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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A decadência das redes sociais

Em um país em que a mídia corporativa encontra-se, há décadas, concentrada na mão de meia dúzia de famílias caricaturalmente conservadoras e aliadas aos interesses das elites, a blogosfera e as redes sociais logo se afiguraram como meio alternativo de informação, de exercício do debate democrático e, eventualmente, da militância política.



Foi a atuação de cidadãos e cidadãs, nos últimos dez anos, que acabou por gerar um verdadeiro fluxo de contrainformação, desmentindo factoides criados pela mídia e desvelando episódios risíveis como o da bolinha de papel que atingira o candidato José Serra, na penúltima de suas tantas derrotas eleitorais.



Agora, porém, as redes sociais transformaram-se num campo de batalha permanente – e, se um dia foi possível acessar o Twitter ou o Facebook e deparar-se, em poucos segundos, com um punhado de links sugestivos e dois ou três debates instigantes, hoje o que se vê, na seara da política, são subcelebridades e anônimos se digladiando, seja através de farpas e indiretas, seja via os cada vez mais frequentes ataques frontais, que não levam a nada, interditam o debate político e só constrangem aqueles que esperam respirar um pouco de inteligência nas redes sociais.



Não estou falando dos trolls que durante tanto tempo prestaram serviços ao PSDB e nem sequer do embate entre os simpatizantes dos tucanos e aqueles que apoiam o PT. Chegamos a um ponto em que o debate é entre figuras que se dizem de esquerda, mas que, seja apoiando incondicionalmente o PT ou se colocando contra tudo o que o PT faz, se comportam como Stalin redivivo.



É um debate muito pobre, esse, entre os chamados governistas e os antigovernistas.



Para os primeiros, Lula é o Deus encarnado e a administração Dilma é uma perfeição, a despeito das privatizações vergonhosas para um governo que se elegeu com um discurso antiprivatização, da total falta de diálogo com os movimento sociais, da repressão a greves com uma truculência só vista no regime militar, das ameaças constantes aos direitos indígenas e trabalhistas, do anacronismo no trato com questões caras à bancada evangélica, como aborto e união civil homossexual, do PIB a 1%, da prioridade à educação só da boca para fora. Fingem achar normal que Haddad se alie com Maluf e que Kassab, um dia após ser derrotado numa campanha em que os próprios petistas o qualificaram como "higienista" e "fascista", seja recebido com tapete vermelho pelo partido. Para tais governistas, o pragmatismo tudo justifica. O que vale é o poder.



Para os que a estes se opõem, Dilma é a Porca e vale tudo para atacar o governo. Vibram com o julgamento do mensalão, fingindo não ver os desatinos apontados por juristas do quilate de Bandeira de Mello, Konder Comparato e Dalmo Dallari. Enchem a boca para criticar as alianças governamentais, fingindo hipocritamente não saber que, no sistema político brasileiro, não há como governar sem tecer amplas alianças partidárias. Não reconhecem nenhum mérito no governo, sequer nas políticas sociais que tiraram quase 40 milhões de pessoas da pobreza e criaram uma nova classe de cidadãos e consumidores. Pouco importa para eles que, em plena crise econômica mundial, no Brasil  os índices de desemprego sejam os menores da série histórica e os salários apresentem inédito ganho real. Não têm vergonha de fazer eco à pior direita para defenestrar o governo que odeiam.



Se o embate entre um e outro grupo se desse no plano das ideias, das confrontações programáticas, do debate em busca de um consenso, talvez fosse possível aturar, tomando um Sal de Frutas por dia, esse binarismo cego. Como ele se dá através de provocações pré-adolescentes, desqualificações grosseiras, xingamentos e demais baixarias, acompanhá-lo, nas redes sociais, tornou-se um martírio em que se assiste a uma baixaria digna dos piores programas mondo cane da TV, em relação aos quais as redes sociais foram, um dia, uma opção inteligente e mais divertida.

Assim se comportando, tais figuras fazem o jogo da mídia corporativa, que há tempos se esmera em afirmar que a internet e as redes sociais são o território de ninguém, dos ataques agressivos, da não-razão - uma falsa assertiva que tem como premissa a suposição de que o jornalismo profissional das mídias seria o locus da razão, da argumentação e do equilíbrio. 



Em um cenário que passou a ser dominado, recentemente, por listas apócrifas no pior estilo macartista, por ameaças de processo jurídico a granel e por agressões machistas grosseiras, quem não se identifica com nenhuma das extremidades acima elencadas, e acredita ser possível manter uma postura crítica acerca do governo Dilma, sem deixar de reconhecer seus eventuais méritos – apoiando-o ou não - vive agora, nas redes sociais, o pior dos mundos.



Falo a partir de uma perspectiva pessoal, é claro, mas tenho a impressão de que tem muita mais gente saturada desse ambiente em que adultos se comportam como colegiais exaltados, de estilingue e mamonas à mão, e gostaria de ver restabelecido o diálogo civilizado e politicamente construtivo nas redes sociais.


(Imagem retirada daqui)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O bandido, a mídia e o golpe


As acusações do "publicitário" Marcos Valério ao ex-presidente Lula, acusando-o de ter dado o "ok" aos empréstimos que, alegadamente, comporiam o "mensalão" petista e de ter tido contas pessoais pagas por recursos advindos de tal esquema representam o mais ousado lance, até agora, da guerra pelo poder patrocinada pelo conluio entre oposição conservadora, setores do Judiciário e mídia corporativa.

Tudo no episódio segue à risca o modelo dos "Escândalos Político Midiáticos" (EPMs) identificados pelo sociólogo J. B. Thompson e que o professor Venício A. de Lima, no livro Mídia: Crise Políica e Poder no Brasil (Perseu Abramo, 2006), utilizou como um dos eixos centrais de sua excelente análise sobre a "presunção de culpa' na cobertura da crise política de 2005-2006, a qual, contraposta à crise atual, deixa uma irrepreensível sensação de déjà vu. Fundamentalmente, trata-se de um escândalo que "não existiria se não fosse na e pela mídia". Com efeito, sem a mídia para tratar como fato o que é mera acusação de uma fonte para lá de suspeita, o que resta são palavras vazias que podem ou não resultar em evidências durante uma investigação pelo Ministério Público.

Porém, nos planos dos derrotados nas urnas e dos bacharéis que os vêm auxiliando, o ataque ao campeão de popularidade Lula, se bem-sucedido, deixará a arena livre para o enfrentamento com a presidente Dilma, último obstáculo entre a oposição e o poder, e contra quem os ataques midiáticos, concentrados na área econômica, vêm se intensificando.


Palavras de um bandido
Valério é um criminoso condenado a – até agora - 40 anos de prisão e o elo em comum entre o mensalão tucano e o petista. Seu passado, sua folha corrida e seu interesse em traficar acusações em troca de redução da pena conferem baixíssima credibilidade às acusações que faz, colocando-as sob suspeita. Em qualquer sociedade civilizada, a palavra de um indivíduo em tais condições, desacompanhada de provas, não tem valor algum, e sequer seria divulgada para a mídia.

