As
acusações do "publicitário" Marcos Valério ao
ex-presidente Lula, acusando-o de ter dado o "ok" aos
empréstimos que, alegadamente, comporiam o "mensalão"
petista e de ter tido contas pessoais pagas por recursos advindos de
tal esquema representam o mais ousado lance, até agora, da guerra
pelo poder patrocinada pelo conluio entre oposição conservadora, setores
do Judiciário e mídia corporativa.
Tudo no
episódio segue à risca o modelo dos "Escândalos Político
Midiáticos" (EPMs) identificados pelo sociólogo J. B. Thompson
e que o professor Venício A. de Lima, no livro Mídia: Crise
Políica e Poder no Brasil (Perseu
Abramo, 2006), utilizou como um dos eixos centrais de sua
excelente análise sobre a "presunção de culpa' na cobertura
da crise política de 2005-2006, a qual, contraposta à crise atual,
deixa uma irrepreensível sensação de déjà vu.
Fundamentalmente, trata-se de um escândalo que "não existiria
se não fosse na e pela
mídia". Com efeito, sem a
mídia para tratar como fato o que é mera acusação de uma fonte
para lá de suspeita, o que resta são palavras vazias que podem ou
não resultar em evidências durante uma investigação pelo
Ministério Público.
Porém,
nos planos dos derrotados nas urnas e dos bacharéis que os vêm
auxiliando, o ataque ao campeão de popularidade Lula, se
bem-sucedido, deixará a arena livre para o enfrentamento com a
presidente Dilma, último obstáculo entre a oposição e o poder, e
contra quem os ataques midiáticos, concentrados na área econômica,
vêm se intensificando.
Palavras
de um bandido
Valério
é um criminoso condenado a – até agora - 40 anos de prisão e o
elo em comum entre o mensalão tucano e o petista. Seu passado, sua
folha corrida e seu interesse em traficar acusações em troca de
redução da pena conferem baixíssima credibilidade às acusações
que faz, colocando-as sob suspeita. Em qualquer sociedade civilizada,
a palavra de um indivíduo em tais condições, desacompanhada de
provas, não tem valor algum, e sequer seria divulgada para a mídia.
Chegamos,
assim, ao primeiro crime indubitável acerca do caso em questão: o
vazamento – leia-se divulgação – de um depoimento que, segundo
a lei, deveria ter sido mantido em sigilo. Quem cometeu tal crime? As
suspeitas principais recaem sobre o Ministério Público Federal, ora
sob o comando de Roberto Gurgel, uma figura cuja eficiência como
procurador-geral é inversamente proporcional às suas maquinações
políticas e a seu protagonismo midiático.
Lamenta-se
que, em um momento em que o Ministério Público luta,
justificadamente, contra a PEC 37, que limita a ação investigativa
por parte do órgão, seu alto comando veja-se envolvido em tais
denúncias. Agrava a situação o ensurdecedor silêncio corporativo
de seus membros ante o vazamento de inquérito. Ao silenciar ante o
linchamento midiático do ex-presidente Lula – ou de qualquer outra
vítima dos vazamentos ilegais – o MP omite-se ante uma grave
violação das normas da Justiça. E quem cala, consente.
A lei,
e nada mais
Naturalmente,
o ex-presidente Lula não está acima da lei. Se há acusações
contra ele, ainda que advindas de uma figura pra lá de suspeita, o
Ministério Público tem não apenas o direito, mas o dever de
investigá-las. Porém, tal investigação deveria obrigatoriamente
se dar de forma sigilosa - e, portanto, longe dos holofotes da mídia
-, levar em conta a baixa credibilidade e os interesses que movem o
denunciante e, em decorrência, pautar-se por um respeito rigoroso ao
princípio da presunção da inocência, até prova em contrário.
O fato de
o acusado ser, mais do que uma figura pública, um ex-presidente da
República reverenciado pela maioria da população brasileira e
internacionalmente respeitado não justifica nenhuma leniência na
investigação, mas requer um cuidado redobrado na divulgação de
informações sobre o caso, já que potenciais danos devido a
especulações e informações não confirmadas tendem a se
multiplicar e a causar dano na imagem pública do investigado.
Por ora,
temos um cenário que é o contrário do acima descrito: o julgamento
sobre a culpabilidade ou não de Lula tem se dado, em larga medida,
concomitantemente ao momento em que as acusações são divulgadas.
