Tanto a mídia
corporativa fez, que conseguiu: a possibilidade de racionamento de
energia elétrica é hoje um tema na ordem do dia nos redutos da
classe média, nas redes sociais, nas conversas ao acaso com pessoas
das mais diversas origens e tendências políticas – ou de nenhuma.
E, embora a
administração federal garanta reiteradamente e com todas as letras
que não há a menor possibilidade de que o racionamento venha a se
efetivar, estamos diante de uma situação na qual fica evidente que
o poder de comunicação do governo Dilma não é páreo para o dos
conglomerados midiáticos, que já há tempos vêm trabalhando de
forma orquestrada, com um discurso previamente combinado.
Na Folha de S. Paulo
que chegou às bancas ontem de
manhã, a inacreditável Eliane Cantanhêde teve o desplante de
transformar uma reunião rotineira, agendada há meses, em reunião
de emergência para discutir medidas ante a escassez de recursos
energéticos – nominalmente, o racionamento. À noite, o Jornal
Nacional mostrou cenas gravadas em dois reservatórios com volumes
bem baixos de água e ouviu – adivinhem – um especialista que
corroborou a ameaça de racionamento. Não dimensionou, no entanto, o
"peso" proporcional dos dois reservatórios em relação ao
total de energia produzida no país, não deu dados precisos sobre a
situação do sistema como um todo, nem identificou as credenciais
ideológicas do indefectível expert – entidade que, no jornalismo
brasileiro, é como prostituta: fala o que o contratante quer ouvir.
É bem provável, porém que, dado o poder imanente às imagens e à
narrativa jornalística, contrapostos ao baixo nível de formação
cultural da maioria da população, tal matéria venha a convencer os
incautos.
Interesses contrariados
É
sabido que Dilma Rousseff cutucou a onça com vara curta ao insistir
na redução do preço final da energia elétrica, uma medida salutar
ao bolso dos cidadãos e como forma de incentivo à economia
produtiva. Aos dissabores provocados por tal insistência,
manifestados por porta-vozes de empresas do sistema elétrico ligadas
ao tucanato e que incluíram ameaças não muito veladas de boicote e
sabotagem, somam-se contrariedades anteriores de setores da elite
nacional advindas da redução expressiva da taxa SELIC e da primazia
que o governo tem concedido aos investimentos diretos em produção
em detrimento da atenção de décadas ao capital financeiro
especulativo. Não se promove tais mudanças impunemente.
Ocorre,
porém, que, prenunciada por suspeitíssimos e frequentes blackouts regionais, a campanha insidiosa e ininterrupta da mídia corporativa
acerca da questão energética e da ameaça de racionamento, mesmo
que a rigor falsa, começa a gerar consequências potencialmente
perigosas ao país – pois pode funcionar como um fator a mais de
precaução por parte dos empresários interessados em investir no Brasil – e à imagem de Dilma Rousseff, a quem procura-se pespegar o
rótulo de incompetente e teimosa por insistir no barateamento da
energia elétrica em um cenário de alegada crise energética - que tal
medida, carimbada de populista pelo conservadorismo, tenderia a
agravar ainda mais.
O
fato de o noticiário alarmista ocupar um espaço e gozar de um
alcance desproporcionalmente maiores, se comparados aos disponíveis
para a resposta governamental, além de evidenciar, uma vez mais, a
gravidade da crise ética da mídia brasileira – que não só se
abstém de cumprir seu papel de reprodutora dos fatos, mas mostra-se
engajada em uma campanha difamatória descolada da realidade -, deixa
claro o absurdo de o governo continuar a sustentar, com verbas
publicitárias, uma tal forma de mau jornalismo, contrário aos
próprios interesses públicos que deveria representar.
Mais
do que claro está, porém, que o goveno Dilma Rousseff não está
disposto a comprar essa briga. A milionária bolsa-mídia continuará
a encher os bolsos da plutocracia midiática, mesmo que esta insista
em promover campanhas difamatórias mentirosas no lugar do que
deveria ser uma atividade jornalística de valores republicanos, que
respeitasse o público que a sustenta através dos impostos que paga.