Chegamos, assim, ao primeiro crime indubitável acerca do caso em questão: o vazamento – leia-se divulgação – de um depoimento que, segundo a lei, deveria ter sido mantido em sigilo. Quem cometeu tal crime? As suspeitas principais recaem sobre o Ministério Público Federal, ora sob o comando de Roberto Gurgel, uma figura cuja eficiência como procurador-geral é inversamente proporcional às suas maquinações políticas e a seu protagonismo midiático.

Lamenta-se que, em um momento em que o Ministério Público luta, justificadamente, contra a PEC 37, que limita a ação investigativa por parte do órgão, seu alto comando veja-se envolvido em tais denúncias. Agrava a situação o ensurdecedor silêncio corporativo de seus membros ante o vazamento de inquérito. Ao silenciar ante o linchamento midiático do ex-presidente Lula – ou de qualquer outra vítima dos vazamentos ilegais – o MP omite-se ante uma grave violação das normas da Justiça. E quem cala, consente.


A lei, e nada mais
Naturalmente, o ex-presidente Lula não está acima da lei. Se há acusações contra ele, ainda que advindas de uma figura pra lá de suspeita, o Ministério Público tem não apenas o direito, mas o dever de investigá-las. Porém, tal investigação deveria obrigatoriamente se dar de forma sigilosa - e, portanto, longe dos holofotes da mídia -, levar em conta a baixa credibilidade e os interesses que movem o denunciante e, em decorrência, pautar-se por um respeito rigoroso ao princípio da presunção da inocência, até prova em contrário.

O fato de o acusado ser, mais do que uma figura pública, um ex-presidente da República reverenciado pela maioria da população brasileira e internacionalmente respeitado não justifica nenhuma leniência na investigação, mas requer um cuidado redobrado na divulgação de informações sobre o caso, já que potenciais danos devido a especulações e informações não confirmadas tendem a se multiplicar e a causar dano na imagem pública do investigado.

Por ora, temos um cenário que é o contrário do acima descrito: o julgamento sobre a culpabilidade ou não de Lula tem se dado, em larga medida, concomitantemente ao momento em que as acusações são divulgadas. E, na eventualidade destas um dia se tornarem um processo, este tramitará no STF, onde está firmada uma jurisprudência que faz uma peculiar interpretação da teoria do domínio do fato, prescindindo-a da prova factual. Isto posto, se você, como eu, manteve até agora uma postura reticente em relação à possibilidade de um golpe de estado com participação do Judiciário, talvez seja a hora de revermos nossos conceitos...


E a privataria, hein?
Voltando ao presente: neste momento, não obstante sigilosas, as acusações de um meliante condenado a passar décadas na cadeia estão sendo não apenas divulgadas aos borbotões, mas tomadas como fatos pela mídia corporativa politicamente motivada e pelos que ainda se deixam por ela iludir. É altamente significativo que os mesmos veículos de mídia que alegam não poder ignorar as denúncias sem provas de Valério, vêm há meses ignorando denúncias bem mais graves, ampla e documentadamente comprovadas sobre o processo de privatização tucana, reunidas em livro pelo premado repórter Amaury Ribeiro Jr. Sobre tal tema, nenhuma linha, nenhum comentário radiofônico, nenhum Jabor a se descabelar ante as câmeras.

É certamente injusto que Lula, implacavelmente vigiado quando na Presidência, seja agora acusado dessa forma e instado a explicar-se ante a mídia e parcelas da população, enquanto Fernando Henrique Cardoso, sobre o qual pesam a compra de votos para a eleição e parte considerável da responsabilidade por um processo de venda do patrimônio nacional feito "no limite da irresponsabilidade", continue blindado e posando de paladino da moral.

Porém, é forçoso reconhecer que, não obstante a responsabilidade da mídia e de setores do Judiciário, os sucessivos governos petistas têm a sua parcela de responsabilidade nesse processo. Pois omitiram-se e cometeram erros que os fragilizaram ante as forças que se lhes opõem. Como aponta Luis Nassif, em uma coluna na qual faz um diagnóstico impecável do atual momento do jogo político, as campanhas sistemáticas de denúncia, promovidas pela mídia, acabaram incutindo "no governo um senso de republicanismo que o fez abrir mão até de instrumentos legítimos de autodefesa". Embora o lulismo fanático insista em negar a possibilidade de que seu ídolo possa errar, é preciso uma fé sobre-humana para continuar achando que a indicação de Joaquim Barbosa foi um acerto do ex-presidente.


À mercê dos ataques
A teimosia covarde do PT em não enfrentar a mídia também cobra agora, com juros, o seu preço. Se Dilma Rousseff, logo depois de assumir a Presidência, ao invés de ir prestigiar, ao lado da nata tucana, o convescote da Folha de S. Paulo tivesse utilizado o poder que todo presidente em início de mandato desfruta para confrontar e regulamentar a ação da mídia em bases republicanas, a história, hoje, certamente seria outra. Mas infelizmente muitos dos petistas que hoje lamentam a inação governamental contra a mídia preferiram reagir à maneira das turbas enfurecidas contra quem ousou questionar e apontar a incongruência do comportamento presidencial.

Na semana passada, o PT, na CPI do Cachoeira, recuou e, por medo de represália, deixou de indiciar Veja e seu editor Policarpo Jr. Adiantou? Gerou ao menos uma trégua? Não, nem um pouco. Ato contínuo, Marcos Valério ganhas as manchetes para mais denúncias golpistas patrocinadas por setores do Judiciário e pela mídia. Talvez tenha sido uma oportunidade única. Pois agora, neste momento de ataque a Lula, tudo o que os meios de comunicação corporativos e a oposição mais querem é que o governo invista contra a mídia, para poder pespegar em Dilma, não importa se justificadamente ou não, a pecha de violadora das leis e de golpista, o que lhes permitiria, a exemplo do que foi feito em 1964, invocar a necessidade de um contragolpe preventivo.

Se a palavra "golpe" tem assombrado, nos últimos meses, o governo eleito do PT, a expressão "povo nas ruas" abala desde sempre as estruturas do denuncismo midiático. Por isso, talvez esteja na hora de o PT começar a pensar em botar o povo nas ruas e parar com esse denuncismo seletivo da mídia. Da maneira mais democrática possível. 


(Imagem reirada daqui

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O PSDB contra o país, uma vez mais

O fato de, no campo conservador, José Serra ter praticamente monopolizado as eleições majoritárias dos últimos anos, com seu estilo truculento, sem limites e adepto das piores baixarias, fez com que alguns analistas, mesmo entre os chamados blogueiros progressistas, acreditassem que o PSDB tenderia a renascer como partido de oposição programática uma vez livre dele, sem espaço na agremiação após sucessivas derrotas eleitorais.

