Na ressaca de uma
campanha eleitoral marcada por ataques baixos, o governo Dilma,
enquanto fala em diálogo e união, esforça-se para construir uma
narrativa segundo a qual a oposição, em sua “belicosidade”,
estaria dando mostras de ser uma “má perdedora”.
Enquanto isso, a
mandatária reserva a si e aos seus a imagem magnâmina dos que
“sabem ganhar”, ou seja, sem revanchismo ou tripudiação. Como
se, no quadro atual, repleto de adversidades, tivessem condições
políticas para agir de outro modo...
Trata-se de mais um
round da velha e imutável tática petista de culpar sempre os
outros, recusando-se a admitir seus próprios erros, bem como
qualquer atitude que recenda a autocrítica.
Cenário adverso
Para piorar a situação
da nova velha presidente, sua vitória, embora legítima, não só
foi muito apertada mas, somados os votos dos eleitores que anularam
em protesto contra tudo que aí está, inclusive seu governo –
entre os quais se encontra este blogueiro -, deu-se em um contexto em
que a votação contra si supera os votos a favor.
Tal fato não torna o
segundo governo Dilma menos legítimo, nem justifica os tragicômicos
apelos por impeachment ou intervenção militar. Mas desenha,
para a mandatária e seu partido, um cenário bem mais adverso que o
do primeiro mandato, colocando um desafio concreto à frente.
Ainda mais porque,
diretamente ligada à configuração pós-eleitoral, há uma
conjunção de desafios para Dilma: baixo crescimento econômico e
ameaça inflacionária, com aumentos de preços até então
represados; a rebelião no aliado PMDB; a presença (inédita para o
PT) de uma oposição motivada e de peso em Brasília, liderada pelo
próprio Aécio, desejoso de vingança, e pelo sempre ardiloso Serra.
Ecos do massacre
Além disso, como
analistas políticos e setores da oposição têm enfatizado,
permanece fresca na memória de muitos o uso pelo PT da
desqualificação enquanto método eleitoral, em detrimento a
apresentação e defesa de programa de governo.
Com efeito, seria mera
ilusão, ou erro de cálculo político, achar que uma campanha suja
como a empreendida pelo PT contra Marina Silva (e Aécio Neves, que
revidou) passaria impune, ou estaria destinada a empoeirar nas
estantes da história até ser revirada por um pesquisador
bisbilhoteiro, ao qual a máquina petista logo trataria de trucidar,
como fez com a candidata do PSB.
Mas nem só as feridas
mal cicatrizadas do passado recente dificultam à pacificação dos
ânimos. Novidades ainda quentes também impedem que viremos a folha
do livro das eleições e vivamos nosso radioso presente.
Incoerências
impunes
Primeiro foi o convite
a megabanqueiros para que assumissem o ministério da Fazenda, cargo
comumente referido como o de “czar da economia”, tamanho o seu
poder decisório. Depois de ter martelado uma campanha difamatória
contra Neca Setúbal, educadora reconhecida e sócia minoritária do
Itaú, soa a escárnio o convite de Dilma para que o presidente do
Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, assuma tal cargo. Ante a humilhante
negativa deste, cogita-se Henrique Meirelles, o ex-presidente
internacional do Bank of Boston que chefiou o BC nos governos Lula.
Ora, o cidadão,
eleitor do PT ou não, tem todo o direito de cobrar coerência por
parte dos governantes. É ofensivo à ética pública e à cidadania
que candidatos a cargos eletivos critiquem com veemência
determinados comportamentos quando estão em campanha e os repitam,
de forma ainda mais grave, quando assumem o poder.
Há um perigoso
parentesco entre tal comportamento e o estelionato eleitoral, e se o
eleitor não se dá conta ou logo perdoa ou esquece, o próprio
partido faz vista grossa e recusa a autocritica, cabe, por um lado, à
Justiça eleitoral e, por outro, às oposições cobrarem coerência
e denunciarem o uso de uma moral dupla.
Aparelhamento
flagrante
Mas os atualíssimos
esqueletos das eleições não se restringem a tal descaramento.
Ontem mesmo, com a divulgação de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre miséria e
pobreza, corroborou-se o que no período eleitoral era mero boato: o
outrora respeitado órgão, sob forte pressão palaciana, teria atrasado a
publicação de informações oficiais que poderiam afetar a
candidatura Dilma.
Trata-se de um fato
duplamente grave: em primeiro lugar, pelo próprio conteúdo dos
dados, dando conta de que mais de 370 mil brasileiros voltaram à
condição de miseráveis. Em segundo, por evidenciar, de forma
clara, o aparelhamento do Estado pelo PT e suas graves consequências,
já que a atenção ao social e a redução da miséria e da pobreza estiveram entre as principais alegações para o voto em Dilma.
O Ipea é um órgão do
Estado brasileiro, e a este deve se reportar e servir. Sua
instrumentalização por um partido ou um mandatário – no caso,
para fins eleitorais – constitui uma ameaça ao republicanismo que
deve governar as relações entre entes governamentais e cidadão. Em
última análise, acaba por afetar o pleno funcionamento da
democracia – como o truque sujo do adiamento de dados ruins em
período eleitoral evidencia de forma clara.
Provas à mancheia
Faz mal à vida
política do país que comportamentos como a hiperagressividade na
campanha eleitoral, a ausência de programa de governo, a adoção de
medidas ferozmente criticadas em campanha e o aparelhamento de
estatais para fins eleitorais sejam tolerados por eleitores, oposição
e Justiça e sigam impunes.
Aì está um material
documentado que representa algo de concreto a ser cobrado de Dilma
Rousseff. No primeiro mandato, ela mentiu que não privatizaria o
Pré-Sal, mas privatizou sem sequer enrubecer e ficou por isso mesmo.
Espera-se que as parcelas da sociedade que não estão alienadas pela
hipnose petista ajam e façam valer seus direitos.
(Foto de Dilma e Temer por Valter Campanato)
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