Durante toda a campanha eleitoral Dilma Rousseff declarou que a educação seria uma prioridade em seu governo. No discurso de posse, enfatizou tal intenção. Anteontem, ao percorrer, cercada de centenas de estudantes brasileiros, os corredores da mítica Universidade de Coimbra, garantiu-lhes que o Brasil vai mandar mais bolsistas para estudarem no exterior.
Enquanto isso, na vida real, as universidades federais sentem os efeitos do corte de R3,1 bi no orçamento do MEC: novas contratações suspensas, adiamento de licitações e, o mais grave, corte das verbas até para as longas e desconfortáveis viagens, de ônibus, que levam os estudantes aos congressos de suas respectivas áreas.
Em decorrência, assiste-se à frustração de muitos deles, que, sem condições financeiras de arcar com os custos de uma viagem, investiram muitos meses - às vezes mais de um ano - em um projeto de pesquisa, confiantes na manutenção do compromisso mínimo de que um ônibus da universidade os levaria até o congresso, para que pudessem apresentar a seus pares os resultados de seus esforços, arcando eles próprios com gastos com comida e hospedagem da empreitada.
Desnecessário observar que tal quadro gera um círculo vicioso, que desestimula o desenvolvimento de pesquisas na graduação e retarda o amadurecimento do aluno e sua capacitação, acabando por afetar o nível das pós-graduações.
Nelas, os efeitos dos cortes de verbas são ainda mais nocivos, dada a fundamental importância desempenhada pela avaliação das pesquisas por pares e pela troca de conhecimentos atualizados que os congressos proporcionam. Intercâmbio, como se sabe, é essencial ao progresso da pós-graduação.
E para que sacrificar tanto uma área vital ao país, perguntamos. Para, mais realista que o rei, o governo cumprir a meta insana de déficit nominal zero, agradando ao deus-mercado, priorizado uma vez mais pela presidenta, ao invés das demandas do povo que a elegeu - baseando-se em um discurso bem diferente das atuais práticas, registre-se.
Assim, pois, deixando as meras palavras e declarações de intenções de lado e aferrando-nos à realidade concreta dos fatos, a verdade é que prioridade da gestão Dilma, até agora, não é a educação, mas o mercado.
Blog sobre cinema, jornalismo, política e música, com críticas, análises e perfis.
quarta-feira, 30 de março de 2011
Cortes do MEC afetam estudantes
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domingo, 20 de março de 2011
O imperador e seus súditos

A eleição de Obama, com o simbolismo da questão racial, a mobilização de jovens e internautas e a euforia utópica do “Yes, we can!”, trouxe a esperança de que tal quadro se reverteria e o obscurantismo da Era Bush seria uma página virada da história. Afinal, embora a relação com Israel devesse permanecer intacta, o programa de governo incluía o diálogo com lideranças árabes, o fechamento da prisão de Guantánamo e, no âmbito interno, as reformas das leis de imigração e do calamitoso sistema de saúde.
Decepções em série
Quase tudo isso ficou no mero marketing. O descontentamento do governo, Hillary à frente, ante os levantes populares contra as ditaduras árabes foi evidente (só não o seria se fosse no Irã). No último dia 7, Obama recuou em relação a Guantánamo, que continua mantendo presos, em condições desumanas, suspeitos sem julgamento, numa afronta à Justiça internacional. “A reforma da política nacional de imigração foi inviabilizada no Congresso e tem sido substituída por selvagens leis estaduais anti-imigrantes”, como aponta Luiz Antonio M. C. Costa.
Para Maria da Conceição Tavares – que concedeu ótima entrevista à Carta Maior -, Obama “exerce um presidencialismo muito vulnerável, descarnado de bases efetivas, pois a juventude e os negros que o elegeram não teriam poder institucional “nem assento em postos chaves”. Ela aponta o que chama de “conservadorismo de bordel”, representado pela aliança entre o moralismo republicano e a farra da finança especulativa, como uma camisa-de-força conservadora para o exercício da presidência nos EUA atuais.
Deslumbre entusiasmado
Foi para receber esse presidente pato manco que o Brasil se perfilou. Mídia deslumbrada e acrítica à frente, prometia-se um show de democracia e afagos no ego nacional, com direito a comício na Cinelândia e Obama anunciando à massa que reservara um assento para o país no Conselho de Segurança da ONU.
Como sói acontecer quando se trata de Obama, houve uma grande frustração de expectativas. Primeiro, a Cinelândia foi vetada, após monitoramento das redes sociais, por receio de protestos populares.
Depois, uma manifestação corriqueira em frente ao Consulado dos EUA no Rio termina com treze cidadãos brasileiros detidos - a maioria estudantes e professores - e outro, um vigilante, com ferimentos provocados pelo que a polícia fluminense alega ser uma explosão de coquetel molotov. No dia seguinte, para espanto de muitos, os treze detidos são mandados para a prisão em Bangu, para aguardar julgamento por penas que podem chegar a doze anos.
Muito anos 70
Além de inédito nos anais recentes das manifestações públicas brasileiras, é, para dizer o mínimo, pouco crível que um grupo heterogêneo de militantes, predominantemente do PSOL, mas com um menor de idade e uma senhora de 69 anos, lançasse mão de coquetéis molotov, socos ingleses e pedras (material alegadamente apreendido, mostrado pela Globo) em um ato de protesto - ainda mais contra a superprotegida embaixada dos EUA.
É fato documentado que pertence ao universo dos grupos neonazistas - cujas ligações com setores da extrema-direita militar são evidentes - o hábito de carregar tal parafernália, para descarregar seu ódio contra gays, nordestinos e demais minorias.
E, embora pertença ao âmbito da especulação o que realmente teria acontecido, convém, como sempre, se perguntar a quem interessaria tal conflito aberto. As respostas parecem evidentes: aos grupos paramilitares de direita e seus militares de pijama, que alimentam ódio ao governo “de esquerda” e “revanchista” de Dilma e às próprias forças de segurança dos EUA em conluio com a PM carioca, que ao reprimir violentamente o protesto e prender 13 pessoas desencorajaria a participação popular em novas manifestações. Esta última hipótese é reforçada por dois fatores: a alegação de partidários do PSTU de que havia pessoas infiltradas entre o grupo e repetição de um modus operandi tantas vezes utilizado pela CIA.
A recusa de Lula
Mas não para por aí. A seguir, a novidade do evento foi o anúncio da não-participação de Lula no almoço com Obama. Muitos atribuem tal ausência ao esforço do popular ex-presidente para preservar intacto o protagonismo de Dilma Rousseff.
De minha parte, nunca comprei essa versão, pois, se assim fosse, Lula não deixaria para anunciar sua ausência na última hora, criando um fato jornalístico que traz de volta os holofotes a ele e gera uma série de especulações. Se deixar o palco para Dilma fosse o caso, seria mais lógico que ele assumisse, com bastante antecedência, um compromisso internacional que fizesse que ele sequer estivesse no país por ocasião da visita do mandatário estadunidense.
Portanto, o anúncio abrupto, de última hora, de sua ausência evidencia insatisfação ou desaprovação. A o quê? Não é preciso ser Nostradamus para se aperceber de que, com a ONU tendo aprovado, dois dias antes da visita de Obama, a decretação de zona de exclusão aérea na Líbia, seria uma questão de tempo para que os EUA seguissem os passos da França e anunciassem o ataque ao país - o que muito possivelmente viria a acontecer no Brasil, como efetivamente ocorreu.
Em solo brasileiro
E o fato de Obama fazer tal anúncio no Brasil repercutiu muito mal para nosso país no Oriente Médio e, como demonstra Maria Fro, na América Latina. Neste exato momento, Dilma Rousseff está sendo muito criticada tanto pela abstenção na votação na ONU quanto, sobretudo, por dar a impressão de endossar o anúncio de guerra ianque, por este ter se dado aqui e em meio a recepções calorosas a Obama.
Trata-se, evidentemente, no caso das últimas acusações, de uma injustiça, pois a presidenta nada poderia fazer em sentido contrário, em meio ao mais importante encontro internacional de seu mandato, organizado com grande antecedência.
Mas se Lula tivesse ido ao encontro, certamente sobrariam para ele acusações de incongruência entre, de um lado, a política Sul-Sul e de aproximação com o Oriente Médio que promoveu e, de outro, o fato de prestigiar o banquete para o mais novo senhor da guerra contra a região, inexplicavelmente laureado com o Nobel da Paz. Estrategista exímio como reconhecidamente é, Lula deve certamente ter prefigurado tais desdobramentos. Como se já não bastassem as idas e vindas de Obama quando incentivou que Lula mediasse um acordo com o Irã.
