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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Dirceu e o jornalismo de arromba

Confesso que não simpatizo com José Dirceu. No período em que foi Chefe da Casa Civil exalava prepotência, tornando-se, a meu ver, uma das figuras públicas mais arrogantes que conheci em meus 44 anos de vida, rivalizando com certos ministros da ditadura (o José Serra da época das últimas eleições acabaria por superá-lo com folga).

Vou além: eu não compraria um carro usado de José Dirceu. Tenho claro, no entanto, que as minhas impressões pessoais sobre ele e a desconfiança que a recusa em dele comprar um carro assinala pertencem à esfera subjetiva e não me autorizam a imputar-lhe nenhum ato ilegal ou a prejulgá-lo um criminoso.


Intransigência e radicalização
Vivemos, no entanto, uma era de radicalizações: “quem não está conosco está contra nós”, parece ser o lema de todas as facções da microguerrilha política na internet. Em tal ambiente, grassa a mistificação: quem questiona se Belo Monte é mesmo o horror que alguns apregoam é carimbado como nada menos do que genocida, numa reação que revela não só o desconhecimento do significado do termo mas a desonestidade intelectual de sugerir que para a construção da usina os índios serão assassinados; quem revela o absurdo de uma revista semanal alegadamente violar não só as regras do bom jornalismo, mas do Código Penal, é acusado de defender Dirceu.

Ora, e se de defender Dirceu se tratasse? Há alguma lei que o proíba, algum interdito secreto que o tenha tornado o único cidadão brasileiro que não pode ser defendido? No caso de Dirceu – e só no dele – o ônus da prova cabe ao acusado? Por que os outros envolvidos no mensalão e também formalmente denunciados – como o ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB) e o petebista Roberto Jefferson - continuam a ter livre-trânsito na mídia mas Dirceu só aparece no papel de Judas de Sábado de Aleluia?

Qual é o critério e o que está por trás de tamanha repulsa ao ex-Chefe da Casa Civil? Por que a necessidade de persegui-lo constantemente e neutralizá-lo como ente político? É preciso que todos os que testemunham a caça implacável da mídia a Dirceu, culminando (sic) com a reportagem de métodos reprováveis e de resultados pífios da última Veja, se façam tais perguntas.



Jornalismo de arromba
Apesar de, como já disse, não ir com a cara de Dirceu, de ter divergências com seu método-trator de fazer política partidária e com a realpolitik demasiado elástica que ele impôs ao PT quando no comando, como forma de levar Lula à Presidência (no que acabou bem-sucedido), parece-me evidente que ele já foi, há tempos, julgado e condenado. Não pela Justiça, como manda a Constituição, que esta ainda não se pronunciou, mas pela mídia.

E a imprensa não tem o direito de agir como Poder Judiciário e prejulgar e condenar quem quer que seja. A Constituição brasileira é clara: um cidadão só pode ser considerado culpado após sentença transitada em julgado. Ao contrário do que um certo populismo neoudenista crente das panaceias fáceis no estilo Lei da Ficha Limpa quer fazer crer, isso não é um sintoma de impunidade; pelo contrário, sinaliza maturidade democrática e respeito pelos trâmites legais constitucionais.

Porém, o que estamos vendo no Brasil, em âmbito federal desde a posse de Lula em 2002, é um desrespeito pelos trâmites legais institucionais par a par com o desvirtuamento da nobre função da imprensa de investigar e produzir denúncias fundamentadas. Substitui tal ação democrática da mídia uma atuação com tonalidades e métodos de gangsterismo, com verdadeiras quadrilhas repercutindo umas às outras os factoides mais improváveis e menos documentados, sempre sob um pronunciado – mas raramente assumido - viés político-partidário, inaceitável no jornalismo.

Arrombar portas é a mais bizarra, mas não a mais venal das práticas a tal jornalismo associadas. Sinaliza, no entanto, de forma clara, o ápice de um processo, a ultrapassagem de todas as barreiras de tolerância possível para com o desvirtuamento da imprensa corporativa no Brasil.