Só faltou combinar com os russos, como diria o grande filósofo Garrincha. O anúncio, feito hoje à tarde, de que o governador Geraldo Alckmin (PSDB/SP) manteve a decisão de não prorrogar os contratos de concessão da CESP, criando um obstáculo ao projeto do governo federal de baratear o custo da energia elétrica, é revelador de um traço distintivo do PSDB que andava anuviado sob o personalismo serrista: o caráter antipovo e anti-Brasil das decisões do partido.

A este traço vêm se somar a insensibilidade social - tão bem exemplificada na desfaçatez com que o governo paulista impede, com a medida tomada, que cidadãos e empresas gastem menos com energia elétrica num momento de crise econômica mundial – e a primazia que concede ao grande capital, cuja manutenção de altos lucros com pouco esforço cuida de assegurar. Fechando o círculo, a mídia amiga cuida de esconder do cidadão informações essenciais à compreensão do processo, como pode ser constatado no relato que a blogueira Maria Frô faz do comportamento da Folha de S. Paulo no caso em questão.

Não é nenhuma novidade esse elitismo insensível do PSDB. Quem vivenciou os dois governos de Fernando Henrique Cardoso pôde testemunhar, estarrecido, a uma ação governamental completamente dissociada do bem público e voltada tão somente a assegurar a maximização dos lucros financeiros, à custa da dissolução do Estado brasileiro – e, portanto, do sucateamento da saúde, da educação e da infraestrutura do país – e da submissão da economia às regras do mercado – ou seja, do abandono de setores industriais e empresariais em formação, condenados à bancarrota ante a competição internacional com produtos subsidiados em seus países de origem. Tudo isso sob o beneplácito de uma mídia deslumbrada e a indiferença de uma Justiça manietada (como demonstra com propriedade este post de Cynara Menezes).

Entretanto, a despeito de não constituir novidade, e, portanto, não surpreender, causa alguma estupefação esse comportamento peessedebista por estar diretamente ligado às razões que apearam o partido do poder e por evidenciar-se contraproducente em termos eleitorais – o que afigura-se proibitivo a um partido que está há uma década afastado do poder federal e acaba de sofrer uma fragorosa derrota nas eleições municipais, perdendo a prefeitura da maior cidade do país – até então um seu feudo – para o arqui-inimigo petista.

Com Alckmin impedido de tentar voos mais altos, sob o risco de os tucanos perderem também o governo para o PT, e com uma eventual candidatura Aécio cambaleando na imaturidade viciosa do senador mineiro, o PSDB, mesmo enfrentando um de seus maiores impasses desde sua fundação como partido social-democrata (hoje não é nenhuma coisa, nem outra, mas um anacrônico arremedo de conservadorismo e neoliberalismo), segue apostando contra os eleitores e a favor do grande capital.

Muitos podem achar bom, para a esquerda e para o petismo, que assim seja, pois gera mais um fator de enfraquecimento do conservadorismo. Tenho sérias dúvidas a respeito. Penso ser prejudicial para o país não contar com uma oposição programática, que entrasse na luta pela hegemonia e buscasse afirmar posições. Creio mesmo que o vácuo que hoje o elitismo a-ideológico do PSDB deixa na política acaba permitindo que o governo Dilma, em algumas áreas – como a trabalhista e a previdenciária -, ao invés de afirmar princípios programáticos e aprofundar conquistas, acabe por mimetizar posições anteriormente assumidas pelos tucanos, ocupando espaço e ampliando sua hegemonia entre parcelas do eleitorado conservador, como a posição a favor da manutenção do fator previdenciário criado por FHC e as ameaças de flexibilização de leis trabalhistas ilustram muito bem.

O avanço da democracia, no Brasil, passa pela constituição de uma oposição menos mesquinha e que, ao contrário do PSDB, não se deixe atrelar à defesa de interesses menores, de modo a elevar o nível do debate político e a representar um desafio constante, que impila as forças ora no poder a competirem pelo eleitor e a se aprimorar. 


(Imagem retirada daqui) 

domingo, 2 de dezembro de 2012

O PT e a questão da mídia: relato de um impasse

Preservar, a virtualmente qualquer custo, os altos índices de aprovação da presidente Dilma Rousseff tem sido uma meta prioritária do governo petista, a qual, ao lado da ampliação da hegemonia via expansão das alianças partidárias, facilita sobremaneira a governabilidade. Tal processo, porém, ao impelir o governo a evitar ao máximo situações de desgaste, levando-o eventualmente à inação, à omissão e a recuos estratégicos, acaba adiando, dificultando ou impossibilitando o enfrentamento de demandas urgentes porém polêmicas – como reforma agrária, os direitos civis relativos à homoafetividade e notadamente, a promoção da democratização da comunicação. Tal estratégia, além de exasperar parcelas do eleitorado, tem como efeito colateral, como veremos, a geração de um alto custo para o partido, para a esquerda e para o país.

A criação de uma blindagem em torno da presidência, de forma a mantê-la a salvo do efeito de eventuais crises – notadamente dos casos de corrupção, reais ou não, que a mídia, de forma praticamente ininterrupta na última década, transforma em sucessão de escândalos -, não é uma inovação trazida pela gestão Dilma. Algo similar já ocorrera nos oito anos em que Luiz Inácio Lula da Silva habitou o Palácio do Planalto. O que a atual administração fez foi ampliar o já dilatado arco das alianças partidárias – o que significa avançar mais alguns passos em direção ao conservadorismo e, por conseguinte, ver-se obrigada a uma postura ainda mais conciliatória e menos incisiva em relação a determinados temas potencialmente polêmicos. As questões morais que afetam o comportamento da chamada "bancada religiosa" são um típico exemplo de tal processo – e do quanto ele pode ser danoso à verdadeira democratização dos direitos humanos no Brasil.


A condenação de inocentes
Porém, tanto com Lula como com Dilma, o comportamento do governo em relação aos escândalos político-midiáticos pouco difere. Trata-se, basicamente, de agir com celeridade e, antes que o espetáculo da corrupção ganhe repercussão massiva, demitir o(s) acusado(s), haja ou não indícios de culpabilidade. Em decorrência desse modus operandi, auxiliares do primeiro, segundo e terceiro escalão caíram como pedras de dominó na última década, contribuindo para reforçar o mito midiático de que o governo petista seria mais corrupto do que seus antecessores.

Longe de se tratar de uma medida profilática positiva, como se alardeia, essa prontidão em cortar na própria carne ante a mínima acusação ou suspeita revela, por parte do governo, baixo nível de confiabilidade em seus quadros, pouco apreço pelo princípio da presumibilidade da inocência e, sobretudo, uma tibieza e um temor ante a mídia incompatíveis com um regime verdadeiramente democrático, em que direitos e deveres são inerentes à ação da mídia e do governo, e este não se submete àquela.