Humilhação oficial
Para completar o triste espetáculo que foi a visita de Obama, ministros foram obrigados, em território nacional, a tirar o sapato para revista pelas forças de segurança dos EUA, as quais revistaram até viatura da Polícia Federal. É o cúmulo da subserviência, de um lado, e do desrespeito à soberania, do outro.
Que alguns ministros tenham se recusado a tirar os sapatos, preferindo perder o almoço com Obama, traz o alento de saber que alguma dignidade foi preservada. Mas me recuso a acreditar que o cerimonial e as agências brasileiras de segurança não sabiam que seria assim – afinal, esse encontro vem sendo preparado há meses. Trata-se, portanto, de humilhação consentida, de vassalagem ao soberano. Há de se denunciar o ímpeto imperialista do visitante, mas não dá para fingir não notar a leniência submissa do governo brasileiro.
É o comércio, estúpido!
Com tantos transtornos, a visita de Obama ao Brasil evidenciou, uma vez mais, toda a truculência e arrogância imperialista que impregna, há décadas, a política externa dos EUA. O único evento a destoar positivamente do programa foi o discurso de Dilma Rousseff: firme, consistente, deixando claros os limites e as discordâncias do Brasil para com as demandas estadunidenses, foi reconhecido até por empedernidos conservadores.
Obama, em contraposição, além de lento e pouco articulado, não garantiu, no discurso oficial, o apoio à candidatura do Brasil ao Conselho de Segurança da ONU – menção que só veio a fazer no almoço, o que é diplomaticamente muito menos significativo. Deixou claro que o negócio dele é fazer aumentar o comércio a favor dos EUA - e o resto é secundário.
Ou seja: os colonizados se humilharam e se abaixaram até "pagar cofrinho", mas desta vez nem espelhinhos ganharam...
(Cartum de Latuff retirado daqui)
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quinta-feira, 17 de março de 2011
Bethânia põe a nu distorções e anacronismo da Lei Rouanet
Com o tempo, à medida que seus longos cabelos cacheados tornaram-se brancos como um véu, tornou-se para muitos uma espécie de figura referencial (a la Fernanda Montenegro), repositório de sensatez e sensibilidade, com uma espiritualidade evidente em semi-contraste com a aura de diva que sua figura irradia.
Os que privilegiam a técnica interpretativa como principal quesito para avaliação do desempenho de cantoras tendem a eleger Elis Regina sua referência máxima; mas entre os que preferem a emoção interpretativa, Bethânia (ao lado de Nana Caymmi) reina soberana. Na modesta opinião deste blogueiro, ela divide com Aracy de Almeida a mais alta posição no pódio das cantoras brasileiras.
Vaias a granel
Mas ontem essa protagonista da história cultural brasileira durante quase meio século viveu seu dia de Judas em Sábado de Aleluia, despertando a fúria de internautas ao obter a liberação do MinC para captar 1,3mi através da Lei Rouanet. Pior: para montar um blog (os altos custos seriam causados pelo emprego de profissionais e equipamentos de ponta para gravações de videoclipes a serem diariamente postados).
Inútil argumentar que há tempos se tornou recorrente a captação de dinheiro público por artistas cujas fama e penetrabilidade midiática permitiriam prescindir do Estado para avançar sua carreira: trata-se de um fato, mas não de uma justificativa.
Assim, o imbroglio envolvendo a cantora baiana pôs a nu as vicissitudes da "Lei Rouanet", instrumento que, logo após ser criado, desempenhou papel fundamental na sobrevivência de determinados setores artísticos durante o outono neoliberal, mas que, como o episódio em questão evidencia, acabou por gerar graves distorções nas relações entre economia, ideologia e produção cultural.
Tábua de salvação
Elaborado especificamente para reerguer a produção cinematográfica nacional, destroçada após a extinção da Embrafilme por Collor em 1990, o modelo de financiamento trazido pela "Lei Rouanet" em concomitãncia à "Lei do Audiovisual”, baseado em renúncia fiscal de parte do imposto devido por empresas, transferiu para o setor privado – especificamente, para os diretores de marketing de tais firmas – a tarefa de selecionar projetos e determinar os rumos da produção de filmes no Brasil. Com dinheiro público, bem entendido.
Sob forte pressão de outros segmentos culturais – notadamente a classe teatral - e à medida que o cinema brasileiro passava a demonstrar vitalidade, a lei passou a atender demandas de diversas áreas, inclusive da MPB – que, por uma série de razões histórico-mercadológicas, sempre andou com as próprias pernas, ao menos no que concerne a artistas com algum apelo popular.
Lado B
Na gestão Gil/Juca Ferreira, não obstante os esforços de rediscussão da Lei Rouanet quando esta completou dezoito anos, a situação gerou disparates, com artistas do porte de Caetano Veloso captando altos volumes de recursos – os quais poderiam beneficiar uma dezena de artistas que realmente precisavam do apoio da lei – e o internacional Cirque du Soleil valendo-se de recursos do povo brasileiro mas oferecendo ingressos ao preço mínimo de R$300,00.
Para completar, a mais poderosa empresa de mídia corporativa do país – a Rede Globo – tornou-se líder de captação pela Lei Rouanet, deixando à míngua gerações de novos cineastas enquanto inunda o mercado com seus filmes-novelões-minisséries previsíveis.
A privatização da cultura
A Lei Rouanet cumpriu sua funcão de revitalizar a produção cultural brasileira em tempos de vacas magras. Mas mostra-se, há tempos, prenhe de distorções e promotora de mecanismos viciados de benefício de famosos e descolados e de marginalização do novo e do ousado, num processo entrópico que, analisado detidamente, acabará por revelar uma das grandes razões para o relativamente baixo nível de renovação do mercado cultural brasileiro – e, na média, da defasagem de qualidade entre os novos artistas e seus predecessores.
Há um porém: o pano de fundo ideológico que “justifica” e sustenta até hoje a Lei Rouanet é a herança maldita que o neoliberalismo nos deixou, simbolizada na bem-sucedida operação de demonização do Estado como ente gestor de cultura e na transferência do poder decisório do setor para a iniciativa privada.
Na atual conjuntura política, não há indícios de que nos livraremos de tal entulho tão cedo, mesmo porque, sui generis, o modelo de privatização da cultura com dinheiro público interessa muito ao poder corporativo e ao grande capital.
Restam, como catarse dos auto-iludidos, a indignação neoudenista e a unção de Bethânia a Judas da vez. While the show goes on...
(Imagem returada daqui)
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domingo, 13 de março de 2011
A intolerância dos dilmistas

Esse é, muito provavelmente, um dos principais contra-efeitos do desenho de forças que, nos últimos três anos, dominou a blogosfera: acostumados a uma divisão maniqueísta, em que de um lado se irmanavam os defensores do lulopetismo e os críticos da mídia e de outro os adversários representados pelo tucanato e pela mídia amiga, os primeiros ressentem-se de discordâncias advindas do próprio campo da esquerda, e reagem com pedras à mão – um “método” antes quase exclusivo de trolls tucanos.
Além da agressão grosseira pura e simples, recorrente nas redes sociais, há as tentativas de desqualificação pessoal e as acusações imaginosas: esta semana, até a de “bullying virtual” foi assacada...
Há, ainda, a falsa generalização, que consiste em dizer que alguém “matou o governo Dilma” ou que escreveu o “epitáfio” deste só porque fez meia dúzia de críticas pontuais ao início da gestão.
Blindagem autoritária
Mas, por mais que os intransigentes lamentem, Dilma e seu governo não são entes sagrados, inatacáveis, que devam ser preservados, imaculados, em uma bolha à prova de criticismo.
Tampouco o fato de que a gestão apenas se inicia, e tem muito tempo para se acertar – como espera-se que o faça - equivale a um dado que desautoriza a priori qualquer crítica - a não ser que o grau de autoritarismo seja tamanho que se queira estabelecer a partir de quando é permitido fazer críticas ao governo.
Ademais, a gestão tem menos de três meses, mas tomou tantas medidas controversas, contrárias ao discurso de campanha, que tem descontentado a muitos dos que a apoiaram entusiasticamente, enquanto surpreende de forma positiva a setores conservadores e da mídia corporativa, os quais se esforça para cooptar.
Política e fé
Dentre as estratégias genéricas de desqualificação, uma repetida com frequência pela pequena parcela dos apoiadores incondicionais do governo que reconhecem um mau começo é a de que devemos dar tempo ao tempo e, como ouvi um dia desses, que “no começo todos [os críticos] são PSOL, depois se acalmam”.