Basta!
Goste-se ou não de José Dirceu, é forçoso reconhecer que ele se tornou, com o episódio do último final de semana no Hotel Naoum, o maior símbolo dessa caça as bruxas desenfreada, com métodos inescrupulosos, promovida por uma imprensa que se pretende polícia, Ministério Público e juiz. Trata-se de algo inaceitável em um país que respeite o Estado Democrático de Direito. Está mais do que na hora de o governo, os partidos e, sobretudo, a sociedade botarem um fim nisso e exigir que a imprensa aja como imprensa, sob as leis de um estado democrático.

sábado, 20 de agosto de 2011

A faxina de Dilma

No Brasil, o moralismo foi sempre a principal – quando não a única – arma dos setores conservadores contra os governos progressistas. Está fresca na memória de todos a estratégia do demotucanato, em conluio com a mídia, durante os oito anos em que Lula ocupou a Presidência: um jogo de derruba-presidente alimentado por denúncias semanais de corrupção.

A prática é antiga, e, em maior ou menor grau, tanto o Getúlio Vargas eleito quanto Juscelino Kubitschek e João Goulart foram alvos de tais táticas - o primeiro tendo toda a imprensa contra si, à exceção da Última Hora de Wainer; JK atacado incessantemente por O Cruzeiro, David Nasser à frente, para quem Brasília era uma mera desculpa para engrossar a corrupção; e quanto a Goulart, basta lembrar que o combate à corrupção foi inúmeras vezes elencado por fontes militares e editoriais jornalísticos como uma das motivações centrais do golpe que o derrubara.


Denuncismo vazio
Não interessa, nesse denuncismo que ora tem no governo Dilma o seu alvo, se as denúncias procedem ou não. O objetivo não é a moralização do Estado ou de coisa alguma, como fica evidente pelo fato de que tanto a mídia quanto os partidos patrocinadores das denúncias se desinteressam pelos desdobramentos das investigações tão logo o personagem acusado deixa o governo.

Os objetivos - cujo fim último é, como os casos de Goulart e de Getúlio evidenciam, o golpe contra o presidente -, são outros:
1) Manter a opinião pública permanentemente indignada, com a certeza de que vive no mais corrupto dos países, e ora administrado pelo partido mais vil e pelos mais degenerados dos políticos.
2) Impor sucessivos cortes à equipe governista, estreitando sua margem de quadros e de manobras e, ao mesmo tempo, minando suas relações com os partidos da base, que não gostam de ter seus indicados forçados a deixar os cargos.


Dilma na mira
Filiam-se à mesma estratégia golpista acima descrita as denúncias de corrupção contra o governo Dilma, ininterruptas desde fevereiro e que já custaram o cargo de quatro ministros. A diferença, agora, é a postura da presidente. Ao invés de denunciar a estratégia midiática, como Lula fazia, ela não só tem se deixado pautar pela mídia mas, ultimamente, vem aceitando o apoio de cardeais tucanos para a sua “faxina”.

Ora, é preciso uma enorme dose de ingenuidade para não se aperceber dos riscos que tal estratégia traz consigo. Em primeiro lugar, nenhuma expertise é requerida para se dar conta de que uma matéria com FHC e Dilma na foto, o primeiro saudando o combate o combate à corrupção promovido pela presidente, leva diretamente ao legado de outro ex-presidente, ausente na foto: se há corrupção a ser combatida e este combate é apoiado até por FHC é porque Lula a deixou, eis a dedução lógica.

Além disso, a mídia demotucana já se deu conta - graças, entre outros fatores, à repercussão do desempenho da Polícia Federal no governo Lula - de que a opinião pública não tende a associar o aumento de investigações sobre corrupção ao combate desta - pelo contrário. O mito acachapante de que durante a ditadura militar praticamente não havia corrupção alimenta-se precisamente desse paradoxo: como não se podia noticiar a corrupção é como se ela não existisse. De forma inversa, a impressão, amplamente difundida em certos estratos, de que os governos Lula e Dilma são extremamente corruptos viria justamente da profusão de denúncias averiguadas e de anúncios de investigações em curso.

