À medida que vêm à
tona análises mais detalhadas da proposta do governo Dilma aos
professores em greve, fica cada vez mais evidente que se trata não
apenas de uma resposta insatisfatória em termos salariais e de
estruturação da carreira. Depreendem-se do caso aspectos
preocupantes quanto às estratégias comunicacionais adotadas pelo
governo no episódio, no modo como ele concebe e se relaciona com o
professor universitário no Brasil e, sobretudo, no que toca à
posição da Educação ante a área econômica do governo, tendo em
vista seu planejamento e perspectivas futuras.
Ilusionismo financeiro
Quanto aos aspectos
propriamente salariais, claro está que a proposta do governo é de
tal ordem sujeita a variações de dados macroeconômicos futuros e à
definição exata de datas de reajuste – deixadas em aberto - que
não se pode falar categoricamente em aumento. Pois, a depender da
inflação de 2012, 2013 e 2014 e de como o governo dividirá
percentualmente entre tais anos os reajustes salariais, estes podem
ser anulados ou mesmo superados pelo aumento do custo de vida.
Aumentos trienais sem
garantia de percentual acima da inflação não significam a
priori aumento real, mas uma aposta.
Plano de carreira
A atual greve dos
professores prioriza duas reivindicações: plano de carreira e
melhoria salarial. Se esta, como vimos, depende de uma aposta, o
plano de carreira delineado pelo MEC - que, embora protocolado em
abril de 2011, recende a improvisação - apresenta, infelizmente,
aspectos que não apenas pioram as condições atuais como evidenciam, de
forma indubitável, a priorização das demandas da área econômica
do governo em detrimento do planejamento sério e consequente do que
deva ser a evolução profissional de um professor universitário.
Em meio a brechas e
indefinições potencialmente danosas, o mais contraditório desses
aspectos é a determinação de que mesmo mestres e doutores devem
ingressar no magistério superior como Professor Auxiliar, e que só
podem evoluir após os três anos de estágio probatório. Ora, isso,
além de não fazer o menor sentido, é uma afronta à própria
expectativa de direito anteriormente assegurada àqueles que ora
cursam mestrado ou doutorado, para os quais ingressaram, em sua
imensa maioria, justamente para ascender à (ou ingressar na) classe
referente à sua titulação.
Papo reto
Se o governo realmente
estivesse bem-intencionado e prezasse os professores das federais,
não apresentaria uma aposta, mas uma proposta concreta de aumento
salarial, superior à inflação projetada para este ano, e efetiva a
partir de março de 2013 (pois um ano após o aumento de 2011).
Simples assim.
Tivesse tomado essa
medida trivial e apresentado um plano de carreira decente –
obrigações básicas de qualquer governo, ainda mais de um que diz
privilegiar a educação –, a greve já teria há tempos se
encerrado.
Ao invés disso, após
mais de um mês de paralisação, rompe o silêncio e monta uma
verdadeira operação de marketing para
divulgar sua proposta – incluindo um texto em que dá destaque aos
aumentos maiores, relativos à ínfima minoria dos professores
titulares,e tabelas comparativas sui generis,
que, numa manipulação injustificada e claramente mal-intencionada,
contrapõem os salários de 2010 aos que os professores poderão vir
a receber em 2015. Convém lembrar que estamos em 2012.
Marketing
e mídia
Com
estratagemas tais, e contando com a colaboração preciosa da mídia
– que tantos alegam ser implacavelmente contrária à administração
Dilma -, o governo tem sido parcialmente bem-sucedido em sua
estratégia de jogar o público contra a greve. Basta ler os jornais
e portais – e, neles, os comentários – para se ter a impressão
de que os professores universitários estariam prestes a virar os
novos marajás: “45% de aumento!”, “R$17 mil reais”, “Maior
aumento da história”.
(Como se vê, a cobertura que a mídia destina à greve fornece mais um exemplo claro de que a oposição simplista entre PIG (Partido da Mídia Golpista) e governo Dilma não é efetiva, como querem alguns. E que havendo afinidade de interesses entre mídia corporativa e governo, a imprensa não se furta a se posicionar ao lado deste. Deixa de ser o malvado PIG e vira jornalismo amigo.)
(Como se vê, a cobertura que a mídia destina à greve fornece mais um exemplo claro de que a oposição simplista entre PIG (Partido da Mídia Golpista) e governo Dilma não é efetiva, como querem alguns. E que havendo afinidade de interesses entre mídia corporativa e governo, a imprensa não se furta a se posicionar ao lado deste. Deixa de ser o malvado PIG e vira jornalismo amigo.)
Porém,
a realidade fria dos números é bem outra. Para se aprofundar sobre
os meandros da cobertura midiática, vale a pena ler os textos de
Joana Tavares (no Vi
o Mundo) e os de Sylvia
Debassan Moretzsohn, “A lamentável cobertura da greve nas
federais” (no post
abaixo) e “O jornalismo cego às armadilhas do discurso oficial”
(no Observatório
da Imprensa).
Equívocos e autoritarismo
Ao apresentar aos
professores universitários uma proposta que mal disfarça o seu
caráter de peça de ilusionismo monetário, o governo Dilma denota
possuir uma visão estreita e subvalorizada do que seja o docente de nível superior, esse ente público que fatalmente tem e terá uma
função essencial na formação das novas gerações de brasileiros
e no redesenho futuro do país.
A impressão que fica é que o governo os toma por tolos, incapazes de fazerem contas
financeiras ou de desvelarem truques de marketing de massas. Isso
evidencia a existência de um erro de postura da administração
Dilma, certamente menos decisivo e efetivo, na prática, do que as
propostas que apresenta podem ser, mas denotador, por um lado, de
uma incompreensão profunda do que seja o professor universitário
enquanto categoria profissional do Estado e, por outro, uma vez mais,
da tendência a evitar o diálogo e a negociação ou a exercê-los
em bases mínimas e restritas - a um passo do autoritarismo, como a
autorização para o corte de ponto dos grevistas evidencia.
Contradições óbvias
É altamente
significante da posição subalterna e desprestigiada que tanto o
servidor público federal como a educação como um todo ocupam
atualmente no país o fato de que o Ministério do Planejamento foi
quem efetivamente comandou e deu a palavra final aos termos da
inaceitável proposta apresentada aos professores. Mercadante, se
digladiando entre sua passividade conservadora e sua ânsia por
holofotes características, limitou-se, se tanto, a barganhar,
enquanto o ministro do Trabalho sequer foi chamado à mesa de
negociações.
Mais: o mesmo governo
que faz de tudo para irrigar a economia através da ampliação do
crédito – portanto, de capital advindo de endividamento junto ao
sistema financeiro, que acaba por se traduzir em lucro para os bancos
– parece não querer irrigá-la com salário – capital originário
das relações sociais do trabalho, que teoricamente beneficiaria o
assalariado (e, ainda mais, quem o emprega), mas que, na visão
economicista predominante, eivada de premissas (neo)liberais, prejudicaria o governo por aumentar seus
gastos.
Tire suas conclusões
Assim, no final das
contas, apesar das inegáveis conquistas sociais representadas pela
redução da pobreza no país, mesmo o investimento em áreas
fundamentais como saúde e educação mantém-se submetido às diretrizes ditadas pelo setor financeiro, que tem na área econômica do governo o seu representante no Estado. Os bancos que atuam no Brasil são, atualmente, os que
mais lucram no mundo. Já a educação oferecida no país ocupa
posições vergonhosas em comparação com o contexto internacional.
Diga o leitor qual é a prioridade do governo.
(Imagem copiada daqui)
Nenhum comentário:
Postar um comentário