Além de não concordar com a generalização indevida de enquadrar qualquer crítica como alinhada ao PSOL – estratagema que pode vir a ser entendido, a depender do interlocutor, como uma forma de desqualificação -, tal postura espanta-me não apenas pela transformação da política em uma questão de fé, de certeza nas benesses vindouras, com todo o irracionalismo e fanatismo que tal mutação acarreta, mas pela dissociação pré-estabelecida entre os atos do governo e suas imediatas conseqüências e responsabilizações.
Pois achar que tudo é apenas uma questão de tempo equivale a isentar automaticamente e a priori a atual administração de todos os eventuais erros do presente em nome de bênçãos futuras que asseguradamente virão. “Como sabem que virão?” pergunto. Porque, respondem, a despeito dos dados atuais negativos, a fé cega nos diz que isso ocorrerá. Qualquer semelhança com sistemas de crença religiosa não é mera coincidência.
Outros preferem lembrar que o governo Lula também começou mal, com cortes orçamentais e "aperto de cintos", mas terminou em alto estilo, como se a administração do país fosse uma receita de bolo, bastando segui-la para obter os mesmos resultados. Desprezam, pois, o alerta do velho Marx, segundo o qual a história só se repete como farsa.
Egos feridos
Repetida amiúde, outra estratégia de desqualificação das opiniões discordantes é tachar seu emissor de arrogante e presunçoso, que “se acha a última batata frita do pacote”. À parte o dado cômico de tal “crítica” – e o que ela revela em termos de feridas egóicas - o que chama atenção é a renúncia ao questionamento e à crítica das ideias emitidas, em prol do ataque pessoal irrespondível.
Opiniões, a princípio, são feitas para ser refletidas, eventualmente aceitas, relativizadas ou rejeitadas. Descartá-las sem sequer considerá-las, desviando a atenção para uma alegada falta de qualificação ou para imaginosos traços de caráter de quem as emite, equivale a apostar no obscurantismo. Uma das grandes conquistas da internet é justamente o fim do monopólio da opinião por experts com anel de doutor no dedo e a substituição destes por cidadãos e cidadãs cujo trabalho será julgado pela pertinência (ou falta de pertinência) intrínseca ao material que produzem. Naturalmente, o que agrada a gregos tenderá a não agradar a troianos, mas, ao final, a tendência é prevalecer uma forma mais democrática de seleção.
Linchamento virtual
A despeito da natureza volátil da internet, penso que o ideal seria que àqueles que expressam suas opiniões de forma equilibrada, analítica, sem agredir a ninguém, fossem reservadas reações igualmente polidas, argumentativas e não-agressivas, ainda que discordantes.
Pois reagir com pedras nas mãos a comentários educados é coisa de turbas enfurecidas, não de quem diz professar a esperança na promoção da justiça social e no desenvolvimento do país por meios democráticos.
Do contrário, acabaremos por reproduzir, no seio da esquerda, a intolerância e a truculência que tanto criticamos na militância virtual tucana.
(Imagem retirada daqui)
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sexta-feira, 11 de março de 2011
Da necessidade de utopias

O livro sugeria – e eu acreditava piamente – que a vida era fácil e a felicidade, como uma fruta, estava sempre ao alcance da mão, se resumindo a bocas para beijar, estradas a percorrer, música, praias, luares “e algum veneno pra dar alegria”, como cantava Cazuza, então meu ídolo máximo, com quem eu era muito parecido fisicamente.
A política, embora não ocupasse um lugar central em minha vida, era repositório dos melhores presságios, antevisão de um futuro em que ao aparentemente iminente fim da ditadura se seguiriam anos de democracia plena, nos quais o atendimento às causas da então chamada “sociedade civil organizada” traria justiça social e o fim da violência de Estado, criando, em meio à nossa deslumbrante natureza ecologicamente preservada, um cenário propício para a plena manifestação da especificidade cultural brasileira.
Porém, logo a maléfica combinação de disseminação da AIDS e da hegemonia do neoliberalismo relegou tais delírios utópicos a um passado distante. No Brasil, com a derrota da emenda pelas eleições diretas - numa noite inesquecível e dolorosíssima -, seguida da agonia e morte de Tancredo Neves, instaurou-se, por um tempo longo demais, que parecia não ter fim, uma atmosfera distópica marcada pelo vácuo de ideologias, pelo desperdício de gerações de talentos e pela constatação cotidiana de que “meus heróis morreram de overdose, meus inimigos estão no poder”.
O tempo não para
Mais de 20 anos depois, o autor do tal livro é hoje uma triste figura do cenário político fluminense, aliado à pior direita. Em compensação, não há mais cenário distópico; a sexualidade se reinventou, talvez menos afetiva e mais atlética, mas certamente mais multifacetada e democrática; em termos políticos, o país demonstrou maturidade para eleger um operário oposicionista, cujos dois mandatos promoveram inclusão social em massa e mudaram a cara do país. Foi inegavelmente uma grande conquista e um enorme avanço.
Ainda assim, neste exato momento, sinto falta de um pouco de utopia ante o frio gerenciamento economicista, da coragem de colocar as demandas do povo acima das exigências do mercado, da capacidade de imaginar soluções que enterrem de vez a herança neoliberal, do destemor de firmar novas alianças com parceiros inovadores ao invés de continuar prestigiando o velho coronelismo decrépito - enfim, da vontade de sonhar, criar e inovar que hoje parece condenada a velhos livros empoeirados nas estantes.
***
E com este post o Cinema & Outras Artes ingressa em seu terceiro ano. Quem diria?
(Imagem retirada daqui)
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quarta-feira, 9 de março de 2011
A vida em 10 quadros
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domingo, 6 de março de 2011
Dilma e o retrocesso que a direita adora

A campanha por Dilma justificava-se por três aspectos: o primeiro, em importância, o reconhecimento das muitas qualidades da administração Lula, que recebeu o país em frangalhos, com altíssimo índice de desemprego e setor público sucateado e nos entregou um Brasil bem mais próspero, com 30 milhões de cidadãos retirados da pobreza, mercado de trabalho aquecido e um novo parque educacional, mais includente, à espera das novas gerações de universitários.
Derrotar o neoliberalismo tucano
O segundo motivo para apoiar Dilma fora a necessidade de derrotar José Serra, candidato que além de ter demonstrado durante a campanha não ter nenhum escrúpulo em sua sede de poder, filia-se à pior direita, representando o retorno ao alinhamento automático e subalterno do Brasil em relação aos EUA e à ortodoxia neoliberal em detrimento do atendimento às demandas sociais do país. Ademais, seria temeroso para as liberdades públicas entregar a Presidência a um político centralizador e autoritário que não aceita o contraditório e que reprime com violência manifestações pacíficas.
Após oito anos de FHC e oito de Lula, havia, ainda, como terceiro motivo a justificar o voto em Dilma, a imposição de uma derrota histórica ao projeto neoliberal tucano, derrota esta que superasse o personalismo carismático de Lula e significasse a aprovação às reorientações administrativas petistas.
O retorno do economicismo
Os primeiros dois meses do governo Dilma, embora reafirmem as duas primeiras razões para apoiá-la enquanto candidata, põem em questão, ao retornar ao velho neoliberalismo via corte de R$50 bi do Orçamento, suspensão de concursos e de contratações e anúncio de que a meta é zerar o déficit nominal – algo que, repito, nem Lula I ousou propor - a capacidade petista de conduzir a administração federal com preceitos próprios, sem se valer da mesma orientação econômica neoliberal, matizada aqui e ali, que tanto agrada ao deus-mercado e aos tucanos.
Ainda mais do que o retrocesso no MinC, o salário mínimo merreca (que pode ser compensado no futuro, se seguido o acordo, o que duvido), a visita à Folha, a transformação da presidenta em garota-propaganda de si mesma com aparições “mulherzinha” nos programas da Hebe e da Ana Maria Braga e a clara estratégia de cooptar a classe média conservadora, dispensando os “radicais”, é esse retrocesso neoliberal ao mais comezinho economicismo o que torna o início de governo Dilma tão ruim.
Pois não só joga fora as parcas mas efetivas conquistas do segundo governo Lula no sentido de retomar ao Estado alguma autonomia gerencial à revelia da ortodoxia econômica, como passa, de novo, a priorizar como ente decisório o mercado, em detrimento das demandas do povo - como tão bem ilustra o fato de que os dois últimos aumentos da taxa de juros custaram aos cofres públicos quatro vezes mais que o aumento do Bolsa-Família (única medida positiva do governo até agora, não tivesse sido relativizada e tornada mero jogo de cena pelo corte no programa Minha Casa, Minha Vida).