Refém em potencial

Por fim, parece evidente que esse apoio público de setores conservadores à “faxina” promovida por Dilma vai retroalimentar e hiperdimensionar o tal combate à corrupção, e que a mídia, a cargo de pautar e ditar o ritmo de ação da “limpeza”, pode levar o governo a uma situação de suscetibilidade, tendo de cortar na carne seus quadros no Executivo, gerando atritos cada vez maiores com a base aliada e tornando mais vulnerável a própria autoridade presidencial.

É urgente, portanto, que Dilma Rousseff repense os termos de sua relação com a mídia e com a oposição, de modo a abrir mão do populismo neoudenista implícito no conceito de “faxina” contra a corrupção (sem abrir mão do combate a esta) e sem se deixar pautar. Do contrário, a possibilidade de se tornar refém da agenda tucano-midiática é real.



(Foto de Jânio Quadros retirada daqui)

domingo, 14 de agosto de 2011

Haddad e as eleições paulistanas

As eleições para a Prefeitura de São Paulo, que ocorrerão no ano que vem, têm uma importância especial, que transcende o poder de comandar a maior cidade e o sexto maior orçamento do país: estará em jogo não só a manutenção ou a quebra da hegemonia demotucana no estado – prestes a completar duas décadas -, mas a movimentação de peças decisivas no xadrez eleitoral presidencial.


Demotucanos em guerra
O campo governista mostra-se, ainda e uma vez mais, preso da rivalidade entre o governador Alckmin e José Serra, este insistente em sua obsessão pelo caminho mais curto à Presidência, escoltado por seu pupilo Kassab (agora a bordo do PSD, partido que nem o mais experimentado dos analistas políticos tem sido capaz de dizer a que realmente veio).

As últimas sondagens internas indicam que Serra, pesquisas à mão, teria desistido de sair candidato, mas não se pode descartar de pronto sua candidatura, nem a inacreditável possibilidade de os paulistanos voltarem elegê-lo, mesmo após ter largado a Prefeitura para candidatar-se a governador, e o governo para concorrer à Presidência – e de estar claramente disposto a fazer o mesmo percurso de novo.

Por outro lado, com Serra lame duck, fragilizado por duas derrotas eleitorais, e com os índices de aprovação do atual prefeito Kassab em queda livre, o petismo enxerga nas eleições municipais uma grande oportunidade de ampliar ainda mais o raio de seu poder e de penetrar no bastião demotucano, conquistando uma posição privilegiada para influir nas eleições ao governo estadual e à Presidência em 2014.


Petismo entre a inovação e a experiência
O dilema central do PT concentra-se em apostar no novo ou insistir com candidatos mais experientes, conhecidos dos paulistanos, mas com histórico de derrotas em eleições majoritárias. É este o caso tanto de Aloizio Mercadante, 57 anos, atual ministro da Ciência e Tecnologia e um dos quadros mais preparados do partido, com sólida formação em Economia, quanto da senadora Marta Suplicy, 66 anos, que governou a cidade entre 2001 e 2005, com avanços nas áreas sociais, inédita atenção às periferias, caos nos transportes urbanos por conta de quedas-de-braço com empresários do setor e uma perseguição implacável por parte da mídia corporativa paulista. Ao tentar a reeleição, mesmo recebendo 2,7 milhões de votos, foi derrotada por José Serra no segundo turno; quatro anos depois, perderia para Kassab. Já Mercadante, não obstante a expressiva votação conquistada, perdeu as duas últimas corridas ao Palácio dos Bandeirantes.

A nova face do petismo em São Paulo, por sua vez, vem representada pelo ministro da Educação Fernando Haddad. Mais acostumado a contribuir com o partido com a produção de análises conjunturais do que através do exercício da política partidária, esse intelectual multidisciplinar (é graduado em direito, mestre em economia e doutor em filosofia, tendo publicado vários livros) destacou-se como uma quase-unanimidade positiva no governo Lula e manteve-se em alta na atual administração. Articulado, com pinta de bom moço, goza ainda do privilégio de ser o candidato preferido do ex-presidente. Aos 48 anos, mesmo que não venha a vencer as eleições, ganharia projeção e cacife para futuros pleitos.