Dentre os louváveis avanços sociais que as três administrações
federais comandadas pelo PT certamente legarão ao país não se
encontrará, infelizmente, a democratização dos meios de
comunicação.
Por uma nova imprensa
Ainda
assim, e face a mais este grave episódio de desinformação e de
manipulação da percepção do público acerca de tema de suma
importância para a economia, em diversos níveis, e para a
população, em seu dia a dia, não parece despropositado questionar
se, ante a inação do governo na área comunicacional, não seria o
caso de o próprio PT mobilizar-se junto ao empresariado que hoje
apoia o partido e convencê-lo da necessidade da criação de um
órgão de imprensa de alcance nacional, com uma redação pequena
mas com profissionais gabaritados e blogueiros de talento, que oferecesse nem mais, nem menos
do que um jornalismo profissional, interessado em apurar os fatos e
difundi-los, em entrevistar os dois ou demais lados de cada questão
e reproduzir-lhes as vozes, em opinar de forma ponderada e racional,
liberta de compromissos partidários evidentes.
Um Última Hora, de Samuel Wainer, sem a participação direta do governo, que se mantivesse com a venda avulsa, as assinaturas, os patrocínios estatais que angariasse, sua parte nas verbas publicitárias que o governo rateia. Ainda que um eventual prejízo fosse inevitável, um rateio de quando em quando para minimizá-lo seria um preço aceitável a se pagar pela manutenção de um jornal diário digno do nome.
Trata-se
de uma demanda urgente, que certamente teria acolhida entre um número
enorme de potenciais leitores que simplesmente perderam a fé na
mídia que o Brasil tem hoje e anseiam por um jornal que possa ser
apreciado sem que o leitor sinta-se constantemente espancado no
fígado, tratado como um idiota e insultado como cidadão.
(Imagem retirada daqui)
7 comentários:
Temos a Voz do Brasil e o Blog do Planalto como canais de comunicação do governo.
Temos a voz do Brasil e o blog do planalto? Legal, talvez dê para competir com as 5 maiores emissoras de Radio e TV, com revistas mais vendidas, os maiores jornais.. e os maiores portais de internet.
Não sei não...
Infelizmente vejo uma participação do próprio governo, num toma lá dá dá com o cartel barrageiro. Belo Monte? Pode fazer... Tocantins? Leva... Baixa 10 % na tarifa e estamos conversados. Afinal, considerando o que as mineradoras consomem de energia e ganham com a produção do que é tirado do chão e que devia ser nosso, é preciso um argumento que justifique destruir patrimônio pra gerar energia.
Sugestão de leitura:
http://www.apublica.org/2012/12/arquitetura-da-destruicao/
Muito bom o texto sugerido, obrigado.
Mas, veja bem, eu não estou defendendo destruição de patrimônio e nem a política energética dos governos petistas - isto seria um ótimo tema para outro post, que eu precisaria recolher mais dados para poder escrever.
A questão, aqui, é outra, e diz respeito à política de comunicação do governo, que é cronicamente falha e permite que o país e o cidadão sejam aturdidos por boatos produzidos pela mídia corporativa em relação a uma questão prioritária como o abastecimento de energia elétrica.
Desculpe se meu comentário pareceu uma crítica ao texto (ou sua posição), o que não era absolutamente. Apenas cogitei um pouco à frente, imaginando que talvez no fundo seja bom a determinados interesses a divulgação de que existe um déficit de geração de energia - quando o problema maior é com a transmissão, que por sinal pagamos a parte.
A questão energética é complexa, e a atual abordagem de "ocupação" de áreas de floresta para construção de usinas lembra muuuuito a posição dos militares (não necessariamente sempre errada), até no modo de impor as obras usando argumentos desenvolvimentistas.
Uma usina de redução de bauxita consome o mesmo que uma pequena cidade, e se engana quem acha que a interferência no rio Xingu tem a mais mínima finalidade de permitir que não falte luz na sua casa.
Sim, vale um outro post.
Abraços
Arnaldo
Sem problema, Arnaldo,
Mesmo se fosse uma crítica, o texto está aí para isso: ser comentado, criticado, contrariado.
Um abraço,
Maurício.
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