Sucateamento no horizonte
E, de todas as medidas que compõem o pacote neoliberal de ajustes, a suspensão de concursos e de contratações é a mais inaceitável. Primeiro, porque vai contra tudo o que Dilma afirmou na campanha e no discurso de posse, tanto no que concerne à manutenção do baixo índice de desemprego quanto, especificamente, à prioridade à educação. Anunciar uma coisa em campanha e fazer o oposto disso no poder é algo muito grave – e eu lamento pelos que não se apercebem (ou fingem não se aperceber) disso.
Segundo, porque aumentar exponencialmente a rede pública de universidades e de ensino técnico, como Lula fez, mas colocar para dar aulas professores com contrato temporário, ganhando uma merreca e sem direito a 13º. ou férias, como Dilma ora faz, é, na prática, além de um acinte às leis trabalhistas, uma forma de sucatear o ensino público federal, pois é óbvio que os profissionais atraídos por tais condições de trabalho não serão os mais preparados e que a qualidade de ensino vai cair acentuadamente (aliás, processo com dinâmica semelhante levou ao sucateamento do ensino público de segundo grau, durante a ditadura).
O passado presente
Fica cada vez mais claro que agora, como há 16 anos, é de novo o mercado quem dita os rumos do governo, que o obedece como um bichinho amestrado. E, assim, a presidenta que se elegeu prometendo aprofundar o legado de Lula reinstitui um programa de governo cuja orientação fiscal qualquer tucano ficaria honrado em corroborar. Não por outra razão, o governo Dilma, que ora atrai personalidades políticas como Kassab e Kátia Abreu, tem sido ultimamente tão adulado pela mesma mídia corporativa que a combateu com ferocidade.
Ou seja: Dilma venceu as eleições, mas o programa que adotou é do agrado da velha mídia e da direita nacional - e até alguns tucanos se mostram satisfeitos. Não havia como adivinhar que ela assim procederia, portanto o ônus advém de suas decisões: é dela e não daqueles que iludiu.
Agora, não dá para aceitar essa soma de traição eleitoral, retrocesso político e submissão econômica ao deus-mercado em detrimento das demandas da população. Mesmo os que a apóiam incondicionalmente, se refletirem com a mente e não com o fígado, hão de convir que não foi para isso que elegemos Dilma.
(Imagem retirada daqui)
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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
127 horas supera desafios

O tema do filme, baseado numa história real relatada em livro por quem a protagonizou– a desventura do montanhista Aron Ralstom (encarnado com garra por James Franco), que, em um cânion deserto de Utah, teve seu braço preso a uma rocha por 127 horas, antes de tomar uma medida extrema para libertar-se – impõe um grande desafio cinematográfico na forma de não-variação espacial e de imobilidade e falta de ação do protagonista , dificuldade agravada pela relativamente baixa compressão do tempo (pouco mais de 127 horas em 92 minutos).
De início, o roteiro de Simon Beaufoy e do também diretor Danny Boyle (de Trainspotting e Quem quer ser um milionário?) convida o espectador a identificar-se com o aventureiro e compartilhar de suas sensações enquanto pedala ou caminha entre as montanhas de rocha do enorme parque nacional. Quando o protagonista conhece duas jovens perdidas no lugar e - numa sequência

Porém tais sequências iniciais ocupam apenas 20 dos 92 minutos de duração do filme – que, somados aos 21 minutos pós-auto amputação do antebraço, deixam ao diretor e aos roteiristas a dura missão de entreter o espectador por longos 51 minutos tendo como tema tão somente um homem preso a uma pedra.
E a forma como eles levam a cabo tal tarefa é admirável: além de explorar com inteligência e criatividade o uso que o protagonista faz de sua câmera portátil para registrar seu drama e de otimizar o tanto a exploração gráfica do espaço adjacente às rochas quanto o uso da trilha sonora do indiano A. R. Rahman (Quem quer ser um milionário?), a narrativa vale-se de sonhos durante o sono, delírios induzidos pela degradação das condições físicas de Aron (sem água e sem comida nos últimos dias) e uma visão premonitória para, na prática, introduzir tramas paralelas que trazem diversificação dramática e espacial e permitem ao filme (e ao espectador) respirar.
Indicado a seis Oscar – filme, roteiro, ator, edição, trilha sonora, canção e edição -, 127 horas supera os desafios que o tema impunha graças, em grande parte, ao roteiro. Mas este seria apenas uma fonte literária de eventos bem encadeados, não você seu uso pela direção segura e criativa de Boyle, a qual, aliada à excelência da direção de fotografia (do equatoriano Enrique Chediak, que filmou Besouro no Brasil, e de Anthony Dod Mantle) torna o filme, de fato, um espetáculo cinematográfio grandioso. Assim, a não-indicação ao Oscar de Diretor e de Direção de Fotografia é não só uma injustiça, mas uma incongruência.
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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
Primavera digital chega ao fim
O debate político brasileiro vive um momento tenso e contraditório. Embora seja inegável o salto qualitativo propiciado por uma maior penetração de blogs não-corporativos nos dois ou três últimos anos, certos vícios que caracterizaram a atuação de setores da blogosfera no período cobram, enfim, o custo de sua incongruência.
Pertence à lógica mais elementar, inescapável, a conclusão de que se o governo Dilma impinge ao país, neste momento, um duríssimo choque anticíclico - como não se viu igual sequer no turbulento início da presidência de Lula, herdeiro da “herança maldita” tucana – o faz porque há um grave problema com as contas deixadas pelo ex-presidente. Negar a evidência de um pronunciado déficit equivale a incorrer em desonestidade intelectual em nome de interesses político-ideológicos[1].
E distorcer os fatos em nome de tal modalidade de interesses é precisamente a acusação que, de forma muito justa, é recorrentemente feita contra a mídia corporativa. Portanto, os blogueiros que apoiam incondicionalmente o governo, não importando quão graves sejam as medidas que este toma, não estão se apercebendo do risco de se igualarem ao “Pig” que tanto criticam.
Dicotomias burras
De minha parte, estou cheio dessas divisões absolutistas e maniqueístas entre nós (os puros) e eles (os corruptos), PT x PSDB, blogosfera independente x mídia corporativa, Lula x FHC, Brasil x EUA. Que me desculpem os fanáticos, mas o mundo não é em preto e branco.
Também me encheu o simplismo fácil com que se usa o termo multiuso PIG (Partido da Mídia Golpista) como explicação para todos os males que nos afligem, como se uma atividade complexa e que envolve milhares de profissionais pudesse ser sempre, inapelavelmente, em qualquer contexto, associada a um rótulo jocoso que não poucas vezes tem servido de bode expiatório e de desculpa para que a esquerda deixe de olhar para seu próprio umbigo e reconhecer seus erros e contradições.
E, por fim, embora considere Lula, disparado, o melhor presidente que o país já teve, não estou disposto a consentir com seu processo de canonização e mitificação, em pleno andamento, e que o presume um ser perfeito, imune a mancadas ou erros e isento de responsabilidades, com uma manada feroz atacando, a la Inquisição Espanhola, quem ousa fazer qualquer restrição ou crítica. Ora, uma das grandezas maiores de Lula, tanto no espectro político quanto humano, é precisamente ter aprendido com seus erros e derrotas e a partir deles se aprimorado para se tornar o excelente presidente que foi e o notável ser humano que é. Santificar Lula, na verdade, o diminui, ao invés de engrandecê-lo.
Cai na real, blogosfera
Não bastasse essa crise ética que se manifesta em setores da blogosfera e os torna similar, em dissimulações interesseiras, à mídia corporativa que tanto criticam, Dilma Rousseff, após ter dispensado, por conta do episódio da licença Creative Commons no MinC, um tratamento no mínimo desrespeitoso aos ativistas digitais que tanto a apoiaram, presta-se ao lamentável papel de voar de Brasília para São Paulo para prestigiar, ao lado de toda a fauna tucana, os 90 anos da publicação que mais decaiu eticamente no Brasil na última década, a ponto de dar voz a um aloprado que “denunciou” Lula como estuprador e de estampar ficha policial falsa da pré-candidata Dilma na capa. E compareceu à festa na capital paulista sem um mísero pedido de desculpas em troca.
Ante a reação indignada de setores da blogosfera contra esse autêntico tapa na cara dos que, gratuita e dedicadamente, tanto lutaram pela candidatura Dilma e contra a mídia corporativa que a Folha representa, a reação foi um histérico cala-a-boca, seguido de tentativas grosseiras de desqualificação do interlocutor. Mal posso acreditar que depois de todos os escândalos e absurdos de um jornal que denunciei implacavelmente, vivi para ver alguns petistas igualarem-se a Marcelo Tas e elogiar a Folha por gozar as próprias mancadas. Foi um espetáculo doloroso.
