O
mais trágico de calamidades como o incêndio que matou 232 pessoas,
em ampla maioria jovens, em Santa Maria (RS), é a certeza de que
poderiam ser evitadas.
Para
isso, bastaria que as leis fossem eficazes, que as autoridades
fizessem cumprir as leis e que a sociedade cumprisse a sua parte.
Funcionamento
suspeito
As
investigações acerca do incêndio hão de revelar as condições
exatas que propiciaram a tragédia. Mas não é preciso mais do que
bom senso para se dar conta de que uma boate com apenas uma saída
estreita - a um ponto tal que os bombeiros tiveram de perfurar um
buraco na parede para resgatar os corpos - simplesmente não poderia
receber um público da ordem de centenas sem que oferecesse uma rota
de fuga alternativa, com barras antipânico.
Sabe-se
que o alvará de funcionamento da casa de shows estava vencido, mas
que seu funcionamento estava assegurando por uma liminar assinada por
um juiz. As informações são de que isso seria, pasmem, um
procedimento corriqueiro: a autoridade judiciária autoriza o
funcionamento ante um plano de segurança que, quando efetivamente
implantado, permitirá ao estabelecimento requerer novo alvará.
Modelo
anti-incêndio
Mas
mais do que apontar os responsáveis, parece urgente que sejam
tomadas medidas de forma a evitar que tragédias como essa se
repitam. O Brasil, há tempos, tem primado por copiar e transplantar
para cá, acriticamente, políticas sociais geradas no ambiente
específico dos Estados Unidos, como exemplificam a visão
estritamente policialesca no combate às drogas, a defesa da
Intolerância Zero na segurança pública, a expansão de um sistema
prisional privatizado, a Lei Seca, entre tantos outros exemplos.
Tenho
frequentemente a sensação de que copiamos muito do que seja ruim ou
questionável e negligenciamos aquilo que nos aperfeiçoaria. Por
exemplo, tornaríamos nossos estabelecimentos bem mais protegidos
contra tragédias como essa se adotássemos o modo como lá os
imóveis, comerciais ou domiciliares, de todos os tamanhos, são
obrigados a oferecer saídas claramente sinalizadas, extintores em
dia e à mão, detectores de fumaças e, em alguns casos, portas
corta-fogo e antipânico, tudo isso garantido por inspeções
periódicas e por eventuais multas em caso de negligência.
Cabe
ressalvar que considero o vigilantismo social detestável quando
voltado a aspectos morais das condutas – e isso se aplica, em
alguma medida, à Lei Seca, cuja implementação no Brasil, a meu
ver, carece de discussões aprofundadas em relação aos direitos e
deveres dos cidadãos. As proteções anti-incêndios acima citadas
são, porém, de outra ordem, não intrusivas na esfera
comportamental, não suscetíveis à manipulação moralista: medidas
técnicas e eficientes que, sem afetar absolutamente as liberdades
individuais, se efetivamente implementadas dariam uma contribuição
decisiva à prevenção e à minimização de danos causados por
incêndios – os quais, como o caso de Santa Maria demonstra de
forma eloquente, tanta dor pode causar às suas vítimas diretas e
indiretas.
Momento
é de solidariedade
Sendo
o incêndio em Santa Maria uma tragédia em proporções mundiais,
fez muito bem a presidente Dilma Rousseff em cancelar sua
participação no encontro de cúpula conjunta do Mercosul e do
Mercado Comum Europeu e voar imediatamente de Santiago, no Chile,
para o interior gaúcho. Tragédias desse montante demandam a
presença do mandatário máximo, se não pelo maior e mais
velozmente eficaz poder de fazer cumprir decisões urgentes que
demandam mobilização nacional, mas pelo simbolismo em termos de
solidariedade e apoio ao povo de Santa Maria, notadamente aos
familiares e amigos das vítimas da tragédia. Ademais, ao se
encontrar com estes no ginásio da cidade, Dilma, que já havia se
emocionado a ponto de interromper sua fala em Santiago, mostrou-se
profunda e sinceramente abalada.
Que
a oposição e seus aliados na mídia corporativa critiquem a
presidente pelo que entendem por medidas eleitoreiras, como vêm
fazendo, pode até, no limite, fazer parte do jogo político, mas
caracteriza-se, antes e acima de tudo, como uma atitude mesquinha que
tende a ser compreendida como insensível, inoportuna e deslocada do
sentimento de solidariedade e luto ora dominante. Mais bonito faria a
oposição se declarasse por ora suspendido os enfrentamentos
políticos e, em uníssono, se unisse com os demais poderes e com o
povo brasileiro em solidariedade às vítimas da tragédia. Mas isso
seria esperar demais da mais medíocre oposição da história da
política brasileira.
Respeito
à dor
Porém, talvez ainda pior do que a atitude dos políticos oposicionistas e seus porta-vozes midiáticos seja a reação de alguns grupos religiosos nas redes sociais, que se aproveitam desse momento de perda para espalhar seus discursos moralistas toscos, eivados de culpas, as quais querem impingir às vítimas, agravando a dor de seus entes queridos. Tal atitude é o exato contrário do que se espera de quem se diz seguidor do cristianismo, cujo legado principal é o amor ao próximo, a caridade e a fé na redenção.
Porém, talvez ainda pior do que a atitude dos políticos oposicionistas e seus porta-vozes midiáticos seja a reação de alguns grupos religiosos nas redes sociais, que se aproveitam desse momento de perda para espalhar seus discursos moralistas toscos, eivados de culpas, as quais querem impingir às vítimas, agravando a dor de seus entes queridos. Tal atitude é o exato contrário do que se espera de quem se diz seguidor do cristianismo, cujo legado principal é o amor ao próximo, a caridade e a fé na redenção.
Neste
momento tão difícil, em que tantas famílias sofrem a perda de
pessoas queridas, que pais terão de vivenciar o drama inatural de
enterrar seus filhos, que toda uma cidade, todo um estado, se
mobiliza para atenuar as dores das vítimas, não é momento de
moralismo barato ou de revanchismo, mas de altear pensamentos e
coração no desejo de que os afetados pela tragédia tenham força
para vivenciar e superar este momento, sublimarem-se para além da
dor e reconstruírem suas vidas.
E para que, um dia, Santa Maria volte
a ser uma cidade
encantada.
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