Aposta e risco
Não é, no entanto, desprovida de riscos a candidatura Haddad. De início, é claro, aquelas relativas à sua estreia em eleições: a necessidade de criar empatia, o traquejo para fechar acordos, o estabelecimento de uma química de confiança com o eleitorado. Na semana passada começaram as rondas por bairros periféricos da capital e o candidato teria demonstrado não conhecer as lideranças locais, as quais é praxe chamar pelo nome. Enfim, nada que dedicação, intuição e uma boa equipe de marketing político não possam resolver.

Há ainda um paradoxo que perpassa a candidatura do ministro a prefeito e ao qual não se está dando a mínima atenção: a cidade de São Paulo, que conta com a USP e com a maior e melhor rede de ensino pago do país, é não só onde menos se vê os frutos da gestão Haddad, como um dos principais endereços da classe média conservadora e radicalmente neoliberal. Se se precisa conquistar parcelas desse eleitorado para vencer o pleito, como as projeções sugerem, um candidato que representa - ou durante um bom tempo representou - o investimento estatal maciço em educação talvez não seja a melhor opção petista.

Mesmo a medida populista, mal-explicada e desprestigiosa para a universidade brasileira de mandar, em conluio com a iniciativa privada, 75.000 estudantes bolsistas para frequentar sabe-se-lá-quais instituições internacionais não parece ter potencial de impressionar o jovem reacionarismo paulistano.


Os efeitos do fiscalismo
Mais grave, não se está prestando a devida atenção à possibilidade de que questões potencialmente bem mais danosas à candidatura possam advir do único legado que Haddad tem para sustentar seu projeto político: sua gestão no MEC.

Há desde questões pontuais, aparentemente comezinhas - como o veto ao ensino de História da África nas escolas de segundo grau, capaz de gerar a animosidade dos movimentos negros e de setores do professorado - até problemas potencialmente desastrosos, sendo quase certo, por exemplo, que as confusões que envolveram o ENEM, com vazamento de dados sigilosos e com provas apresentando problemas, sejam explorados à exaustão e ponham em questão a capacidade gerencial de Haddad. Mas esta é uma reação esperada, um risco calculado.

Porém, aquilo que pode se voltar com mais força contra a candidatura é justamente o que poderia ser considerado um dos maiores legados do ministro: a extraordinária expansão da universidade brasileira durante a última década. Pois acontece que o que deveria ser motivo de júbilo e prestígio eleitoral - ainda mais por se dar após o governo FHC, que tentou destruir a universidade brasileira – encontra-se, neste momento, por conta do rigoroso aperto fiscal adotado pelo governo Dilma Rousseff, sob risco de sucateamento (“aqui tudo parece que é ainda construção, mas já é ruína”, diz a canção).


Prato cheio para a oposição
É difícil acreditar que a oposição perderá a oportunidade de demonstrar ao eleitorado que, ao invés de contratar professores doutores e mestres, como é padrão internacional seguido pelas federais, tais unidades, assim como boa parte do PROUNI, vão ser tocadas por professores temporários – uma categoria ainda mais aviltada que a de professor substituto, com regime trabalhista precário e salário vergonhoso; que ao aumento exponencial das vagas para alunos não corresponde o aumento da contratação de docentes; que a terceirização e o déficit de funcionários grassam.

Do mesmo modo, os entraves para a compra de equipamentos e constituição de bibliotecas tende a ser explorado, assim como a insatisfação dos funcionários – que, aliás, neste momento se encontram em mais uma daquelas greves que a mídia não noticia (no que tem sido seguida pelos blogs chapa-branca).


Prioridade à educação?
Resta pouco mais de um ano até as eleições de 2012. Haddad pode vir a ser um candidato forte, com um potencial eleitoral que talvez nem Marta nem Mercadante possam, neste momento, aspirar – além de contar com a preferência de Lula, reconhecidamente um ás na arte da política, e que parece disposto a lutar por seu pupilo.

Mas é preciso que, até lá, as superlativas potencialidades evocadas pelas gestões de Haddad deixem de ser quimeras no papel e se concretizem na forma de um salto efetivo de qualidade e quantidade de oferta do ensino no Brasil. Para isso, é preciso superar o fiscalismo tacanho, neoliberal e mais realista que o rei que tem caracterizado a presidência de Dilma Rousseff e fazer com que a prioridade à educação anunciada na campanha e corroborada no discurso de posse dê o ar de sua graça e torne-se um fato.