O “argumento” dos que defendem incondicionalmente a presença de Dilma na Barão de Limeira? "Não era a pessoa Dilma Rousseff quem lá estava, mas a presidenta". Trata-se de uma premissa duplamente falaciosa: em primeiro lugar, porque não é possível dissociar uma de outra, e foi uma presidenta esquerdista, ex-guerrilheira, de um governo vilipendiado pela imprensa quem o povo brasileiro elegeu. Em segundo porque não há razão objetiva nenhuma para um presidente prestigiar a festa de um grupo privado de comunicação, ainda mais sendo este um dos principais responsáveis pela derrocada ética do jornalismo brasileiro. Se Dilma acha que com esse gesto angariará a leniência dos Frias então estamos mesmo perdidos.
Momento é de Desencanto
A nova presidente fez sua opção, e é pela mídia corporativa. Seu desprezo pela militância virtual que a ajudou a eleger-se é evidente e mesmo se algum desagravo vier a público nos próximos dias será meramente reativo, prêmio de consolação. O simbolismo do gesto da presidenta acabou por transferir a crise, da imprensa para a blogosfera.
Foi, como disse, um tapaço na cara da blogosfera – o qual, espero, derrube nossa auréola, faça-nos despertar e sair da bolha de certezas e auto-congratulação em que muitos de nós nos metemos. Aliás, uma das coisas mais assustadoras no maravilhoso mundo não tão novo dos blogs é seu excesso de certezas e escassez de dúvidas, o seu sem-número de opiniões mas sua carência de embasamento.
De minha parte, neste momento de desencanto, sinto que o momento é de voltar aos livros, buscar na sabedoria de longo prazo que só eles oferecem inspiração e subsídios para entender mais esse tremendo retrocesso da esquerda brasileira.
Pertence à lógica mais elementar, inescapável, a conclusão de que se o governo Dilma impinge ao país, neste momento, um duríssimo choque anticíclico - como não se viu igual sequer no turbulento início da presidência de Lula, herdeiro da “herança maldita” tucana – o faz porque há um grave problema com as contas deixadas pelo ex-presidente. Negar a evidência de um pronunciado déficit equivale a incorrer em desonestidade intelectual em nome de interesses político-ideológicos[1].
E distorcer os fatos em nome de tal modalidade de interesses é precisamente a acusação que, de forma muito justa, é recorrentemente feita contra a mídia corporativa. Portanto, os blogueiros que apoiam incondicionalmente o governo, não importando quão graves sejam as medidas que este toma, não estão se apercebendo do risco de se igualarem ao “Pig” que tanto criticam.
Dicotomias burras
De minha parte, estou cheio dessas divisões absolutistas e maniqueístas entre nós (os puros) e eles (os corruptos), PT x PSDB, blogosfera independente x mídia corporativa, Lula x FHC, Brasil x EUA. Que me desculpem os fanáticos, mas o mundo não é em preto e branco.
Também me encheu o simplismo fácil com que se usa o termo multiuso PIG (Partido da Mídia Golpista) como explicação para todos os males que nos afligem, como se uma atividade complexa e que envolve milhares de profissionais pudesse ser sempre, inapelavelmente, em qualquer contexto, associada a um rótulo jocoso que não poucas vezes tem servido de bode expiatório e de desculpa para que a esquerda deixe de olhar para seu próprio umbigo e reconhecer seus erros e contradições.
E, por fim, embora considere Lula, disparado, o melhor presidente que o país já teve, não estou disposto a consentir com seu processo de canonização e mitificação, em pleno andamento, e que o presume um ser perfeito, imune a mancadas ou erros e isento de responsabilidades, com uma manada feroz atacando, a la Inquisição Espanhola, quem ousa fazer qualquer restrição ou crítica. Ora, uma das grandezas maiores de Lula, tanto no espectro político quanto humano, é precisamente ter aprendido com seus erros e derrotas e a partir deles se aprimorado para se tornar o excelente presidente que foi e o notável ser humano que é. Santificar Lula, na verdade, o diminui, ao invés de engrandecê-lo.
Cai na real, blogosfera
Não bastasse essa crise ética que se manifesta em setores da blogosfera e os torna similar, em dissimulações interesseiras, à mídia corporativa que tanto criticam, Dilma Rousseff, após ter dispensado, por conta do episódio da licença Creative Commons no MinC, um tratamento no mínimo desrespeitoso aos ativistas digitais que tanto a apoiaram, presta-se ao lamentável papel de voar de Brasília para São Paulo para prestigiar, ao lado de toda a fauna tucana, os 90 anos da publicação que mais decaiu eticamente no Brasil na última década, a ponto de dar voz a um aloprado que “denunciou” Lula como estuprador e de estampar ficha policial falsa da pré-candidata Dilma na capa. E compareceu à festa na capital paulista sem um mísero pedido de desculpas em troca.
Ante a reação indignada de setores da blogosfera contra esse autêntico tapa na cara dos que, gratuita e dedicadamente, tanto lutaram pela candidatura Dilma e contra a mídia corporativa que a Folha representa, a reação foi um histérico cala-a-boca, seguido de tentativas grosseiras de desqualificação do interlocutor. Mal posso acreditar que depois de todos os escândalos e absurdos de um jornal que denunciei implacavelmente, vivi para ver alguns petistas igualarem-se a Marcelo Tas e elogiar a Folha por gozar as próprias mancadas. Foi um espetáculo doloroso.
O “argumento” dos que defendem incondicionalmente a presença de Dilma na Barão de Limeira? "Não era a pessoa Dilma Rousseff quem lá estava, mas a presidenta". Trata-se de uma premissa duplamente falaciosa: em primeiro lugar, porque não é possível dissociar uma de outra, e foi uma presidenta esquerdista, ex-guerrilheira, de um governo vilipendiado pela imprensa quem o povo brasileiro elegeu. Em segundo porque não há razão objetiva nenhuma para um presidente prestigiar a festa de um grupo privado de comunicação, ainda mais sendo este um dos principais responsáveis pela derrocada ética do jornalismo brasileiro. Se Dilma acha que com esse gesto angariará a leniência dos Frias então estamos mesmo perdidos.
Momento é de Desencanto
A nova presidente fez sua opção, e é pela mídia corporativa. Seu desprezo pela militância virtual que a ajudou a eleger-se é evidente e mesmo se algum desagravo vier a público nos próximos dias será meramente reativo, prêmio de consolação. O simbolismo do gesto da presidenta acabou por transferir a crise, da imprensa para a blogosfera.
Foi, como disse, um tapaço na cara da blogosfera – o qual, espero, derrube nossa auréola, faça-nos despertar e sair da bolha de certezas e auto-congratulação em que muitos de nós nos metemos. Aliás, uma das coisas mais assustadoras no maravilhoso mundo não tão novo dos blogs é seu excesso de certezas e escassez de dúvidas, o seu sem-número de opiniões mas sua carência de embasamento.
De minha parte, neste momento de desencanto, sinto que o momento é de voltar aos livros, buscar na sabedoria de longo prazo que só eles oferecem inspiração e subsídios para entender mais esse tremendo retrocesso da esquerda brasileira.
Eduardo Guimarães afirmou ontem que perdeu muitos negócios por conta da dedicação a seu blog e à militância virtual; eu, para me dedicar a esta e a este espaço bem mais modesto, não perdi dinheiro, mas adiei o lançamento de livros e diminuí minha produção como autor acadêmico. É momento de rever prioridades e de aquietar meu lado militante e minha identificação com movimentos e partidos. Este blog continuará, mas com uma pauta mais diversificada e com textos mais leves, fiel à paixão ao jornalismo, ao cinema e à cultura em geral.
A despeito de seu triste e revoltante final, foi gratificante tomar parte da primavera digital. Mas, como diz a canção, todo carnaval tem seu fim.
[1] No que concerne especificamente a tais problemas de caixa, a minha crítica não é a Lula por tê-la deixado – isso fatalmente aconteceria no bojo de um crescimento expressivo da economia, ainda mais em ano eleitoral -, mas à retomada da ortodoxia neoliberal promovida por Dilma para lidar com a questão, priorizando uma vez mais o mercado e o grande capital - em detrimento de assalariados e desempregados - ao invés de adotar medidas menos traumáticas, alongando o perfil do pagamento da dívida e fazendo valer o poder de barganha que o Brasil, ótimo pagador, angariou nos últimos anos. Porém, o próprio esforço dos que não admitem nenhuma crítica a Lula ou a Dilma para negar o buraco no caixa é sintomático do quão contaminados estão por premissas do ideário neoliberal no que tange à administração da macroeconomia do país. É a prova da presença insidiosa do neoliberalismo em mentes que se crêem de esquerda.
