Que as eleições deste
ano extrapolaram no quesito baixaria é um fato consumado, cuja maior
prova é a intervenção da própria Justiça Eleitoral no sentido de
trazer de volta as campanhas de Dilma e Aécio para patamares
civilizados. Esforço em vão, pois tardio: 'O que o TSE fez foi
tentar passar a tranca depois de a porta ter sido arrombada”,
definiu com precisão Dora Kramer.
No primeiro turno a
baixaria foi uma quase-exclusividade petista, transformada em método
de desqualificação de Marina Silva – não só a candidata, mas a
pessoa, posto que a falta de ética do marqueteiro João Santana borrou tais
limites. No segundo, Aécio, ao constatar a ineficácia da
passividade de Marina, que quase até o final recusou-se a responder
na mesma moeda, reagiu um tom acima, provocando uma escalada de
ataques de parte a parte.
Escalada que agora, na
reta final, atinge um ponto quase intolerável nos eventos públicos
e nas redes sociais.
Adeus à razão
Tal estado de cosas
ficou evidente n comício do PT em Recife, na noite de ontem (21/10).
O evento marcou um ponto da campanha em que a substituição da
argumentação convincente pela agressividade irracional atingiu seu
paroxismo, dando vazão a um maniqueísmo caricato e a generalizações
despropositadas, historicamente insustentáveis: aos brasileiros não
fanatizados e que um dia admiraram o ex-presidente Lula deve causar
espécie vê-lo, aos berros, bufando de raiva, comparando os
adversários políticos a Herodes e a nazistas e, de acordo com a
analogia por ele proposta, os petistas a ninguém menos que Jesus
Cristo:
- “Os nordestinos sofrem preconceito e ofensas, como os nazistas agrediam. Eles são intolerantes. São mais intolerantes que Herodes, que mandou matar as crianças para que Jesus não nascesse” - bradou textualmente o ex-presidente, colérico.
Desprezo à simbologia
No Brasil, os
ex-presidentes infelizmente não têm o costume de respeitar a
simbologia do cargo. Perdem, assim, a oportunidade de se tornarem
figuras referenciais, que pairam acima das paixões partidárias, e
podem servir como reserva moral da Nação em momentos de crise ou
intensa disputa. Cada qual à sua maneira, e guardadas as devidas
proporções, Mandela na África do Sul, Felipe Gonzalez na Espanha, e
Jimmy Carter nos EUA são exemplos de exercício sereno e digno da
ex-presidência.
O fato de FHC,
principal antagonista de Lula e seu predecessor na Presidência,
também abdicar do respeito à liturgia dos ex-presidentes - no caso,
cometendo artigos recheados de preconceitos de classe e de
tendenciosismo partidário – não descompromete o líder petista de
segui-la. Pelo contrário: ao mimetizar tal atitude, Lula perde uma
oportunidade de ouro para diferenciar-se de seu rival e colocar-se
acima deste, como um estadista de fato.
Porém, na presente
campanha, dá-se exatamente o contrário. No ardor de uma disputa
inflamada, em grande parte, por ataques desqualificadores disparados
pelo próprio petismo, a belicosidade e a proverbial verborragia de
Lula, nos últimos dias, extrapolaram em muito o aceitável em
qualquer palanque politico – o que dizer daquele ocupado por um
ex-presidente da República.
Derrota moral
Em um dos textos-chave
destas eleições, Raphael Tsavkko assinala que “O PT pode vencer
Aécio, mas sairá derrotado das eleições”. Para Lula, não se
trata só de mera possibilidade: seja qual for o resultado do pleito,
dele sairá diminuído, vulgarizado pela falta de limites de sua
verborragia agressiva e pelo sacrifício do bom senso e da civilidade
em prol dos ataques desproporcionais, num processo de demonização
do opositor e de transformação deste em inimigo – e, assim, da
disputa política democrática, que deveria ser uma arena festiva de
debate de projetos, ideologias, meios e fins, em um campo de batalha
onde vale tudo e o objetivo é desqualificar e aniquilar quem quer
que se oponha no caminho entre o PT e o poder.
Assim, mais do que o
despropósito de se comparar um dos maiores tiranos genocidas da
história com meros opositores políticos em uma eleição nacional,
o que chama atenção na atitude de Lula é a absoluta falta de
escrúpulos em atiçar rivalidades e jogar os brasileiros uns contra
os outros, com fins meramente eleitorais.
É por meio de tal
atitude, infelizmente cada vez mais frequente entre líderes e
militantes do PT, que a imagem de estadista que um dia Lula projetou
para si – e por um breve momento pareceu fazer por merecer –
desfaz-se, na prática, para dar lugar à de um militante fanático e
intransigente que coloca o interesse de seu partido acima dos
interesses da Nação.
2 comentários:
Cada dia que passa eu gosto mais desse blog, um dos raros que fazem análises supercoerentes sobre a política brasileira. Parabéns. Longa vida a este site!
Obrigado, Marc!
Um abraço,
Mauricio.
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