Menos
de uma semana após eleita, Dilma Rousseff defronta-se com
manifestações populares em protesto contra o seu governo e a favor
do seu impeachment. Em três cidades diferentes, pessoas foram às
ruas, sendo que em São Paulo o número de protestantes teria chegado
a 2500 cidadãos, segundo a PM.
Talvez,
menos do que a relevância do evento em si – que, a começar da
contradição de pedir impeachment de uma candidata eleita, tem o
aroma do golpismo temperado por maus perdedores -, seja necessário
situá-lo no novo contexto político-eleitoral que ora se desenha.
Este
é marcado por rachas no interior da base aliada, com mágoas de
candidatos peemedebistas preteridos nos estados e pela liderança
vingativa de Eduardo Cunha; pela perda significativa de assentos
petistas no Congresso e pelo reforço das hostes oposicionistas; e,
talvez sobretudo, pelo ressaca rancorosa de uma campanha feita com
navalha na liga e sangue nos olhos, que atiçou o antipetismo e
confundiu opositor e inimigo.
Nesse
cenário, as manifestações de ontem são apenas o ladrar da matilha
ao sentir os primeiros sinais de debilidade da futura caça: além de
ter de enfrentar os problemas acima elencados, Dilma inaugura, em seu
segundo mandato, uma fase inédita da era petista, em que morderá
seus calcanhares uma oposição experiente – sob a batuta ardilosa
de José Serra –, que sai das eleições com significativo apoio
popular. Se a agitação das ruas será mantida é outra historia, mas a
articulação dos protestos de ontem certamente faz parte de uma
estratégia nesse sentido.
Reação
A
vigilância sobre a presidente tende a multiplicar-se em tal
contexto. No primeiro mandato, quando a economia favorecia o consumo,
poucos pareceram se importar com as traições de Dilma para com os
compromissos eleitorais – cujo exemplo maior, mas de modo algum
único, foi a privatização do Pré-Sal, a qual a candidata renegara
em comercial da campanha de 2010.
Agora,
porém, além de um quadro econômico instável, que leva nove em
cada dez economistas a apostarem em um choque anticíclico no
primeiro ano, há a volta do chicote no lombo de quem mandou dar: os
rancores à flor da pele indicam que não ficarão sem resposta os
ataques baixos de uma campanha em que a discussão de projetos deu
lugar aos ataques baixos e à desqualificação do adversário. Pois,
como sumariza o jornalista Josias de Souza em um artigo notável,
"A ameaça de perder o poder e suas benesses fez com que o PT levasse às fronteiras do paroxismo a tática do ‘nós contra eles’. Rendido à marquetagem de João Santana, o partido fez da política um mero ramo da publicidade. O verbo da eleição foi desconstruir. Conjugando-o, Dilma prevaleceu sem se preocupar com a autoconstrução."
Tudo
pelo poder
“Quem
semeia vento colhe sempre tempestade”, diz o ditado. No entanto, o
cálculo ultrapragmático do marketing petista não levou em conta, em
momento algum, o quanto tal estratégia – em si questionável do
ponto de vista da ética republicana – acabaria por acirrar ânimos
a um ponto tal que dificultasse sobremaneira ou mesmo ameaçasse a
governabilidade da eventual eleita.
Pois
se o deboche petista para com a classe média (mas, de forma
significativa, não em relação aos ricos de fato), epitomizada no
uso corrente do termo “coxinha”, anterior ao pleito, já
evidenciava uma perigosa intolerância classista, o discurso do “novo
Nordeste” contra a “São Paulo dos tucanos”, do “playboy
mimado” contra a “defensora dos pobres”, proclamado pelo
próprio Lula e repetido à exasperação pela militância, corrobora
um discurso público de desqualificação que nada agrega para a criação
de uma atmosfera de respeito e empatia entre governo e setores da
população.
Efeito
bumerangue
O
rescaldo da campanha é que Dilma é vista, por setores da população
que podem não ser majoritários mas se contam a dezenas de milhões,
não apenas como uma governante com a qual não se simpatiza ou de
cujo projeto político se discorda - mas merecedora de respeito, pois
eleita -, e sim como uma inimiga a ser derrotada – e uma inimiga
que não se furtou a usar os métodos mais agressivos para obter sua
vitória.
Compreender
esse raciocício orientador dos protestos dos derrotados não
significa legitimá-lo: convém assinalar que, pós um processo
eleitoral de reconhecida lisura e na ausência de qualquer acusação
formal contra a presidente, não passa de golpismo oportunista
cogitar impeachment.
A análise de tal cenário ajuda a entender porque o discurso de Dilma logo após a vitória foi
uma conclamação à união. Com exceção da deselegância de não
citar o nome do candidato derrotado (sendo que este já a
cumprimentara pela vitória), a fala foi caracterizada como um aceno na direção
da pacificação e da conciliação. Ato contínuo, a presidente logo anunciaria apoiar, ao menos de público, o projeto em prol de mais referendos e consultas populares, do qual o Congresso - incluindo a bae peemedebista - fará picadinho.
Desafios
à frente
Com
todo um mandato à frente, a mandatária sabe que não tem outra
saída: sem curar feridas na própria base "aliada', sem minimizar a
virulência da oposição e sem cooptar ao menos uma pequena parcela
de um eleitorado dividido, pode se tornar um lame duck, e seu
segundo governo um refém do Legislativo e de uma oposição
barulhenta. Como, aliás, ocorreu com o segundo mandato de Fernando
Henrique Cardoso.
Para
completar, há uma bomba-relógio armada, com as investigações
acerca da Petrobras. Um eventual envolvimento do nome da presidente
abriria caminho para a formalização de denúncias – no que, a
depender das circunstâncias, poderia significar um atalho para um
processo de impeachment. No estouro do “Mensalão”, as conquistas
sociais e a economia em popa colocaram Lula com índices de aprovação
que o blindaram; com uma presidente enfraquecida, a economia em
frangalhos e o país dividido, a história pode ser outra.
2015
promete ser um ano muito, muito tenso.
Um comentário:
"curar feridas na própria base "aliada"...isso custa caro...cash
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