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domingo, 20 de fevereiro de 2011
O retorno do neoliberalismo

Havia, porém, em alguns setores, sobretudo após o segundo mandato de Lula, a esperança de que a ortodoxia econômica dos primeiros anos de governo - nos quais a única diferença entre Palocci e Malan era a barba – fosse página virada, e que o neokeyseanismo que dominou o segundo mandato, aprimorado, acabasse por constituir-se em modelo orientador da política econômica.
Entretanto, o anúncio de um vultoso corte de R$50 bilhões no orçamento federal, da suspensão de concursos e nomeação de aprovados e, sobretudo, da meta de zerar o déficit nominal, vem corroborar diagnósticos mais céticos, mesmo entre os que reconhecem os méritos sociais da administração Lula.
Entre os que acreditavam na possibilidade de aprofundamento das conquistas da Era Lula, com maior clareza e coesão político-ideológica, o retorno abrupto à ortodoxia neoliberal logo no início do governo e incluindo congelamento de contratações significa um tremendo retrocesso e instaura um profundo desencanto. Mesmo porque as implicações de tal decisão, levada em conta a atuação assumidamente partidária da mídia, podem ser, na prática, ainda mais graves.
Pois ao promover a volta da ortodoxia econômica Dilma facilita tremendamente a encenação do teatro midiático golpista.
Teatro midiático
Trata-se de uma peça em três atos: no primeiro contrapõe-se favoravelmente Dilma a Lula, não só exaltando o estilo da primeira em relação aos modos alegadamente broncos de seu antecessor, mas procurando também responsabilizá-lo, entre outras maldades, por uma herança maldita na forma de contas estouradas.
No segundo ato, como fez na temporada 2005, a peça assume tons histriônicos: a mídia superestima e publiciza ao máximo eventuais denúncias de corrupção no governo Dilma – que, dada a estrutura político-administrativa brasileira, fatalmente ocorrerão -, procurando jogar a responsabilidade para a presidenta.
No terceiro e último ato, estabelecida a excelência das políticas neoliberais e pespegado o rótulo de corrupta na administração dilmista, chega o momento de contrapor a capacidade administrativa da presidente “novata” e “corrupta” aos “experientes gestores” tucanos, isentos de qualquer denúncia grave de corrupção pela própria blindagem que a mídia lhes oferece. Será então a hora de fazer uso midiático não só da brigada demotucana (note-se, a respeito, que não obstante sua derrota eleitoral, Álvaro Dias continua com cadeira cativa no telejornalismo global) como dos políticos quinta-coluna que a mídia mantém na base aliada.
Passividade e intransigência
O que setores da esquerda, iludidos pela lua-de-mel entre a mídia e a presidenta, relutam em enxergar é que a estratégia econômica de Dilma está facilitando tremendamente a dramaturgia midiático-golpista, pois pertence à lógica elementar, inescapável, a constatação de que, se o aperto na economia é tão urgente quanto as medidas adotadas sugerem, é porque há, de fato, graves problemas de caixa na herança deixada pelo governo Lula. E isso fatalmente será utilizado contra a administração petista quando a mídia reposicionar suas peças no tabuleiro.
Em nome dos próprios ideias que defendem, é preciso que a sociedade e os setores progressistas que elegeram o novo governo reajam o quanto antes a esse retrocesso político, ideológico e administrativo, o qual, em um movimento inaceitável em uma democracia que se quer avançada, contraria frontalmente o discurso eleitoral de Dilma.
Ao invés disso, o que se vê é uma atitude que oscila entre a aceitação passiva, "vamos deixar como está para ver como é que fica" e a patrulha ideológica que procura desqualificar qualquer voz dissonante, como se criticar o governo Dilma significasse automaticamente realinhar-se com a mídia e os setores conservadores - quando, como sugerido acima, é precisamente o apoio às medidas anunciadas por Dilma o que mais interessa neste momento à mídia corporativa para compor sua estratégia de poder.
(Imagem retirada daqui)
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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
Governo Dilma: início preocupante
Não restam dúvidas de que o aumento mundial dos preços das commodities é, atualmente, um fator de inquietação a gerar tensões inflacionárias no exterior e, em decorrência, no Brasil. Tais pressões se mostram agravadas, no caso brasileiro, não só pelos efeitos deletérios da inepta sobrevalorização do real em relação ao dólar – a qual, de longa duração, tem afetado duramente setores industriais nacionais -, mas por dois fatores decorrentes da ampla expansão de crédito verificada no biênio final do governo Lula: a inflação especulativa gerada pela alta demanda por determinados produtos e serviços e (em parte como desdobramento desta) a iminente possibilidade de um estouro da bolha de consumo na forma de inadimplência em cadeia
Portanto, é forçoso reconhecer que há motivos reais de preocupação na seara econômica – a expansão do crédito interno, se foi um fator fundamental para que no Brasil a crise econômica mundial não passasse de uma “marolinha”, cobra agora, num cenário de alta inflacionária mundial, o seu preço.
É como reação a tal cenário que se inserem as principais medidas do início do governo Dilma, como a meta de zerar o déficit nominal [gastos menos despesas, incluindo pagamento de juros], em nome do qual se anuncia um corte de R$50 bilhões no orçamento (o qual, a despeito do que declara o governo, fatalmente reincidirá sobre áreas sociais); um salário mínimo sem aumento real, fixado em módicos R$545,00; e a suspensão de novos concursos e de contratação de aprovados em concursos anteriores (no âmbito federal, é claro).
Déjà-vu
Tudo isso torna o início do governo Dilma incrivelmente parecido com a primeira presidência de Lula, cujo biênio inicial no poder, com Palocci à frente do Ministério da Fazenda, foi marcado por um aperto macroeconômico de diretriz neoliberal ainda mais severo do que à época de FHC/Malan. Cristãos novos tendem a ser mais fanáticos, diz o ditado.
Como a repetir tal dinâmica, o governo Dilma anuncia que não se contentará em manter um alto superávit primário [gastos menos despesas, sem contar pagamento de juros], mas, como já mencionado, quer zerar o déficit nominal. Se levada efetivamente a cabo, trata-se de uma medida que exigirá restrições orçamentárias de efeitos sociais potencialmente devastadores.
Desnecessário assinalar que a situação enfrentada por Lula em 2003 era incomparavelmente mais grave do que a atual, com o país tendo ido à bancarrota três vezes e uma quebradeira total a la Argentina ainda antes da posse só evitada por um empréstimo tomado, com o aval do presidente norte-americano George W. Bush, junto ao FMI, o qual impôs as medidas de cunho neoliberal acima referidas, notadamente o comprometimento com um alto superávit primário e um Banco Central independente (se não no papel, na prática, como de fato se manteve, Meirelles à frente, até o final da segunda presidência de Lula).
No caso do ex-presidente, essas medidas iniciais acabaram por se provar fundamentais para que o país tivesse lastro para bancar, sobretudo via setor público, o aumento de empregabilidade, crédito e, em decorrência, mercado, que não só possibilitou superar olimpicamente a crise mundial mas promoveu a ascensão de uma nova classe média, sem deixar de reduzir de forma expressiva a pobreza via programas sociais.
Deve-se, em relação aos acontecimentos atuais, levar em conta tal dinâmica, sobretudo no que diz respeito a um governo em estágio embrionário e reiteradamente comprometido não só com o modelo de desenvolvimento socialmente includente erigido por Lula mas com a bandeira de um Estado com participação ativa na economia.
Simbologia do aumento do mínimo
Ainda assim, destrinchado o contexto e feitas tais ressalvas, a recusa por um aumento real do salário mínimo não deixa de soar como uma medida excessiva, prescindível e socialmente inadequada, além de geradora potencial de um grande desgaste político-eleitoral.
O salário mínimo de R$545,00 (cerca de U$320) é incomparavelmente maior do que na era FHC, em que a meta, poucas vezes atingida, era equipará-lo a U$100. Não passa, portanto, de oportunismo eleitoral a defesa de um mínimo de R$600 por parlamentares tucanos. Por outro lado, é também irreal (como de costume), pois inexequível, o clamor por R$700 mensais bradado pelo PSOL.
