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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O ex-presidente perde a linha

Que as eleições deste ano extrapolaram no quesito baixaria é um fato consumado, cuja maior prova é a intervenção da própria Justiça Eleitoral no sentido de trazer de volta as campanhas de Dilma e Aécio para patamares civilizados. Esforço em vão, pois tardio: 'O que o TSE fez foi tentar passar a tranca depois de a porta ter sido arrombada”, definiu com precisão Dora Kramer.

No primeiro turno a baixaria foi uma quase-exclusividade petista, transformada em método de desqualificação de Marina Silva – não só a candidata, mas a pessoa, posto que a falta de ética do marqueteiro João Santana borrou tais limites. No segundo, Aécio, ao constatar a ineficácia da passividade de Marina, que quase até o final recusou-se a responder na mesma moeda, reagiu um tom acima, provocando uma escalada de ataques de parte a parte.

Escalada que agora, na reta final, atinge um ponto quase intolerável nos eventos públicos e nas redes sociais.



Adeus à razão
Tal estado de cosas ficou evidente n comício do PT em Recife, na noite de ontem (21/10). O evento marcou um ponto da campanha em que a substituição da argumentação convincente pela agressividade irracional atingiu seu paroxismo, dando vazão a um maniqueísmo caricato e a generalizações despropositadas, historicamente insustentáveis: aos brasileiros não fanatizados e que um dia admiraram o ex-presidente Lula deve causar espécie vê-lo, aos berros, bufando de raiva, comparando os adversários políticos a Herodes e a nazistas e, de acordo com a analogia por ele proposta, os petistas a ninguém menos que Jesus Cristo:

- “Os nordestinos sofrem preconceito e ofensas, como os nazistas agrediam. Eles são intolerantes. São mais intolerantes que Herodes, que mandou matar as crianças para que Jesus não nascesse” - bradou textualmente o ex-presidente, colérico.


Desprezo à simbologia
No Brasil, os ex-presidentes infelizmente não têm o costume de respeitar a simbologia do cargo. Perdem, assim, a oportunidade de se tornarem figuras referenciais, que pairam acima das paixões partidárias, e podem servir como reserva moral da Nação em momentos de crise ou intensa disputa. Cada qual à sua maneira, e guardadas as devidas proporções, Mandela na África do Sul, Felipe Gonzalez na Espanha, e Jimmy Carter nos EUA são exemplos de exercício sereno e digno da ex-presidência.

O fato de FHC, principal antagonista de Lula e seu predecessor na Presidência, também abdicar do respeito à liturgia dos ex-presidentes - no caso, cometendo artigos recheados de preconceitos de classe e de tendenciosismo partidário – não descompromete o líder petista de segui-la. Pelo contrário: ao mimetizar tal atitude, Lula perde uma oportunidade de ouro para diferenciar-se de seu rival e colocar-se acima deste, como um estadista de fato.

Porém, na presente campanha, dá-se exatamente o contrário. No ardor de uma disputa inflamada, em grande parte, por ataques desqualificadores disparados pelo próprio petismo, a belicosidade e a proverbial verborragia de Lula, nos últimos dias, extrapolaram em muito o aceitável em qualquer palanque politico – o que dizer daquele ocupado por um ex-presidente da República.



Derrota moral
Em um dos textos-chave destas eleições, Raphael Tsavkko assinala que “O PT pode vencer Aécio, mas sairá derrotado das eleições”. Para Lula, não se trata só de mera possibilidade: seja qual for o resultado do pleito, dele sairá diminuído, vulgarizado pela falta de limites de sua verborragia agressiva e pelo sacrifício do bom senso e da civilidade em prol dos ataques desproporcionais, num processo de demonização do opositor e de transformação deste em inimigo – e, assim, da disputa política democrática, que deveria ser uma arena festiva de debate de projetos, ideologias, meios e fins, em um campo de batalha onde vale tudo e o objetivo é desqualificar e aniquilar quem quer que se oponha no caminho entre o PT e o poder.

Assim, mais do que o despropósito de se comparar um dos maiores tiranos genocidas da história com meros opositores políticos em uma eleição nacional, o que chama atenção na atitude de Lula é a absoluta falta de escrúpulos em atiçar rivalidades e jogar os brasileiros uns contra os outros, com fins meramente eleitorais.