Tal distorção se torna ainda mais evidente quando se leva em conta que, a exemplo do que ocorreu com a ex-secretária da Receita Erenice Guerra, com Orlando Silva, ex-ministro dos Esportes, e com o ex-chefe da SECOM, Luiz Gushiken, muitos acusados, neste últimos 10 anos, embora tenham sido execrados pelos meios de comunicação e publicamente demitidos pelo governo, acabaram inocentados pela Justiça por falta de provas. E com um agravante: além de terem suas reputações arruinadas pela mídia de forma irreversível – pois o volume de textos acusatórios, em todos os casos, foi desproporcionalmente maior do que as ínfimas linhas as quais noticiaram sua absolvição, quando o fizeram -, tais cidadãos jamais foram reincorporados ao governo do qual, por razões infundadas, foram alijados.


O PT questionado
Tais flagrantes injustiças tendem a produzir ressentimentos acumulados. E, num cenário em que um dos sustentáculos do crescimento do ativismo político na internet tem sido blogs de grande audiência em que a crítica à mídia ocupa um lugar primordial, fica cada vez mais evidente a falta de diálogo entre uma cúpula partidária que parece empenhada justamente em não mover uma palha contra os meios corporativos de comunicação e uma militância que, mais do que se mostrar convencida da ação nefasta de tais setores, cultiva – no mais das vezes justificadamente - um profundo sentimento anti-mídia, do qual a frequência e a generalização de críticas ao que chamam de PIG (Partido da Imprensa Golpista) são exemplos cabais.

Esse embate surdo parece ter atingido um ponto de saturação com o recuo, patrocinado pela presidência petista, do deputado Odair Cunha (PT/MG) na CPI do Cachoeira, desistindo de apresentar um relatório que indiciava cinco jornalistas – entre eles Policarpo Júnior, editor-chefe da Veja – e de recomendar que a "corregedoria" do MP investigasse o Procurador-Geral, Roberto Gurgel, o que levou a uma reação contrária em massa nas redes sociais e nas caixas de comentário de blogs e publicações virtuais.

O episódio parece ter difundido a certeza de que o PT não só se recusa a dar à mídia um tratamento à altura, mas omitiu-se ante o dever cívico de investigar e indiciar elos entre o crime organizado e revistas semanais. A reação estupefata de muitos, inclusive de petistas históricos, parece indicar que a tolerância para com a inação do governo está em vias de se extinguir. A possibilidade de que o PT venha a legar ao futuro um país bem melhor em termos socioeconômicos, mas com uma arena comunicacional hipertrofiada, extremamente retrógrada e concentrada em pouquíssimas mãos, como sempre foi, avulta-se, hoje, infelizmente, como plausível.


Perguntas incômodas
Em um momento em que figuras como o ex-porta-voz do presidente Lula, Ricardo Kotscho, e Mino Carta, editor do único semanário político a não embarcar no antipetismo hidrófobo, vêm a público cobrar uma autocrítica do partido, talvez seja hora de questionar se efetivamente tem fundamento o medo do governo em enfrentar a mídia e, assim, criar conflitos que arranhem seus ótimos índices de aprovação, e quais seriam os danos efetivos se isso acontecesse.

Em primeiro lugar, analisemos o receio que o governo demonstra ter da reação midiática ante uma eventual resposta petista: o que mais poderia a mídia fazer, após publicar ficha policial falsa da candidata a presidente na capa de jornal; dar voz a um desequilibrado mental para que acusasse o presidente de estuprador de menor; patrocinar "blogueiros" cuja missão primordial é difamar, desqualificar e semear o ódio; insuflar ou criar escândalos de corrupção que sabia de antemão improcedentes; insultar diuturnamente um presidente e recusar-se a reconhecer sequer um dos seus muitos feitos (que boa parte do mundo reconhece); patrocinar ou endossar armações golpistas várias? A mídia corporativa fez, faz e continuará fazendo tudo a seu alcance para enfraquecer e derrubar o governo petista, à revelia deste reagir ou não. Quem teria a perder é ela, se o governo fechasse as torneiras que, via publicidade oficial, abastecem seus cofres.

Por outro lado, será que a manutenção dos índices de popularidade está tão atrelada a ausência de polêmicas desgastantes e é assim tão primordial quanto o governo pensa, ou, como algumas pesquisas qualitativas demonstraram ao longo deste ano, são a manutenção de um quadro econômico com baixo desemprego e poder de consumo bem acima da média das décadas imediatamente anteriores os principais atrativos para um volume significativo de eleitores que nunca morreu de paixão pelo PT, mas que apoia Lula e, sobretudo, Dilma? Não deveria ser levado em conta o risco de que, num eventual agravamento do desempenho da economia que atingisse renda e emprego, essa parcela volúvel, pois descomprometida ideologicamente, do eleitorado viesse a debandar do apoio ao governo, e justamente quando o petismo já não pudesse contar com as parcelas de seu eleitorado fiel, agastadas com sua passividade covarde ante a mídia (ou em relação a temas como a reforma agrária, os direitos civis dos gays, a insensibilidade para com as populações indígenas, etc.)?

Não se pode, é verdade, atribuir exclusivamente ao PT a responsabilidade pela leniência da esquerda no trato com a mídia corporativa. Em tal seara, o maior partido de oposição à aliança petista, o PSOL, tem repetidas vezes assumido uma posição não apenas omissa em relação a práticas midiáticas inaceitáveis, mas, de quando em quando, se valido de um oportunismo em que, de mãos dados com a pior direita, endossa verdadeiras armações jornalísticas patrocinadas por um semanário que traficou a credibilidade de outrora por um panfletarismo hidrófobo que em nada se assemelha a jornalismo.


Medidas democratizantes
É importante sublinhar que o que se propõe em relação a tal campo não representa nenhum ato de força, nenhuma ruptura institucional e nem mesmo uma luta aberta do governo contra a mídia. Não se apregoa que o governo deixe de renovar a concessão pública de sinal televisivo à Rede Globo – embora este seja um seu direito constitucional - ou que mande a PF invadir a redação da Veja. Longe disso. A maioria das sugestões de ação governamental concentra-se em três políticas republicanas, concatenadas entre si e historicamente reconhecidas como necessárias ao aprimoramento da democracia brasileira. A saber:

1) Instituir, após debate com a sociedade e em sintonia com o Legislativo e o Judiciário, um marco regulatório para a mídia, o qual estabeleça claramente direitos e deveres e, no caso de transgressões destes, punições, de modo a coibir o assassinato de reputações, a calúnia, as armações jornalísticas, hoje recorrentes e impunes. É urgente reinstituir o direito de resposta, que assegure a rapidez demandada pela era do jornalismo virtual e dê à retratação espaço e destaques equivalentes aos da difamação.