E, na eventualidade destas um dia se tornarem um processo, este
tramitará no STF, onde está firmada uma jurisprudência que faz uma
peculiar interpretação da teoria do domínio do fato,
prescindindo-a da prova factual. Isto posto, se você, como eu,
manteve até agora uma postura reticente em relação à
possibilidade de um golpe de estado com participação do Judiciário,
talvez seja a hora de revermos nossos conceitos...
E a
privataria, hein?
Voltando
ao presente: neste momento, não obstante sigilosas, as acusações
de um meliante condenado a passar décadas na cadeia estão sendo não
apenas divulgadas aos borbotões, mas tomadas como fatos pela mídia
corporativa politicamente motivada e pelos que ainda se deixam por
ela iludir. É altamente significativo que os mesmos veículos de
mídia que alegam não poder ignorar as denúncias sem provas de
Valério, vêm há meses ignorando denúncias bem mais graves, ampla
e documentadamente comprovadas sobre o processo de privatização
tucana, reunidas em livro pelo premado repórter Amaury Ribeiro Jr.
Sobre tal tema, nenhuma linha, nenhum comentário radiofônico,
nenhum Jabor a se descabelar ante as câmeras.
É
certamente injusto que Lula, implacavelmente vigiado quando na
Presidência, seja agora acusado dessa forma e instado a explicar-se
ante a mídia e parcelas da população, enquanto Fernando Henrique
Cardoso, sobre o qual pesam a compra de votos para a eleição e
parte considerável da responsabilidade por um processo de venda do
patrimônio nacional feito "no limite da irresponsabilidade",
continue blindado e posando de paladino da moral.
Porém, é
forçoso reconhecer que, não obstante a responsabilidade da mídia e
de setores do Judiciário, os sucessivos governos petistas têm a sua
parcela de responsabilidade nesse processo. Pois omitiram-se e
cometeram erros que os fragilizaram ante as forças que se lhes
opõem. Como aponta Luis Nassif, em uma coluna
na qual faz um diagnóstico impecável do atual momento do jogo
político, as campanhas sistemáticas de denúncia, promovidas pela
mídia, acabaram incutindo "no governo um senso de
republicanismo que o fez abrir mão até de instrumentos legítimos
de autodefesa". Embora o lulismo fanático insista em negar a
possibilidade de que seu ídolo possa errar, é preciso uma fé
sobre-humana para continuar achando que a indicação de Joaquim
Barbosa foi um acerto do ex-presidente.
À
mercê dos ataques
A
teimosia covarde do PT em não enfrentar a mídia também cobra
agora, com juros, o seu preço. Se Dilma Rousseff, logo depois de
assumir a Presidência, ao invés de ir prestigiar, ao lado da nata
tucana, o convescote da Folha de S. Paulo tivesse
utilizado o poder que todo presidente em início de mandato desfruta
para confrontar e regulamentar a ação da mídia em bases
republicanas, a história, hoje, certamente seria outra. Mas
infelizmente muitos dos petistas que hoje lamentam a inação
governamental contra a mídia preferiram reagir à maneira das turbas
enfurecidas contra quem ousou questionar e apontar
a incongruência do comportamento presidencial.
Na
semana passada, o PT, na CPI do Cachoeira, recuou e, por medo de
represália, deixou de indiciar Veja
e seu editor Policarpo Jr. Adiantou? Gerou ao menos uma trégua? Não,
nem um pouco. Ato contínuo, Marcos Valério ganhas as manchetes para
mais denúncias golpistas patrocinadas por setores do Judiciário e
pela mídia. Talvez tenha sido uma oportunidade única. Pois agora,
neste momento de ataque a Lula, tudo o que os meios de comunicação
corporativos e a oposição mais querem é que o governo invista
contra a mídia, para poder pespegar em Dilma, não importa se
justificadamente ou não, a pecha de violadora das leis e de
golpista, o que lhes permitiria, a exemplo do que foi feito em 1964,
invocar a necessidade de um contragolpe preventivo.
Se
a palavra "golpe" tem assombrado, nos últimos meses, o
governo eleito do PT, a expressão "povo nas ruas" abala
desde sempre as estruturas do denuncismo midiático. Por isso, talvez
esteja na hora de o PT começar a pensar em botar o povo nas ruas e
parar com esse denuncismo seletivo da mídia. Da maneira mais
democrática possível.
(Imagem reirada daqui)
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