Vladimir Safatle tem se
revelado um dos mais perspicazes e profícuos pensadores das questões
contemporâneas, com uma produção que combina reflexões de corte
jornalístico – onde o texto analítico deve ser, a um tempo, mais
concentrado e fluente – e incursões de maior fôlego, mormente
acadêmicas.
Além do alto nível
reflexivo que, seja qual for a modalidade de expressão, se depreende
de seu trabalho, o articulista e professor do departamento de
Filosofia da USP se destaca por recusar o comodismo – tão
encontradiço em seus pares – e militar contra o senso comum e a
favor de uma nova esquerda, o que faz dele exemplo de intelectual não
dogmático, sintonizado com o seu tempo.
Reproduzo abaixo o contundente texto que Safatle produziu acerca da greve das universidades
federais e da situação da Educação no Brasil, cujo título,
convém lembrar, remete a uma pequena obra-prima do cinema – e uma
ode à liberdade e à rebeldia juvenil -, dirigida em 1933 por Jean
Vigo – cineasta que foi descoberto para o mundo por outro notável
intelectual e militante da esquerda brasileira, Paulo Emílio Salles
Gomes.
Zero de Conduta
Vladimir Safatle
Há mais de dois meses, os professores das
universidades federais estão em greve. Após duas propostas
consideradas insuficientes pela maioria do corpo docente, o governo
parece disposto a endurecer as negociações. No entanto há de
estranhar a maneira com que uma questão dessa natureza está sendo
tratada.
Ao ganhar as eleições,
o governo atual afirmou ser a educação sua prioridade. Mas, por
mais que possa parecer uma tautologia, colocar a educação como
prioridade significa, entre outros, assumir as demandas que vêm de
seus profissionais como prioritárias. O que os professores querem é
um salário digno e uma infraestrutura adequada para desenvolver
atividades de docência, orientação e pesquisa.
Enquanto algumas pessoas que nada sabem da vida
universitária usam espaços na imprensa para afirmar que os
professores são a “elite do funcionalismo” e que, por isso, não
deveriam reclamar, policiais rodoviários continuam ganhando mais do
que docentes.
Os desafios brasileiros passam pelo fortalecimento
da universidade pública, com sua capacidade de formação e
pesquisa. A experiência de liberalização do ensino universitário
por meio da proliferação de universidades privadas foi um
retumbante fracasso.
Tudo o que se conseguiu foi produzir levas de
profissionais semiformados, assim como instituições nas quais os
professores acabam por ser repetidores, por estar afogados em cargas
horárias que não permitem o desenvolvimento de pesquisas.
Vez por outra, quando o processo de financiamento
das universidades públicas volta à tona, temos de ouvir duas
opiniões no limite do caricato. A primeira consiste no argumento
etapista tosco que afirma: primeiro, devemos investir na escola
básica, depois, nas universidades. Claro.
E, enquanto o investimento da educação básica
não chega a um nível adequado, deixemos as universidades serem
sucateadas e destruídas. Tais pessoas têm um raciocínio binário
incapaz de entender que o investimento em educação deve ser
extensivo, caso não queiramos perder completamente o bonde do
desenvolvimento social.
A segunda afirma que os professores universitários
devem deixar de ser subvencionados pelo Estado e procurar
financiamento para pesquisas na iniciativa privada.
Só um exemplo: se um pesquisador em psicologia
procurar desenvolver uma pesquisa mostrando a ineficácia de
antidepressivos, a quem ele deve pedir financiamento? À indústria
farmacêutica?
Ou seja, ou o governo assume o custo de eleger a
educação como prioridade ou é melhor não utilizar tal discurso em
época de eleição.
(Publicado na Folha de S. Paulo, em 31/07/2012, Imagem copiada daqui)
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