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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Ronaldo e os urubus

“No Brasil, o sucesso é ofensa pessoal” – a frase, cunhada por um brasileiro bem-sucedido no país e no exterior – o “maestro soberano” Tom Jobim -, vem uma vez mais à baila no rastro das reações da mídia à aposentadoria de Ronaldo.

Dá até para entender que o casamento-relâmpago com uma beldade popular e farras sexuais que escandalizam os escandalizáveis sejam explorados à exaustão por revistas e colunas de fofocas. Agora, que publicações esportivas ou portais voltados ao público em geral insistam em tais temas no momento em que anuncia sua aposentadoria um dos maiores craques do país, duas vezes campeão mundial (e uma vice) e maior artilheiro da história da Copa do Mundo, é algo que é jornalisticamente inaceitável.

Corrobora não apenas a grave crise do jornalismo esportivo do país, dominado por figuras que se autopromovem à custa de falsas polêmicas e do neomoralismo mais tacanho, mas o quanto o complexo de inferioridade nacional – que se propagou e atingiu seu auge durante o neoliberalismo caboclo de FHC – continua a impregnar as mentes de nossos homens de imprensa, a despeito da evolução do país.

Essa inversão de valores atingiu o paroxismo no portal Ig, em que uma longa matéria elencava não o talento, os gols, as recuperações de fênix de Ronaldo após contusões seriíssimas, mas suas mancadas (ganho de peso, farras), “escândalos” (Cicarelli, travestis), polêmicas (com o ex-presidente Lula, com o “comentarista” Neto, com o inacreditável Datenão),

Tal distorção faz com que as especulações levianas acerca da sexualidade de Ronaldo dominem a cena: - “O que será que assustou a Cicarelli, he, he, he?” – Será que o negócio do “fenômeno” é traveco, ra, ra, ra? ”, perguntam-se, línguas mordazes, os que projetam suas frustrações no controle da vida alheia.

Ora, as preferências sexuais de cada um pertencem ao âmbito privado. O que há por trás da reação estridente ao caso de Ronaldo com o travesti é, sobretudo, a velha e usual homofobia em clave histérica, açulada por uma mídia leviana. O que me escandaliza nesse caso são as reações, e não o que o Fenômeno fez ou deixou de fazer.

De minha parte, no que concerne à aposentadoria de Ronaldo, prefiro ficar com o testemunho informado e elegante de um jornalista esportivo com décadas de estrada e que paira metros acima da lama corrente.


(Imagem retirada daqui)

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