2) Rever o critério de concessão de verbas publicitárias federais a órgãos de comunicação, deixando de se guiar pela chamada "mídia técnica", que as distribui de acordo com os níveis de audiência/vendagem. O atual governo não só tem mantido essa prática literalmente conservadora e continuado a encher as burras da Globo e da Abril, mas, como afirma, em um texto didático, Renato Rovai, editor da Forum, acena com cortes das verbas anteriormente destinadas a órgãos alternativos.

3) Promover a democratização da comunicação, com o governo valendo-se de seu poder econômico e regulatório para assegurar diversidade e competitividade no campo midiático, com a criação de novos canais radiofônicos e televisivos abertos que multipliquem as ofertas de produtos audiovisuais, de abordagens jornalísticas e de tendências analíticas, além da promoção de uma efetiva democratização do acesso a internet de banda larga.


Resquícios neoliberais
Convenhamos, não é pedir demais. Ainda mais de uma aliança governamental capitaneada por um partido que se soergueu e, em suas primeiras décadas de vida, ganhou projeção nacional empunhando bandeiras bem semelhantes a estas. O problema é que o mesmo governo que, em nome do economicismo que a tudo se sobrepõe, aceitou, após muita relutância, contrariar dogmas econômicos neoliberais como a independência do Banco Central, os juros altos e, ultimamente - aleluia! -, até o superávit primário, tem se recusado, fora do âmbito da economia, a promover um aggionarmento das ideologias orientadoras das políticas culturais e comunicacionais para fora do âmbito do neoliberalismo.

Destarte, tanto a política de produção cultural do país continua atrelada a um modelo de financiamento via renúncia de recursos fiscais a qual, na prática, coloca nas mãos dos diretores de marketing de empresas privadas o direito de determinar o que será e o que não será produzido – e, assim, ditar os rumos de nossa cultura -, quanto a manutenção de verbas em meia dúzia de corporações midiáticas continua sendo sustentada pela passividade de um governo que se resigna a obedecer aos critérios ditados pelo conceito de "mídia técnica", corroborando, na prática, a premissa preconceituosa e intrinsecamente neoliberal de que o Estado deve se limitar à função reguladora em tais áreas – e que assumir uma posição pró-ativa e tomar para si a função de determinar os rumos culturais e comunicacionais do país seria incorrer em "stalinismo cultural". Com uma centro-esquerda dessas, quem precisa de direita?


Danos ao país
Os maiores danos causados pela estratégia de preservação da popularidade presidencial a qualquer custo se fazem sentir é no âmbito do país. Se a década de administração federal petista lega ao Brasil um grande avanço em termos de combate à pobreza, inclusão social e reconfiguração socioeconômica dos estratos populacionais - além de um cenário futuro favorável à Educação, destinatária dos lucros futuros do Pré-Sal -, mostra-se problemática sua contribuição no âmbito do aperfeiçoamento institucional da democracia brasileira. Em relação a este, não apenas não se empenha em uma reforma política que enfrentasse de frente as vicissitudes do sistema – preferindo, ao contrário, aderir ao toma-lá-dá-cá do jogo partidário e, volta e meia, vendo-se envolvido em denúncias de corrupção e de ilegalidades -, mas, como já visto, se recusa a assumir a sua responsabilidade no processo de promoção da democratização da mídia - plutocratizada sob o comando de meia dúzia de famílias -, e, em decorrência, de criação de mecanismos que impeçam que ela siga difamando reputações, difundindo falsas acusações e fabricando escândalos por motivações político-partidárias que não coadunam nem com a ética pública nem com os princípios básicos do exercício do jornalismo.

Em um momento em que tanto países de democracia consolidada, como a Inglaterra, quanto alguns de nossos vizinhos sul-americanos, cuja democracia refloresceu após períodos ditatoriais, mostram-se cientes da necessidade de legislar sobre os limites éticos da mídia, a negligência de tal demanda no Brasil, em nome da manutenção da popularidade presidencial, representa um atraso institucional e uma ameaça permanente ao avanço da democracia no país.


(Imagem retirada daqui)

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Bandeira de Mello critica STF

A entrevista de Celso Antônio Bandeira de Mello ao repórter Felipe Amorim, do site Última Instância, vem agregar ao rol de críticas negativas ao comportamento do STF durante o julgamento do "mensalão" a opinião de um jurista internacionalmente reconhecido e de um professor reverenciado, a quem as legiões de alunos que educou referem-se com adjetivos como "magnânimo" e "inesquecível".

Considerado uma das maiores autoridades em Direito Administrativo no país, Bandeira de Mello traz uma opinião abalizada, infesa a paixões políticas, sobre um julgamento que vem açulando o crime belicoso no país - seja por servir à oposição para propagar a falácia de que o governo petista seria mais corrupto que seus antecessores, seja por levar o petismo a denunciar o tratamento assimétrico que mídia e Justiça têm dado ao partido, em comparação com o que a oposição recebe.


O BBB do STF
Entre uma e outra posição, o STF viu-se instrumentalizado pela luta política, com o maniqueísmo e jogo de interesses que tal ocorrência acarreta. Com todas as sessões transmitidas ao vivo pela TV e pela internet – prática provavelmente inédita no mundo -, os limites entre justiça e reality show viram-se diluídos e, à semelhança do que ocorre com os mocinhos e vilões, os juízes e juízas, com sua ira punitiva estimulada pela luz dos holofotes, se tornaram depositários da idolatria de uns – a um ponto tal que o apelido Batman, recebido por Joaquim Barbosa, passou a ser utilizado de modo laudatório nas redes sociais – e da repulsa de outros.

Para além de todos os aspectos questionáveis que marcaram as decisões do tribunal no caso, não deixa de soar como um desperdício de oportunidade histórica que, tendo o país o "mensalão" petista e o "mensalão" mineiro – leia-se peessedebista - na pauta de sua alta corte, nem o petismo, por um lado, tenha sido levado a reconhecer que o partido, no poder, não primou pelo grau de excelência ética que sempre cobrou dos adversários; nem, por outro lado, tenham sido minimamente expostas as falcatruas praticadas pelo tucanato, que estão na origem dos dois mensalões e desaguam na privataria da era FHC, sempre em conluio com a mídia corporativa.


Princípios violados
Em relação ao julgamento do "mensalão", Bandeira de Mello critica a "flexibilização de provas" e afirma tratar-se de "um soluço na história do Supremo Tribunal Federal", pois, depois dele, "não se condenará mais ninguém por pressuposição". Tão sereno quanto incisivo, vai além: "Entendo que foram desrespeitados alguns princípios básicos do Direito, como a necessidade de prova para condenação, e não apenas a suspeita, a presunção de culpa. Além disso, foi violado o princípio do duplo grau de jurisdição".

