Camille Paglia está de volta. Após anos de relativa calmaria, a
polemista desbocada que fez furor ao longo dos anos 90 com seus
ataques ao establishment acadêmico,
suas críticas ao caráter repressivo e vitimizante do feminismo
norte-americano e sua ojeriza ao pós-estruturalismo francês de
Foucault & cia, lança o livro Glittering Images:
A Journey Through Art from Egypt to Star Wars,
no qual dá sequência à sua revisão do cânone artístico,
buscando ampliá-lo para além dos limites eurocêntricos e, como o
título indica, incorporando artefatos gerados no âmbito da cultura
pop.
A
primeira polêmica derivada do livro foi ocasionada pela publicação,
como artigo, de um trecho de sua introdução pelo jornal italiano La
Republica.
No texto, que já está disponível
em português, Paglia põe a mão na ferida ao elencar como uma das
razões da atual marginalização das artes o isolamento dos artistas
entre pares, fazendo com que percam o contato com as pessoas comuns,
das quais desprezam e zombam os gostos e os valores.
"Uma
ortodoxia monolítica abandonou os artistas em um gueto de opiniões
óbvias e os cortou fora das ideias novas. Nada é mais banal do que
o dogma progressista, segundo o qual um valor chocante
automaticamente confere importância a uma obra de arte. A última
vez que isso foi verdade foi, talvez, no fim dos anos 1970, com as
fotografias homoeróticas e sadomasoquistas de Robert Mapplethorpe
[…] Quem subordina a arte à agenda política contemporânea é tão
culpado por literalismo rígido e por propaganda quanto um pregador
vitoriano ou um burocrata stalinista qualquer", provoca ela.
Mas
suas críticas não se dirigem apenas ao universo liberal dos
artistas. Para ela, que se diz discípula e foi orientanda de Harold
Bloom, os conservadores, "Apesar dos seus toques de trombeta por
um retorno da educação ao cânone ocidental, se comportaram como
filisteus provincianos com relação às artes visuais".
Traçando um paralelo entre a iconoclastia e a frugalidade
artística do protestantismo e a exuberância artística e imagética
do catolicismo, ela lamenta, por um lado, que "os conservadores
cristãos nunca permitiriam exibir nas escolas públicas os heroicos
nus da arte ocidental. O puritanismo norte-americano hesita na
suspeita conservadora de que há uma feitiçaria na beleza."
Por
outro lado – e aqui está o centro da polêmica -, Paglia, em um
momento de forte e disseminado sentimento antirreligioso no Ocidente
- notadamente entre a jovem esquerda e os liberais -, não só
reconhece que "uma quantidade enorme da melhor arte ocidental
foi intensamente religiosa", como tem a coragem de sustentar que
"Embora em seu nome se tenham cometido males, a religião tem
sido uma força enorme de civilização na história do mundo. Zombar
da religião é algo pueril, sintomático de uma imaginação
atrofiada. Porém, essa posição cínica tornou-se de rigor no mundo
artístico, um motivo a mais para a banal superficialidade de grande
parte da arte contemporânea à qual não restou nenhuma grande
ideia."
Um
erro grave da publicação do trecho da introdução do livro em
forma de artigo é, na minha opinião, não permitir a
contextualização de tal posicionamento de Paglia em relação à
postura incisiva que há décadas mantém como militante pró-sexo e
pró-pornografia, contrária, como reiteradamente afirma, a qualquer
intervenção do Estado e da religião institucional na vida sexual
dos cidadãos. Ela, nos trechos em questão, está claramente falando
a partir da perspectiva da historiadora e da cultora da arte, e como
testemunha desesperada da dêblacle desta ante o que vê como
conspurcação por ideais políticos que pouco ou nada têm a ver com
excelência artística. Ao menos uma nota explicativa deveria ter
sido publicada.
Ainda
assim, é prazeroso saber que Paglia, depois de tanto tempo, mantém
a coragem de ir contra a corrente e dizer coisas que muitos não
querem ouvir, sobretudo por saberem-nas verdadeiras.
(Imagem retirada daqui)
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