Mas se o compromisso do governo Dilma é de fato com a continuidade e o aprimoramento das conquistas da era Lula, o coerente seria a concessão de um aumento real do salário mínimo, ainda que, dadas as pressões econômicas, pequeno. Certamente há, no enorme montante de dinheiro público que escoa para os ralos do setor financeiro, um aporte de verbas qualquer capaz de permitir tal aceno simbólico aos que deram seus votos para um projeto político progressista.
Medida arbitrária
Talvez mais grave do que a questão salarial é a contingência de contratações e concursos anunciada ontem (15/02). Trata-se de uma medida perigosa para o bom funcionamento das instituições federais, em um momento em que um salto de qualidade em alguns setores parece prestes a ocorrer; é, ainda, passível de ser identificada como um flanco aberto pelo governo ao render-se ao discurso de enxugamento da máquina, que os setores conservadores berram reiteradamente, alegando aparelhamento estatal; e, mais grave, vai frontalmente contra os compromissos que a própria Dilma defendeu publicamente, inclusive no discurso da posse.
Tanto a recusa pelo aumento real do mínimo quanto, sobretudo, a suspensão de concursos e contratações soam extremamente mesquinhas - além de fornecer motivos concretos para alimentar temores quanto às posições de Dilma que a presença de Palocci no governo só faz incitar.
O governo mal se inicia, mas, é forçoso constatar, se inicia mal. Merece, sem dúvida, um voto de confiança e um prazo bem maior que um mês e meio para dizer a que veio. Porém, não reconhecer a inadequação, a orientação antissocial e o caráter intrinsicamente neoliberal das medidas acima referidas equivale à omissão.
Portanto, é forçoso reconhecer que há motivos reais de preocupação na seara econômica – a expansão do crédito interno, se foi um fator fundamental para que no Brasil a crise econômica mundial não passasse de uma “marolinha”, cobra agora, num cenário de alta inflacionária mundial, o seu preço.
É como reação a tal cenário que se inserem as principais medidas do início do governo Dilma, como a meta de zerar o déficit nominal [gastos menos despesas, incluindo pagamento de juros], em nome do qual se anuncia um corte de R$50 bilhões no orçamento (o qual, a despeito do que declara o governo, fatalmente reincidirá sobre áreas sociais); um salário mínimo sem aumento real, fixado em módicos R$545,00; e a suspensão de novos concursos e de contratação de aprovados em concursos anteriores (no âmbito federal, é claro).
Déjà-vu
Tudo isso torna o início do governo Dilma incrivelmente parecido com a primeira presidência de Lula, cujo biênio inicial no poder, com Palocci à frente do Ministério da Fazenda, foi marcado por um aperto macroeconômico de diretriz neoliberal ainda mais severo do que à época de FHC/Malan. Cristãos novos tendem a ser mais fanáticos, diz o ditado.
Como a repetir tal dinâmica, o governo Dilma anuncia que não se contentará em manter um alto superávit primário [gastos menos despesas, sem contar pagamento de juros], mas, como já mencionado, quer zerar o déficit nominal. Se levada efetivamente a cabo, trata-se de uma medida que exigirá restrições orçamentárias de efeitos sociais potencialmente devastadores.
Desnecessário assinalar que a situação enfrentada por Lula em 2003 era incomparavelmente mais grave do que a atual, com o país tendo ido à bancarrota três vezes e uma quebradeira total a la Argentina ainda antes da posse só evitada por um empréstimo tomado, com o aval do presidente norte-americano George W. Bush, junto ao FMI, o qual impôs as medidas de cunho neoliberal acima referidas, notadamente o comprometimento com um alto superávit primário e um Banco Central independente (se não no papel, na prática, como de fato se manteve, Meirelles à frente, até o final da segunda presidência de Lula).
No caso do ex-presidente, essas medidas iniciais acabaram por se provar fundamentais para que o país tivesse lastro para bancar, sobretudo via setor público, o aumento de empregabilidade, crédito e, em decorrência, mercado, que não só possibilitou superar olimpicamente a crise mundial mas promoveu a ascensão de uma nova classe média, sem deixar de reduzir de forma expressiva a pobreza via programas sociais.
Deve-se, em relação aos acontecimentos atuais, levar em conta tal dinâmica, sobretudo no que diz respeito a um governo em estágio embrionário e reiteradamente comprometido não só com o modelo de desenvolvimento socialmente includente erigido por Lula mas com a bandeira de um Estado com participação ativa na economia.
Simbologia do aumento do mínimo
Ainda assim, destrinchado o contexto e feitas tais ressalvas, a recusa por um aumento real do salário mínimo não deixa de soar como uma medida excessiva, prescindível e socialmente inadequada, além de geradora potencial de um grande desgaste político-eleitoral.
O salário mínimo de R$545,00 (cerca de U$320) é incomparavelmente maior do que na era FHC, em que a meta, poucas vezes atingida, era equipará-lo a U$100. Não passa, portanto, de oportunismo eleitoral a defesa de um mínimo de R$600 por parlamentares tucanos. Por outro lado, é também irreal (como de costume), pois inexequível, o clamor por R$700 mensais bradado pelo PSOL.
Mas se o compromisso do governo Dilma é de fato com a continuidade e o aprimoramento das conquistas da era Lula, o coerente seria a concessão de um aumento real do salário mínimo, ainda que, dadas as pressões econômicas, pequeno. Certamente há, no enorme montante de dinheiro público que escoa para os ralos do setor financeiro, um aporte de verbas qualquer capaz de permitir tal aceno simbólico aos que deram seus votos para um projeto político progressista.
Medida arbitrária
Talvez mais grave do que a questão salarial é a contingência de contratações e concursos anunciada ontem (15/02). Trata-se de uma medida perigosa para o bom funcionamento das instituições federais, em um momento em que um salto de qualidade em alguns setores parece prestes a ocorrer; é, ainda, passível de ser identificada como um flanco aberto pelo governo ao render-se ao discurso de enxugamento da máquina, que os setores conservadores berram reiteradamente, alegando aparelhamento estatal; e, mais grave, vai frontalmente contra os compromissos que a própria Dilma defendeu publicamente, inclusive no discurso da posse.
Tanto a recusa pelo aumento real do mínimo quanto, sobretudo, a suspensão de concursos e contratações soam extremamente mesquinhas - além de fornecer motivos concretos para alimentar temores quanto às posições de Dilma que a presença de Palocci no governo só faz incitar.
O governo mal se inicia, mas, é forçoso constatar, se inicia mal. Merece, sem dúvida, um voto de confiança e um prazo bem maior que um mês e meio para dizer a que veio. Porém, não reconhecer a inadequação, a orientação antissocial e o caráter intrinsicamente neoliberal das medidas acima referidas equivale à omissão.
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
Ronaldo e os urubus

Dá até para entender que o casamento-relâmpago com uma beldade popular e farras sexuais que escandalizam os escandalizáveis sejam explorados à exaustão por revistas e colunas de fofocas. Agora, que publicações esportivas ou portais voltados ao público em geral insistam em tais temas no momento em que anuncia sua aposentadoria um dos maiores craques do país, duas vezes campeão mundial (e uma vice) e maior artilheiro da história da Copa do Mundo, é algo que é jornalisticamente inaceitável.
Corrobora não apenas a grave crise do jornalismo esportivo do país, dominado por figuras que se autopromovem à custa de falsas polêmicas e do neomoralismo mais tacanho, mas o quanto o complexo de inferioridade nacional – que se propagou e atingiu seu auge durante o neoliberalismo caboclo de FHC – continua a impregnar as mentes de nossos homens de imprensa, a despeito da evolução do país.
Essa inversão de valores atingiu o paroxismo no portal Ig, em que uma longa matéria elencava não o talento, os gols, as recuperações de fênix de Ronaldo após contusões seriíssimas, mas suas mancadas (ganho de peso, farras), “escândalos” (Cicarelli, travestis), polêmicas (com o ex-presidente Lula, com o “comentarista” Neto, com o inacreditável Datenão),
Tal distorção faz com que as especulações levianas acerca da sexualidade de Ronaldo dominem a cena: - “O que será que assustou a Cicarelli, he, he, he?” – Será que o negócio do “fenômeno” é traveco, ra, ra, ra? ”, perguntam-se, línguas mordazes, os que projetam suas frustrações no controle da vida alheia.
Ora, as preferências sexuais de cada um pertencem ao âmbito privado. O que há por trás da reação estridente ao caso de Ronaldo com o travesti é, sobretudo, a velha e usual homofobia em clave histérica, açulada por uma mídia leviana. O que me escandaliza nesse caso são as reações, e não o que o Fenômeno fez ou deixou de fazer.