(Foto retirada daqui)

domingo, 7 de agosto de 2011

Assalto ao Banco Central: falta emoção ao thriller

Assalto ao Banco Central vem competindo com blockbusters do cinema norte-americano não só na bilheteria mas na alta resolução técnica, verificável sobretudo no admirável desenho de som. Poderia, além disso, ser um bom filme e um entretenimento de primeira linha.

O que impede que o longa nacional logre tal sucesso é, acima de tudo, a “Síndrome de Tarantino”, a mania de fragmentar excessivamente o roteiro em avanços e retrocessos na narrativa - que, embora não tenha sido inventada pelo diretor de Pulp Fiction, tornou-se marca recorrente de contemporaneidade após o sucesso mundial de seus filmes.

Tal recusa à narrativa cronológica linear, somada ao artificialismo e falta de fluência da montagem, cobra um alto preço ao filme dirigido por Marcos Paulo, tendo como principal efeito o engessamento e esvaziamento emocional da narrativa – algo extremamente danoso para um pretenso thriller.

Deve-se registrar, a favor dos roteiristas, que a transposição às telas do maior roubo já ocorrido em solo nacional colocava uma relevante dificuldade inicial: o público estava ciente de que a operação fora bem-sucedida, não haveria como surpreendê-lo por aí. Ainda assim, se, ao invés de macaquear a fragmentação narrativa pós-moderna, os roteiristas de Assalto ao Banco Central prestassem mais atenção a filmes clássicos sobre roubos – como O Segredo das Jóias (The Asphalt Jungle, John Huston, EUA, 1950) ou O Grande Golpe (The Killing, Stanley Kubrick, EUA, 1956) -, ou mesmo a passáveis thrillers recentes – como Um Plano Brilhante (Flawless, Michael Radford, Reino Unido/Luxemburgo, 2007), em que Demi Moore e Michael Caine assaltam milhões em diamantes nos anos 60 – talvez se dessem conta da primazia do suspense e da emoção numa narrativa com tal tema.

Ao negligenciarem tais aspectos em prol de uma roupagem moderninha, fazem uma abordagem rasa de um tema profícuo, um roubo que, em plena era da vigilância eletrônica, levou R$160 milhões dos cofres federais – dos quais, a despeito da prisão da maioria dos envolvidos, só R$ 24 milhões foram recuperados. Tal trama real que tem não só desdobramentos dignos de grande história, de um thriller vibrante, mas evidente potencial metafórico, um ethos inerente à ação e seus desdobramentos, tanto no que concerne à denúncia do grau de deterioração moral de nossa sociedade – incluindo, com destaque, escalões do poder e autoridades policiais – quanto, em um âmbito mais amplo, ao velho embate entre a cobiça humana e mecanismos sociais de controle do capital.

Tudo isso fica, na melhor das hipóteses, apenas insinuado em Assalto ao Banco Central, caso típico de filme em que o elenco está muito acima da mise en scène, desperdiçado em uma representação por demais esquematizada: Lima Duarte e Giulia Gam estão soberbos como os policiais federais caxias e honestos; a trupe dos bandidos é reforçada por atores de grande personalidade cênica – como Gero Camilo e Tonico Pereira -, e, uma vez mais, Hermila Guedes (de Um Céu de Suely) rouba a cena, desta feita como a femme fatale gerando tensões no interior do bando. Além, é claro, do protagonista Milhem Cortaz – uma espécie de Victor Mature brazuca - como o implacável Barão, retrato de um bandido tão assustador quanto, por suas ligações com o poder oficial, real e convincente.

Após a experiência morna de assistir a Assalto ao Banco Central, resta aguardar pelo documentário sobre o roubo, a ser lançado por Luciana Burlamaqui, que teve acesso às investigações e tem horas e horas de material gravado, conforme anunciado pelo ótimo blog do crítico Carlos Alberto de Mattos. Não será surpresa se o resultado do doc superar o da ficção milionária.