Não obstante um certo comedimento elegante e o visível esforço para evitar críticas pessoais – sobretudo ao amigo próximo e ex-aluno Carlos Ayres Britto, por cuja nomeação Bandeira de Mello, ao lado de outro grande jurista de sua geração, Fábio Konder Comparato, trabalhou -, não se furta a indiretas e a opiniões polêmicas : "Eu acho que o juiz devia ser proibido de dar entrevistas. E não só os ministros do Supremo — mas eles é que parecem que gostam". Declara não ter gostado do comportamento de Joaquim Barbosa durante o julgamento (" Achei uma postura muito agressiva. Nele não se lia a serenidade que se espera de um juiz."). Após exaltar a "educação e a finura" de Levandowski ("é um príncipe") afirma ser "quase que inacreditável que Barbosa tenha conseguido fazer um homem como Lewandowski perder a paciência".


O Supremo e a mídia
Na entrevista, Bandeira de Mello disserta ainda sobre o que seria um Supremo ideal. Defende a limitação dos mandatos dos ministros a oito anos (bandeira que soergue há tempos), a predominância de juízes entre os escolhidos ("eu colocaria pelo menos dois terços de juízes de carreira"), e, embora não feche questão, sugere a eleição entre pares como uma das possíveis maneiras de aperfeiçoar o processo de escolha dos membros do STF.

Em uma época em que ministros da corte máxima do país se confundem - e se comportam como - astros da mídia, as opiniões francas e lúcidas de Bandeira de Mello em relação à imprensa formam um elucidante contraste. Como se depreende das declarações que fez em entrevista ao repórter Elton Bezerra, do site Consultor Jurídico, realizada em agosto, às vésperas do início do julgamento da AP 470: "A grande imprensa é o porta-voz do pensamento das classes conservadoras. E o domesticador do pensamento das classes dominadas. As pessoas costumam encarar os meios de comunicação como entidades e empresas cujo objetivo é informar as pessoas. Mas esquecem que são empresas, que elas estão aí para ganhar dinheiro. Graças a Deus vivemos numa época em que a internet nos proporciona a possibilidade de abeberarmos nos meios mais variados".


Controle ético da imprensa
Provocado pelo entrevistador se não estaria a defender a censura, Bandeira de Mello, após observar que tal termo ficou "amaldiçoado" após o regime militar, a despeito de sua correta vigência, por exemplo, em relação a pedofilia ou a racismo, observa: "Não é um problema de censura, é um problema de não entregar o controle a uma meia dúzia de famílias. Abrir para a sociedade, abrir para os que trabalham no jornal, ou na rádio ou na televisão, para que eles possam expressar sua opinião. E haver, sim, um controle ético de moralidade e impedir certas indignidades".

Ainda no capítulo de suas relações com a imprensa, o jurista protagonizou recentemente uma polêmica com a revista Veja – que o acusara de estar redigindo um manifesto crítico ao STF e favorável a José Dirceu -, a qual encerrou, num lance denotador de grande inteligência, com a publicação de uma declaração que é um primor de como sublinhar críticas ao mesmo tempo em que renega tecê-las.


Parcerias Público-Privadas = privatizações
As suas observações em relação ao julgamento do "mensalão" são particularmente importantes por virem de uma figura pública a qual, além de abalizada em termos de conhecimento jurídico, não se pode acusar de governista ou de tendenciosa. Pois, crítico contumaz dos Regimes Diferenciados de Contratação (RDDs) empregados por Dilma na licitação das obras para a Copa do Mundo, Bandeira de Mello, com a autoridade de grande expert em Direito Administrativo, na entrevista ao Consultor Jurídico não tem papas na língua para apontar o que considera errado no atual governo:

"É duro eu dizer isso porque a eleição da Dilma foi algo muito importante. Estou satisfeito com ela. Mas no governo dela foram feitas coisas muito... Por exemplo, as tais Parcerias Público Privadas. Isso no governo Lula é uma catástrofe. É um aprofundamento das privatizações. E essas medidas da Dilma são aprofundamentos de desmandos típicos do governo Fernando Henrique. É necessário dinheiro para coisas mais importantes: saúde e educação acima de tudo. "


(Caricatura retirada daqui)

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

PT se acovarda diante da mídia

Determinada pela presidência do PT, a decisão do deputado Odair Cunha (MG), relator da CPI do Cachoeira, de deixar de indiciar cinco jornalistas suspeitos de ligação com o crime organizado – entre eles Policarpo Júnior, editor-chefe da Veja – e de abdicar da sugestão de que o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, seja investigado pelo Conselho Nacional do Ministério Público tem causado indignação entre a militância petista, apoiadores do governo e cidadãos preocupados com o atual estágio das relações entre política, mídia e Justiça no Brasil.

Instalada a duras penas, a CPI representou uma rara oportunidade de promoção de uma investigação séria sobre as ligações entre mídia e crime organizado no país, a partir das para lá de suspeitas relações entre o criminoso condenado "Carlinhos" Cachoeira e a revista Veja. Tal oportunidade está perdida, e, embora a responsabilidade por tal retrocesso deva ser repartida com os demais membros da aliança governista – o PMDB, notadamente -, ele corrobora uma constatação que se difunde entre um número cada vez maior de pessoas: a de que, não importa o que a mídia apronte, o PT está acovardado e não reagirá.


Reação corporativa
Além da saraivada de ataques disparados pela imprensa, nos últimos dias, contra o indiciamento dos jornalistas – categoria profissional que, no Brasil, parece estar acima das leis – e do corporativismo extremado do Ministério Público em defesa de Gurgel, rondam o recuo petista ameaças menos ou mais veladas advindas do potencial supostamente explosivo da divulgação da correspondência entre o ex-presidente Lula e ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Noronha, indiciada na última sexta-feira pela Polícia Federal, com estridente alarde, mesmo para os padrões brasileiros.

Ainda que remota, a possibilidade de que Lula venha se candidatar a governador de São Paulo em 2014, com grandes chances de estabelecer hegemonia petista no município, no estado e no país, tem levado a mídia corporativa, linha-auxiliar do tucanato, a recrudescer as manifestações de ódio contra o ex-presidente, num exemplo claro do conflito de classes e de disputa de poder – e da posição que, neles, a mídia, que idealmente deveria buscar a imparcialidade, assume. Isso inclui, como índice de baixeza operacional da mídia, o desprezo pelo tratamento discreto da vida afetiva dos ex-presidentes da República, norma rigidamente seguida em relação a Fernando Henrique Cardoso, mas que as presentes insinuações em relação a Lula e Rosemary mandam às favas. Neste momento, reside no fuçar de e-mails e telefonemas entre eles a "grande esperança branca" do conservadorismo brasileiro – uma aposta, a meu ver, fadada ao fracasso.


