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quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Folha e o colunismo moleque

Por uma dessas estranhas coincidências da vida, comecei a ler o livro que reúne o melhor das colunas de Otto Lara Resende para a Folha de S. PauloBom dia para nascer (Companhia das Letras, 1994) - no mesmo dia em que o diário paulista anunciava Kim Kataguri como seu novo colunista.

Difícil imaginar um contraste mais pronunciado, que melhor explicite a epifania de decadência e perda de rumo por parte de um órgão de imprensa que, nos anos 80 e 90, fez muitos nutrirem esperanças de um salto de qualidade no jornalismo brasileiro.

A prosa de Otto é fluente, enxuta, perpassada por uma ironia tão sutil quanto inteligente, mineiríssima, e por um criticismo político que denota critério, evitando tanto generalizações quanto um certo niilismo negativista que há tempos se tornou corrente. Informada sem soar pedante, pontuada por referências e comparações históricas, sugere uma mente arejada, que surpreende o leitor ao abordar o noticiário com ângulos e associações inusitadas. Leveza, cultura, inteligência.



Abandono da ética
Desnecessário afirmar que nada remotamente similar a isso é oferecido pelo novo contratado da Barão de Limeira – um garoto com Ensino Médio que, já em sua coluna de estreia, maltrata a língua portuguesa e a verdade ao chamar de terroristas cidadãos que, exercendo um direito constitucional. protestaram contra o aumento do preço das passagens de ônibus, sendo por isso massacrados pela PM paulista.

O uso de força excessiva e gratuita por parte das forças policiais, bem como o recurso a uma tática repressiva internacionalmente reputada como desumana – o “caldeirão de Hamburgo”, em que os manifestantes são cercados de todos os lados, sem possibilidade de fuga, enquanto bombas lhes são atiradas –, se, com exceções como o brilhante artigo de Eliane Brum no El País, passou quase em branco na mídia nacional, chocou colunistas internacionais e vem repercutindo muito mal no exterior. Não será surpresa se, num futuro próximo, vier a gerar sanções contra o Brasil, como ocorreu com o tratamento que o governo Dilma dispensa à questão indígena.

Porém, o jornal dos Frias, que sempre se auto-outorgou o título de bastião avançado da ética e dos Direitos Humanos, confirma, com a contratação do agitador semiletrado, que hoje restringe tais temas à cosmética do marketing.

Trata-se, no caso, de uma escolha deliberada, que é mercadológica (mirando o leitorado jovem e o nicho do jornalismo neocon, fenômeno nos EUA, que no Brasil tem a Veja como combalido carro-chefe), mas sobretudo política (a aposta na retomada da mobilização popular pró-impeachment).



Binarismo e desvio de função
A contrapartida, além do agravamento da debandada dos assinantes antigos, é que fornece mais munição para a eterna choradeira do petismo contra a imprensa em geral e contra a Folha em particular – um lacrimário que é hoje o principal bode expiatório a desviar as atenções (e impedir a autocrítica) das responsabilidades dos governos petistas, após mais de 13 anos no poder, pelo deplorável estado de coisas no Brasil de hoje. E que se baseia em uma quimera, pois finge ignorar tanto a colaboração frequente de mandarins do neopetismo - como André Singer, Breser Pereira e Jessé de Souza – quanto a atuação de colunistas como Gregório Duvivier, Guilherme Boulos e de Janio de Freitas em seu outono chapa-branca.

De uma forma ou de outra, o jornal, em vez de aperfeiçoar sua atuação como divulgador de notícias e de análises que informem o leitor e melhor o capacitem para a formação de sua própria visão crítica, prefere investir no acirramento de uma luta político-ideológica binária, maniqueísta, em preto-e-branco sem contrastes, que já se desmontrou reiteradas vezes incapaz de fazer o país avançar.

Para além da intensificação de tal distorção da função da imprensa e da aposta em um beligerantismo ideológico primário, a nova contratação reduz, para além do suportável, o nível cultural, intelectual e de articulação de ideias que se espera do colunismo político.



Diagnóstico preciso
Trata-se de uma estratégia que, atendo-se às consequências propriamente jornalísticas, a professora e jornalista Sylvia Moretzsohn disseca com propriedade e contundência em carta à ombudskvinna em que comunica o cancelamento da assinatura do jornal:

“Várias vezes, antes desta, estive para tomar essa atitude. No momento em que se cunhou a expressão "ditabranda". No caso da ficha falsa da Dilma: não só pelo fato, mas pelos seus desdobramentos, a incapacidade de reconhecer o erro, a canhestra justificativa de que não se poderia afirmar que a ficha era verdadeira nem que era falsa (brilhante jornal que, na dúvida, publica...). Na decisão de contratar o Reinaldo Azevedo.

Mas tudo tem limite.

Não se trata, obviamente, da minha rejeição a posições de direita. Eu sempre achei que um jornal deve buscar a pluralidade. Mas é preciso buscar também a substância. Como disse uma colega, também professora e jornalista, colunista não é o sujeito que simplesmente vai lá e dá uma opinião: é alguém que traz informação original e qualificada. Definitivamente, não é o caso desse rapaz, que não tem condições de estar em nenhum jornal que se leve a sério.

Todo jornal faz suas escolhas. Ao acolher certos colaboradores, escolhe também o público que quer preservar e, consequentemente, o que pode dispensar.”


(Foto de Otto Lara Resende retirada daqui)

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Grazie mille, Ettore!

 
 Morreu hoje, em Roma, Ettore Scola, um dos mais longevos e ecléticos cineastas italianos. Tinha 84 anos, 61 dos quais dedicados ao cinema.

Deixa-nos belos filmes, como “O Baile” (1983), em que conta a história do século XX sem diálogos, só com música e dança; “Um dia muito especial” (1977), então ousada incursão na temática dos gêneros sexuais, com Sophia Loren e Marcello Mastroianni, este no papel de um gay, no dia da visita de Hitler a Roma; além do maravilhoso "Nós que nos amávamos tanto” (1974), sua obra-prima, retrato de uma Itália – e de uma esquerda – que desapareceu no tempo.

Muito versátil, deixa sua marca em comédias ("Ciúme à italiana”, o corrosivo “Feios, sujos e Malvados”), documentários (“Cartas da Palestina”, “O adeus a Enrico Berlinguer”), dramas (“A família”, “Splendor”), filmes de época (“Casanova e a Revolução”, “A viagem do Capitão Tornado”). 

Mas sua marca registrada talvez seja o equilíbrio entre o dramático e o cômico, de um modo tal que este não se mostr ainoportuno ou se choca com aquele, antes instensificando-lhe os efeitos.

Em seu tempo, o reconhecimento de seu talento foi um tanto obscurecido por uma questão geracional, precedido que foi pelos revolucionários do Neorrealismo Italiano e pelo gênio histriônico de Fellini, a quem homenageia em seu último filme (“Que estranho chamar-se Federico”, realizado em 2013 em conjunto com suas filhas Paola e Silvia).

Mas a revisão de seus filmes revela – ou confirma – um realizador com grande sensibilidade e esmero, um notável diretor de atores e um roteirista perspicaz e ideologicamente coeso – caractrerística esta que, nesta era de crise de ideologias, torna a revisão de sua obra particularmente atraente.

Ao contrário de seus contemporâneos na crítica, a história há de reconhecê-lo como um grande entre os grandes do então grande cinema italiano.


(Fotos retiradas, respectivamente, dali, de lá e dacolá)