É por meio de tal atitude, infelizmente cada vez mais frequente entre líderes e militantes do PT, que a imagem de estadista que um dia Lula projetou para si – e por um breve momento pareceu fazer por merecer – desfaz-se, na prática, para dar lugar à de um militante fanático e intransigente que coloca o interesse de seu partido acima dos interesses da Nação.


sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Baixaria doentia

O piripaque que acometeu a candidata Dilma ao final do debate do SBT é um daqueles eventos cuja simbologia impõe-se sobre qualquer ponderação ou questionamento: não importa se a “queda de pressão” foi autêntica ou, como querem alguns, simulada; de um jeito ou de outro, ela evidencia a desumanidade, a inaturalidade, a brutalidade de uma campanha política feita com o fígado e com sangue nos olhos, e não com projetos e programa de governo.

E embora cúmplice e co-promotor da baixaria, não se pode culpar exclusivamente o candidato Aécio Neves. A bem da verdade, a responsabilidade maior é do próprio PT, cuja campanha desqualificadora contra Marina Silva, desprovida de qualquer escrúpulo ou limite, numa abdicação deliberada do debate político em prol da calúnia, do boato e dos ataques pessoais, ditou o tom do pleito. Foi um dos mais covardes massacres que a política brasileira já assistiu, mas sua eficácia garantiu seu prolongamento e ampliação no segundo turno.

Também não se pode atribuir tão-somente ao marqueteiro João Santana o ônus de tal estratégia, como procuram fazer os petistas mais cínicos, posto que tanto a militância, virtual ou não, quanto a cúpula do partido – inclusive e de forma destacada a candidata Dilma, sem demonstrar a mínima preocupação em preservar o instituto da Presidência, pelo contrário– aderiram de corpo e alma a essa estratégia covarde, antidemocrática e negatória da Política no que esta tem de transcendental e transformador.

A confluência entre a Ciência Política e os Estudos em Comunicação nos informa que a supremacia do marketing sobre a politica atingiu, nas últimas décadas, no Ocidente, um ponto em que a transformação de candidatos e plataformas programáticas em produto vendável é a norma, e inclui o monitoramento constante da interação entre candidatos, mídias novas e antigas, militância e eleitores – de um modo tal que permita mensurar e controlar até a “espontaneidade" do candidato.

A presente campanha presidencial, porém, vai além: não contente em esvaziar qualquer proposta ou debate propriamente político, ela foi bem-sucedida em colocar a efetividade da agressão e da desqualificação como os valores máximos de avaliação do candidato.

Assim, a disputa se resumiu, até agora, a determinar qual o candidato aparentemente mais capaz de revelar podres do adversário, de manipular ou ocultar os dados do próprio governo, de açular o medo em relação ao futuro que habita o inconsciente coletivo.

Digo "aparentemente" porque, como o próprio estatuto de verdade ou de fato é desprezado nos debates – inclusive pela mídia, numa grave omissão -, substituído por uma avalanche de acusações que podem ou não ser verdadeiras, esses eventos acabam se tornando apenas mais um round de um enfrentamento catártico e rebarbativo, onde o que conta é o impacto psicológico dos golpes e a impressão de vitória que possam eventualmente causar. 

No entanto, como os juízes são os próprios eleitores, hoje em extrema polarização entre si, o resultado é um circulo vicioso em que as duas turbas comemoram a "vitória” de seu candidato, negam qualquer réstia de razão ao adversário, e se acusam mutualmente pelo baixo nível evidente. Enquanto mal disfarçam a torcida por sangue no ringue.

O mal-estar físico da candidata Dilma acabou por chamar a atenção para uma situação que muitos já consideravam intolerável. Mas, tendo ocorrida em plena campanha, a dez dias do pleito, ao invés de instigar um movimento de apaziguamento de ânimos e de cobrança por debates éticos e programáticos, acabou por recolocar o círculo vicioso de acusações, agora girando em torno de temas como a agressividade maior de um ou de outro candidato, a veracidade ou a simulação do mal-estar e as demais acusações mútuas que há tempos caracterizam a dicotomia PT versus PSDB. Tudo, menos a autocrítica.

Na reta final de uma campanha imunda, fica absolutamente claro que, seja qual for o resultado das eleições, quem perdeu foi a democracia, a cidadania e o país.

Na contramão de uma democracia mais participativa, tal como defendida nas Jornadas de Junho, os eleitores brasileiros se veem privados de tomar parte em um debate efetivo e qualitativo sobre Educação, Saúde, Mobilidade Urbana, Biopolítica e demais temas que julgar relevantes, preteridos ou ignorados na campanha, em prol de uma agressividade desqualificadora que equivale a barbárie antirrepublicana.


(Imagem retirada daqui)