A insistência de
Fernando Henrique Cardoso para que Aécio Neves se lance, desde já,
como o candidato tucano à Presidência, nas eleições de 2014,
suscitou inicialmente suspeitas as mais diversas. Em um partido com
um histórico de ataques internos que incluem dossiês e notas
plantadas nos jornais, marcado pela rivalidade entre caciques
paulistas e mineiros e acostumado a definir seus candidatos em
restaurantes da moda, com a cúpula reunida em torno de um vinho
caro, o gesto de FHC tanto poderia significar um endosso efetivo
quanto uma manobra dissimulatória.
Pouco a pouco, porém,
começou a ficar claro que a dobradinha FHC-Aécio é para valer:
ante a fadiga de material evidente do eterno derrotado José Serra e
a imobilização forçada imposta pelo PT a Geraldo Alckimin – que,
se decidir disputar a Presidência, franqueia também o estado de São
Paulo à hegemonia petista -, FHC viu a chance de reapossar-se do
poder no interior do partido, associando-se a um político que,
embora dê mostras seguidas de imaturidade, é relativamente jovem,
de um estado importante, herdeiro da mística de Tancredo Neves, e,
mais importante, disposto a tirar FHC e seu legado do limbo em que
foram mantidos pelos próprios candidatos peessedebistas nas últimas
eleições presidenciais.
Reforça a impressão
de que a candidatura Aécio pode ser mesmo para valer a articulação,
nos últimos dias, de economistas historicamente ligados ao PSDB –
ou seja, a serviço de grandes bancos e do capital especulativo
internacional – para que elaborassem um discurso econômico
estratégico para o candidato tucano.
Como seria de se
esperar, não há nada de novo ou de surpreendente na plataforma
elaborada por tais economistas, cujos nomes, de triste memória,
pertencem ao tempo em que, segundo os jornais, não havia mais
inflação e a economia ia bem, embora, detalhe desimportante
ignorado pela imprensa, o país fosse muito mal: na vida real, a
pobreza ostentava índices alarmantes. o desemprego era da ordem de
20%, e o Brasil, à beira da falência a cada ano e meio, recorria de
pires à mão ao FMI, endividando-se cada vez mais e perdendo
paulatinamente a soberania para tomar decisões na área econômica.
O tempo passou, a
situação econômica do Brasil – e, mais importante, do povo
brasileiro -, embora não deixe de apresentar desafios de monta,
encontra-se em outro patamar, se comparada à do outono neoliberal de
FHC, com o maior programa de combate à pobreza do mundo
reestruturando o edifício social brasileiro, com a perspectiva
real de extinção da miséria bem antes do prazo estipulado, com
pleno emprego, promoção de acesso de amplos segmentos ao crédito e
ao consumo, recuperação da capacidade de investimento do Estado,
redução substancial dos juros reais e o atual redesenho das bases
econômicas do país, de modo a privilegiar o investimento direto em
detrimento da especulação financeira das últimas décadas.
Mas as ideias
defendidas pelos economistas convocados pelo tucanato ignoram não só
todas as conquistas acima elencadas, mas os graves danos à economia
e à sociedade que o neoliberalismo vem causando, atualmente, em
diversos países da Europa. A impressão que temos, ao lê-las, é
que o receituário neoliberal é o dernier cri
do planejamento econômico, uma panaceia recente e bem-sucedida
burramente ignorada pelos toscos governos petistas. Naturalmente, não
há menção a povo ou ao que exale atenção ao social na bula
econômica tucana para as eleições do ano que vem.
Ainda
assim – e por paradoxal que pareça -, é um avanço que o PSDB
arrisque defender uma plataforma econômica marcada por tamanho
atraso. Pois, não obstante inepta, anacrônica e elitista,
representa um primeiro esboço concreto de proposta programática,
uma novidade em se tratando de um partido que se caracterizou, nas
três últimas eleições presidenciais, por lançar candidatos mas
não lançar projetos, valendo-se unicamente do apoio que a mídia
corporativa lhe dá, ocultando suas mazelas e supervalorizando as das
forças políticas que se lhe opõem, e do uso de táticas políticas
extremamente agressivas, preocupadas em difamar e em gerar
insegurança e terror – como a manipulação da questão religiosa
por José Serra, em 2010, exemplifica de forma cabal.
A
realidade não permite ilusão quanto ao grau de manipulação
midiática que veremos nas próxímas eleições, e a ausência de
José Serra nas cédulas de votação não significa,
necessariamente, que os métodos serristas estarão ausentes da
disputa. Mas quanto mais projetos e ideias a oposição lançar, e
mesmo se tais projetos e ideias estiverem em desacordo com os avanços
sociais ou se mostrem atrasados e retrógrados, voltados às elites,
mais democrático será o debate político, mais possibilidades terá
o petismo de contrapor propostas e, assim, melhor será para o país.
Daí
conclui-se que, por incrível que pareça, o retorno de FHC ao palco
político nacional pode vir a ser benéfico até mesmo para o PT –
e para além da ironia implícita em tal afirmação.
(Desenho retirado daqui)
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