De minha parte, no que concerne à aposentadoria de Ronaldo, prefiro ficar com o testemunho informado e elegante de um jornalista esportivo com décadas de estrada e que paira metros acima da lama corrente.
(Imagem retirada daqui)
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domingo, 13 de fevereiro de 2011
Por uma imprensa justa

- Cê viu a última da nossa mídia?
- O que aprontaram dessa vez? – pergunta o outro, mais velho, com uma inflexão na voz que evidencia um certo fastio do tema.
- Deram pra exaltar a Dilma, mas só como forma de diminuir o Lula...
- Ué, mas o homem ficou oito anos no poder, o governo dela mal começou...
- Pois é, mas o negócio deles é desconstruir o Lula, com medo de 2014...
- Mas não adianta, não apitam mais nada esses caras. Quem liga para o que eles falam? O que vale é voto na urna...
- Pode até ser, mas a questão é que temos o direito de lutar por uma imprensa justa. Não vou nem dizer imparcial, que isso não existe, mas uma imprensa que retrate os fatos, que critique o criticável mas que também reconheça os méritos.
Niilismo x crítica construtiva
O diálogo acima, que não é fictício, evidencia duas das posições mais evidentes no debate público atual, no que concerne às relações entre imprensa e política: de um lado, a completa indiferença em relação à imprensa, aliada à confiança no poder decisório do povo que as três últimas eleições corroboraram; de outro, a ênfase na importância de se seguir denunciando as práticas condenáveis da imprensa e em lutar pelo aprimoramento da atividade midiática como um todo.
Grande parte da blogosfera parece se aliar ao primeiro caso: a imprensa é um inimigo a ser combatido, ponto final.
O perigo das generalizações
É exemplar disso a adoção do termo PIG (significando Partido da Imprensa Golpista), que se tornou corrente nos blogs e redes sociais para designar a grande mídia. Evito fazer uso dessa denominação por acreditá-la por demais generalizante: pretender que a imprensa aja sempre de um mesmo modo, golpista, é desclassificá-la a priori, concebendo-a de forma monolítica e impedindo qualquer análise mais nuançada. A meu ver, esse maniqueísmo pré-estabelecido entre os justos (nós) e os abomináveis (a mídia) não só torna a crítica à imprensa menos efetiva mas pouco capaz de angariar novos leitores interessados em argumentação e análise.
Por outro lado, o alto grau de pregnância do termo PIG e o quanto ele se tornou corrente evidencia que há uma percepção, amplamente difundida, de que há algo de profundamente errado, institucionalmente inaceitável, no comportamento da mídia de forma geral: uso de ficha falsa de candidata presidencial na capa da Folha de S. Paulo, a edição do Jornal Nacional referente à “bolinha do Serra”, o artigo de Cesinha difamando Lula, as denúncias jamais comprovadas que a Veja estampou em capas – os exemplos são inúmeros e de alta gravidade.
Colunismo obscurantista
Piora esse quadro a atuação dos que antigamente eram chamados de “formadores de opinião” - função que, se é que um dia foi de fato exercida, tornou-se inapelavelmente anacrônica na era da comunicação interativa. Com efeito, os colunistas de política dos grandes grupos de mídia se tornaram, de maneira geral e com raríssimas exceções, meras correntes de transmissão da ideologia (quero dizer, dos interesses) da plutocracia midiática.
Embora com diferentes origens e formações, os principais colunistas de nossa mídia hoje têm em comum a aderência cega ao ideário neoliberal (incluindo ojeriza ao setor público, ao Estado, a políticas sociais e sacralização da esfera institucional privada), antipetismo e ódio a Lula (incluindo sua formação, história, popularidade e sucesso). Jabor, Kramer, Cantanhêde, Merval, a turma da Veja... a lista é enorme e qualquer leitor/espectador eventual saberia identificá-los. Justamente devido ao seu grau de comprometimento ideológico representam o obscurantismo a que está relegada a nobre função de colunista, que idealmente deveria ser o responsável por aprofundar temas, desenvolver análises, clarificar perspectivas.
Tal fenômeno agravou-se devido ao que eu chamaria de “contágio interno” – ou seja, à tendência, dos poucos jornalistas opinativos potencialmente capazes de manter certa independência, de repercutir tão-somente a mídia corporativa, fiando-se em um discurso jornalístico viciado na origem e recusando o novo universo comunicacional sem o qual o contraditório – essencial para a comunicação democrática – praticamente não teria sido produzido nos últimos anos.
Comparações desmitificadoras
Essa terrível situação a que chegou nossa mídia tem produzido consequências negativas não só para si – o que é plenamente justo -, mas, ao instaurar uma desconfiança generalizada contra a imprensa enquanto instituição, contra a atividade jornalística como um todo. Ou seja, ao invés de combater certa estrutura comunicacional e, no interior desta, certos veículos, muitos preferem condenar o jornalismo. É como se, devido a erros médicos consecutivos, as pessoas decidissem exterminar a medicina.
Nesse cenário raivosamente anti-imprensa, grassam generalizações que não resistem a análises comparativas minimamente rigorosas.
Aspirações viáveis
Em primeiro lugar, à contraposição da imprensa brasileira à internacional. O ofício de colunista acima referido continua prestigiado tanto nas grandes publicações dos EUA e da Europa (e, por exemplo, no Página 12 da Argentina) quanto, sobretudo, em aguerridos periódicos de médio e pequeno porte – que tanta falta fazem ao panorama jornalístico brasileiro - tal como Le Monde Diplomatique, Salon, Mother Jones, entre outros.
Malgrado a indissolúvel ligação entre capitalismo e imprensa, a experiência internacional comprova que, dados os inevitáveis descontos, se não se pode sonhar com a inatingível imparcialidade, é plausível reivindicar uma imprensa justa, profissional, ética. Afinal, há toda uma deontologia do jornalismo que deve servir, também no Brasil, para algo além de motivo de piadas.
Em segundo lugar, a presunção amplamente difundida de que a imprensa brasileira sempre se comportou como “PIG”, ou seja, sempre foi extremamente tendenciosa e atrelada ao poder, se se sustenta em linhas gerais – afinal, umas poucas famílias e tipos como Assis Chateaubriand sempre mantiveram o monopólio sobre os principais veículos -, só com o auxílio da má-vontade ou do desconhecimento histórico resiste a um olhar mais detido.
Tempos idos
Afinal, como negar que, a exemplo dos veículos internacionais de pequeno e médio porte acima citados, a revista Senhor, Pif-Paf, O Pasquim, Realidade fizeram grande jornalismo? Como negligenciar o tremendo feito jornalístico (e de contra-reação cívico-política) que foi o Última Hora de Samuel Wainer, como olvidar uma trajetória jornalística como a de Pompeu de Souza, quixote de tantas batalhas e introdutor do lead na imprensa brasileira (no Diário Carioca), ou ainda, para utilizar-me de um exemplo mais recente, a resistência de Helio Fernandes e seu Tribuna da Imprensa?
O notório apoio de setores da imprensa ao regime militar (incluindo empréstimo de peruas de um jornal paulista para transportar torturados) deve, evidentemente, ser sempre lembrado e reprovado, mas daí a, valendo-se de ódios do presente (ainda que em sua maioria justificados) omitir que o grande Jornal do Brasil dos anos 60/70 e a Folha de S. Paulo (repaginada por Claudio Abramo) dos anos 80 inovaram qualitativamente a cobertura política e cultural da imprensa brasileira é apostar no obscurantismo.
Para além das ideias
E apostar no obscurantismo é igualar-se, em estratégia, ao que grande parte da mídia corporativa brasileira tem feito. Com o agravante que, ao se apostar na negação e destruição da mídia por razões político-ideológicas, negligencia-se a possibilidade de revitalização econômica de um setor com grande potencial de expansão, presença como arena pública e empregabilidade.
Na blogosfera, a guerra de muitos é contra a imprensa e a mídia - qualquer imprensa, qualquer mídia, à maneira anarquista ("Hay gobierno soy contra"), desqualificando-as a priori. Não é o caso deste blog: nossa luta é pelo aprimoramento democrático da imprensa, através da crítica à mídia via argumentação; da denúncia comprovada de seus eventuais erros, distorções e tendencionismo; da análise comparativa transnacional; e do debate de medidas governamentais para democratização do setor.
Não acreditamos em enfrentamento de forças estanques e desiguais, em ódio mútuo, mas em um combate de longo prazo, de resultados paulatinos, visando ao aprimoramento da mídia enquanto ente político-comunicacional e como setor econômico-social empregatício.
(Imagem retirada daqui)
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