O caso Rosemary
Dadas as condições materiais tipicamente de classe média de Rosemary e a vagueza das acusações de tráfico de influência - ainda mais contra uma agente radicada em São Paulo, longe do poder concentrado no Planalto Central - não se deve descartar a hipótese de que, assim como ocorreu com Erenice Guerra, com Luiz Gushiken e com Orlando Silva, trate-se, ao final, de mais um factoide para abastecer a mídia de manchetes escandalosas contra Lula e o PT. O modo como os jornais têm tratado as perfeitamente aceitáveis duas viagens oficiais ao ano efetuadas pela ex-secretária na última década– chamando-as de "a volta ao mundo de Rosemary" – sugere exatamente isso.

Já vimos esse filme várias vezes, e a sensação de déjà vu é inevitável: se, ao final, a acusada for proclamada inocente, como aconteceu com os personagens citados, uma notinha escondida na página 11 será a compensação pela enxurrada de manchetes e reportagens televisivas. Os danos morais, a desqualificação pessoal, o tratamento como criminoso dispensado a quem é apenas suspeito, o direito de resposta, o ouvir o outro lado? São detalhes que, naturalmente, não requerem o instrumento anacrônico da Lei de Imprensa, que a sapiência e o espírito democrático reinantes no STF extinguiram. Deixemos tudo à autorregulação, como sugeria o saudoso Ayres Britto.


Ufanismo fora de lugar
Os entusiastas do governo nas redes sociais dedicam horas e horas, diariamente, a prognosticar um golpe de Estado iminente, a destilar seu ódio contra o STF e a rebater todas as bobagens tendenciosas que Ricardo Noblat e Reinaldo Azevedo escrevem – o que dá mais audiência a tais "blogueiros", provocadores profissionais a soldo dos interesses da plutocracia mediática. Se esses internautas direcionassem uma pequena parte de sua energia a fins mais concretos – como pressionar o governo que apoiam a confrontar a mídia venal e a cumprir os compromissos assumidos em campanha -, não só as possibilidades de ruptura institucional tornar-se-iam mais remotas, mas, entre outras áreas, seria outra a situação da saúde, da segurança pública e da educação (onde, conforme anunciado ontem, o Brasil ficou em 39o. lugar entre 40 países concorrentes no ranking do Índice Global de Habilidades Cognitivas e Realizações Profissionais, evidencia que desmistifica e contraria o discurso ufanista predominante nessa área durante as administrações petistas). Além disso, poderíamos ao menos vislumbrar a possibilidade de regular a ação da mídia de acordo com parâmetros éticos

Ao invés disso, temos um cenário em que, como resume um dos maiores estudiosos da mídia no país, Venício A. de Lima, "Apesar do trabalho desenvolvido há décadas por pessoas e/ou entidades da sociedade civil, e apesar do inegável aumento da consciência coletiva sobre a centralidade da mídia na vida cotidiana, não tem havido resposta correspoindente dos poderes da República no sentido da proposta e/ou implementação de políticas poúblicas que promovam a universalização do direito à comunicação em nosso país".


Paz sem voz não é paz, é medo

O fato de a arena comunicacional do país ser dominada por uma mídia corporativa que age de forma parcial e partidarizada, tendo como métodos rotineiros a desqualificação agressiva, o escândalo e a mentira é uma herança do capitalismo selvagem e do patrimonialismo que por décadas vigeu no país – açulados, na última década, pela perda progressiva de poder e pelo ódio de classes.

Já o fato de tal distorção antidemocrática permanecer ativa e impune durante uma década de administração federal petista é resultado da omissão, pusilanimidade e covardia - e, quem sabe, de interesses não confessos – que têm caracterizado a inação do Partido dos Trabalhadores no que concerne à sua relação com a mídia, na qual não se limita a apanhar calado: continua a encher as burras das editoras e corporações midiáticas que, suspeitas de conluio com o crime organizado, o atacam e à democracia. 

Como assinala Saul Leblon, em artigo de leitura obrigatória, o petismo no poder parece resignado após assinar uma "pax branca que concede ao conservadorismo o pleito da hegemonia intocável na esfera da comunicação". Esse conformismo, que hoje desqualifica reputações, envenena o jogo político e deturpa o debate democrático, pode vir a ter consequências ainda mais graves, institucionalmente traumáticas, para o partido e, pior, para o país. E fica cada vez mais evidente que o PT nada fará contra o inimigo que alimenta.


(Desenho retirado daqui)

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Kassab, Claudia Costin e os limites da realpolitik

Os limites entre, de um lado, a composição de alianças necessárias à governabilidade e à expansão da hegemonia política da aliança governista e, de outro, seus contraefeitos programáticos, ideológicos e éticos têm sido uma questão recorrente desde a ascensão do PT ao poder.

Apesar de toda a indignação que algumas dessas alianças provocam, soa a autoilusão e falta de realismo político a presunção de que o Partido dos Trabalhadores conseguiria efetivamente governar o Brasil sem a aliança com o PMDB - ou seja, sem dividir o poder com Sarney, Renan Calheiros e demais personagens que, em pleno século XXI, evocam, justa ou injustamente, a mística do coronelismo, do patrimonialismo e da corrupção. O sistema político brasileiro – que um cientista político chamou, com mordacidade, de “parlamentarismo presidencial” - praticamente impõe a formação de amplas coalizões governamentais. Do contrário, o isolamento palaciano e a impossibilidade de consumar um programa de governo tornam-se ameaças reais – Jânio Quadros e Fernando Collor que o digam.

Por outro lado, seria negligência desprezar o quanto tais alianças acabam por abrir flancos que tornam o PT vulnerável a críticas que exploram implicações éticas. O próprio escândalo do “mensalão” deriva de tal dinâmica, já que seu dínamo indutor vem da instisfação do PTB de Roberto Jefferson para com o modo como a Casa Civil de José Dirceu vinha partilhando as benesses do poder.


O fator mídia
A mídia nativa, por sua vez, comprometida com a agenda do conservadorismo e visceralmente antipetista, explora ao máximo tais flancos, valendo-se das armas do denuncismo neodenista e de um duplo sistema de valores, o qual, por um lado, supervaloriza e trata como fato consumado os mínimos indícios de irregularidades dos governos petistas e, por outro, negligencia a cobertura até de graves e comprovados casos ocorridos na seara demotucana – como o modo como a privataria tucana e a invasão de Pinheirinho (não) foram tratadas nos jornais e na TV ilustra de forma irrefutável.

O fato de a política petista de alianças receber dos órgãos de comunicação campanha condenatória a priori, numa prática incompatível com a deontologia do jornalismo, com a verdade dos fatos e com uma democracia avançada, não significa, no entanto, que toda e qualquer aliança seja válida e esteja isenta de questionamentos éticos – e a prova disso é o mal estar que algumas coligações recentes, cuja elasticidade extrapola consideravelmente a faixa do espectro político à qual o partido historicamente se filia, têm causado entre simpatizantes e eventuais eleitores do PT, muitos dos quais vacinados contra o moralismo casuísta da mídia.


