, e a tomada de consciência quanto à necessidade de o Estado agir de forma articulada e pró-ativa, como sujeito social, em prol da implementação de suas políticas, mesmo que isso signifique confrontar interesses de monta.

Infelizmente, o governo Dilma não só se omite em relação a tal forma de ação mas demonstra adesão cada vez mais entusiasmada para com os modelos privatizantes de gestão pública - na novilíngua petista, "concessões", que começaram com os aeroportos, incorporaram as rodovias e agora já se estendem para as rodovias, com previsão de incorporação de outras áreas. Com isso, enfraquece o próprio poder de intervenção do Estado na economia, do qual não pode prescindir se quer realmente implementar políticas ao estilo das que apregoam substituição da especulação financeira pelo investimento direto em produção.

A anunciada autorização para que os lucros das empresas concessionárias de rodovias e ferrovias aumentem sua margem de lucro, dos 6/6,5% acordados em contrato para 8/8,5% - com aumento substantial no preço que o cidadão pagará no pedágio - é mais um fator a evidenciar o quão facilmente o próprio governo cede e se enfraquece ante o mercado. Convém sempre lembrar que a candidata Dilma Rousseff foi eleita com um discurso fortemente antiprivatização, o qual incluía a crítica ferina – e justíssima – ao elevado preço dos pedágios nas rodovias estaduais privatizadas por políticos tucanos. (Desnecessário observar que a mídia, sempre tão enfaticamente contrária quanto há revisão de contratos para diminuição dos preços praticados, se queda em ensurdecedor silêncio quando os contratos, cavando fundo no bolso dos cidadãos, são revistos de modo a aumentar os lucros das corporações concessionárias.)



Bandeiras ao léu
Agravam os problemas acima descritos elementos advindos do estilo Dilma de governar: isolada no palácio, na solidão do Planalto Central, cercada de assertivos acólitos, a presidente habituou-se a lançar medidas na base do "publique-se e cumpre-se", sem debatê-las previamente com a sociedade e, assim, sem possibilitar que esta forme, a contento, blocos articulados de pressão, inclusive de eventual apoio a algumas dessas medidas. Tal processo torna evidente que o governo capitaneado pela aliança petista não avançou um milímetro na ultima década em termos de aprimoramento da democracia participativa – mais uma das bandeiras históricas do partido, no poder abandonadas.

Transcorrida mais da metade do governo Dilma, avolumam-se interrogações acerca de qual será o legado específico de seu governo, para além da meritória continuidade dos programas de inclusão social herdados de seu antecessor. Ainda que se mantenha como franca favorita nas próximas eleições, e sem que tome forma no horizonte nenhuma candidatura minimamente consistente no espectro à esquerda do centro político, os recuos e a hesitação de Dilma, somados à recusa ferrenha do PT federal em ideologizar a política – que ora cobra seu preço ao permitir que uma pauta conservadora e eventualmente religiosa domine o debate público -, trazem inquietação e descontentamento a muitos de seus ex ou atuais apoiadores.


(Imagem retirada daqui)