Realpolitik e hegemonia
Para melhor contextualizar a questão, convém recordar, ainda que de forma breve, o processo de formação da coligação que levou Lula à Presidência: superando resistências internas e externas, a aliança capitaneada pelo PT, que teve como principal parceiro o PMDB, incluiu partidos conservadores como o PP, o PL e o PMN (além do PTB e dos esquerdistas PCB e PC do B). Foi amalgamada sob o comando de José Dirceu, com a colaboração decisiva de José Alencar para o estabelecimento de diálogo com alguns setores do empresariado, refratários ao petismo. Por ter sido anunciada antes da eleição, foi dado ao eleitor saber a que forças políticas estaria dando o seu voto.

A partir daí, porém, se assiste, no bojo do início claudicante da presidência Lula, da crise política advinda com as denúncias do “mensalão” e das tentativas ininterruptas da imprensa e da oposição de manterem, via denuncismo, o governo nas cordas, a um esforço renitente de ampliação da base aliada, o qual volta e meia provoca surpresa ou indignação, como na aliança com o ex-presidente Fernando Collor, que, além dos ataques baixíssimos a Lula na campanha presidencial de 1989, um dia após tomar posse como senador eleito pelo PRTB trocou este partido pelo PTB, a convite de ninguém menos que Roberto Jefferson.

Nessa altura, ao passo em que setores da militância tornam-e adeptos, eventualmente entusiasmados, de um pragmatismo infeso a poderações éticas ou ideológicas, um sentimento antes difuso de que há limites para a realpolitik - presente em maior ou menor grau desde o início do governo - e o questionamento acerca da relação custo-benefício inerente à ampliação da hegemonia petista – e dos limites desta - ganham corpo mesmo entre setores pró-PT. O choque entre essas duas visões, latente no decorrer da última década, se tornaria explícito nas eleições municipais paulistanas deste ano.



Eleição de Haddad
Durante tal campanha eleitoral, a aliança com o PP de Maluf provocou quase um cataclismo nas hostes petistas, e justamente por, com direito a foto e beija-mão no palacete do político, ter soado menos como uma aliança partidária visando tempo televisivo e mais como um pacto para exploração do decadente mas ainda efetivo prestígio de Maluf entre segmentos do eleitorado. Se o apoio do PP e de Maluf foi determinante para eleger Haddad não se sabe, mas que talhou uma ferida ética a evidenciar a falta de escrúpulos no atual modo petista de fazer política, afagando um criminoso internacional procurado pela Interpol, não há dúvidas.

Para completar, mal se elegeu e Haddad viu-se numa saia justa herdada de tal aliança, com seu silêncio ante as inquirições acerca da condenação imposta pela corte de Jersey ao político brasileiro mais suspeito de corrupção na história recente do país, a qual o obriga a devolver U$22 milhões aos cofres da Prefeitura de São Paulo. A militância petista tentou culpar a imprensa, mas desta vez não procede, pois é, sim, interesse do cidadão saber o que a Prefeitura fará para se certificar de receber o ressarcimento determinado pela Justiça.



Tucanos e peessedistas
Neste momento, a questão das alianças uma vez mais se recrudesce: anteontem, o governo Dilma anunciou a nomeação da tucana Cláudia Costin para a Secretaria de Ensino Básico do MEC, para desgosto de pedagogos sérios, temerosos da gestão de uma administradora que já deu mostras suficientes de ter uma visão privatista de educação. Causa estupefação que um partido como o PT, com acesso a quadros de alto nível na universidade brasileira, prefira colocar uma área essencial da Educação sob responsabilidade de uma típica gestora aos moldes peessedebistas.

Mas não para aí: acaba de ser costurado um acordo com o PSD de Kassab para que apoie a gestão de Fernando Haddad – em troca, entre outras benesses, da manutenção de uma grossa fatia de poder na Câmara Municipal, é claro.

Deve ser difícil para o cidadão comum compreender como o mesmo partido que passou meses , desqualificando Kassab, chamando-o de serrista, higienista, “fascista” e outros istas, se alinha com o futuro ex-prefeito já no mês seguinte às eleições municipais. Trata-se do tipo de procedimento que, à revelia de ser politicamente proveitoso para o PT ou não, tende a soar extremamente questionável, desabonador para os padrões éticos da sigla, mesmo no julgamento de muitos eleitores ou simpatizantes.


Vácuo ideológico
Além disso, é desnecessário apontar que Kassab – que tem elos históricos com José Serra - já deu mostras mais do que suficientes de não ser confiável como aliado, além de amorfo do ponto de vista político-ideológico (tornou-se um clássico do oportunismo sua declaração de que “O PSD não é de direita, esquerda ou centro”). Soa no mínimo displiscente que um partido que acaba de vivenciar o imbroglio do “mensalão” insita em se aliar com raposas políticas, como tais, pouco leais e comprovadamente volúveis.
Assim, Insisto em questionar:

1) Se o PT quer se apresentar, na capital paulista, como uma alternativa ao demotucanato, como fazê-lo se aliando justamente a uma figura política que ven sendo, por muito tempo e até um mês atrás, um dos símbolos da hegemonia demotucana em São Paulo e de muito do que o PT alega combater?
2) Qual o limite, para a centro-esquerda, de relativização dos valores éticos e ideológicos, e a partir de que ponto, ao adotar esse relativismo, ela mimetiza valores conservadores, os relativiza enquanto tais, e com o conservadorismo se confunde?

O risco da indistinção 
Esta última questão afigura-se fundamental, e tem levado à reflexão setores que historicamente apoiaram o PT, no funcionalismo público, humilhado na campanha salarial deste ano; na classe média urbana progressista, que se tornou vítima da histeria totalitária ora vigente contra tal classe social; e entre ideólogos e intelectuais, hoje tão desprezados pelo partido e por sua militância, cujo culto messiânico a Lula inclui a exaltação da intuição em detrimento da reflexão – uma inversão de valores que, paradoxalmente, o próprio Lula repetidas vezes desautoriza, com a centralidade que atribui à educação.

É palpável - e fenômenos como a movimentação causada pela candidatura de Marcelo Freixo no Rio o demonstram - que há, atualmente, entre parcelas dos apoiadores e aliados históricos do PT, um cansaço para com o excesso de pragmatismo em detrimento da coesão político-ideológica, vicissitude que está longe de se limitar às questões relativas a coligações – abrangendo temas como retorno à privatização, ênfase na gestão econômica, não-priorização de Educação e Saúde e trato truculento com o servidor público -, mas para a qual as alianças com tudo e com todos, à revelia da coerência e da ética, contribuem consideravelmente. 

A partir do momento que o PT se alia com o adversário demo-peessedista que até ontem combatia e que nomeia uma tucana para cuidar do ensino básico, torna-se cada vez mais iminente o risco de o partido, malgrado os inegáveis avanços sociais que vem patrocinando, nublar os princípios e conteúdos programáticos que o distinguiriam dos partidos que a ele se opõem.


(Imagem retirada daqui)