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domingo, 15 de julho de 2012

Os bárbaros de mira torta


A comemoração dos 80 anos de Janio de Freitas acabou por gerar subsídios para uma reflexão mais profunda acerca do futuro do jornalismo e de suas relações com o público e com a internet, seja pela reação emocionada do homenageado, seja pelas reações agressivamente desqualificadoras de comentaristas virtuais.

Com uma trajetória que se confunde com a modernização da imprensa brasileira, “tido e havido como o maior mito vivo do jornalismo”, como o caracteriza Claudio Julio Tognolli, Janio de Freitas pertenceu, com destaque, a três redações míticas: na do Diário Carioca comandado por Pompeu de Sousa, a qual Matias M. Molina descreve como alegre e franca, foi diagramador e repórter; em meados dos anos 50, como redator-chefe, acompanharia de perto e protagonizaria a modernização da revista Manchete; e, em seu momento profissional mais celebrado, comandaria a reforma gráfica e editorial que transformaria o seboso Jornal do Brasil no arejado e inteligente JB dos anos 60 e 70 – lido e cultuado por gregos e troianos e, na opinião de muitos, o melhor diário já disponível por estas plagas.


Um modernizador
Nas últimas três décadas, o carioca Janio manteve, na Folha de S. Paulo, uma coluna política que inicialmente se destacou por antecipar, de forma espetacular, a corrupção em concorrências públicas, feito que lhe valeu os principais prêmios jornalísticos do país. Caracterizado pela independência e pelo destemor com que emite opiniões, não raro na contramão das tendências dominantes - seja a respeito do partido a ou b ou mesmo contra o comportamento da imprensa, inclusive do veículo no qual trabalha -, seu espaço no jornal acabou por constituir uma espécie de oásis de sensatez e senso crítico em meio ao rancor antipetista que os Frias impuseram à linha editorial na última década.

Pois bem, em matéria sobre seus 80 anos, esse profissional, que tem opiniões com as quais se pode concordar ou não, mas cujas contribuições para elevar o nível da análise política e para estimular um desenvolvimento mais aguçado do senso crítico não podem ser negligenciadas, foi equiparado por comentaristas a “viúvas chorosas da ditadura”, classificado como pertencente à “direita conservadora” e chamado de “fariseu”, “mentiroso”, “vendido” e, é claro, a serviço do "PIG".


Mídia em seu pior momento
Há, de fato, razões de sobra para o descrédito e mesmo para o rancor que a ação da imprensa (e da mídia corporativa, de forma geral), no Brasil, provoca. Se, em termos mundiais, a crise financeira e de credibilidade vivenciadas pela imprensa na última década vêm afetando, com raras diferenças de monta, a quase totalidade dos países democráticos, em parte por conta da competição com a internet – como aponta o próprio Jânio na matéria citada -, em nosso país a situação se agrava consideravelmente devido à atuação marcadamente partidária, aos preconceitos de classe e aos interesses econômicos e políticos que opõem a plutocracia midiática ao governo federal petista.

Exemplos a ilustrar tal distorção, altamente prejudicial ao exercício do jornalismo, não faltam: a revista Veja, que já era um caso caricatural de antipetismo, com seus “blogueiros” que latem e suas dezenas de capas com denúncias mirabolantes, foi flagrada sendo pautada por ninguém menos que Carlos Cachoeira; a Folha de S. Paulo considera que tivemos uma ditabranda no país, publicou ficha policial falsa da candidata Dilma Rousseff na capa de uma edição dominical e deu espaço para um lunático em crise de abstinência acusar o presidante da República de estupro; e a Rede Globo a cada eleição participa de uma grande armação, da edição do debate Lula x Collor aos sequestradores de Abílio Diniz com camiseta do PT; do caso Proconsult à bolinha de papel na careca do Serra.


Constatações desagradáveis
Ainda assim, e na iminência de se completar uma década de intensa crítica de mídia via blogosfera - e, mais recentemente, redes sociais -, é forçoso reconhecer que a imprensa brasileira não se desacreditou de todo, já que não deixou de exercer, com algum grau de efetividade, o seu papel de fonte de informação para dezenas de milhares de pessoas e que mesmo alguns dos principais blogs não corporativos – como, por exemplo, o de Luis Nassif ou o Conversa Afiada de Paulo Henrique Amorim –, não obstante sua visão crítica à mídia, continuam a ter a imprensa convencional como principal fonte, transformando diariamente em posts e submetendo aos comentários matérias dos principais jornais. O blogueiro progressista Eduardo Guimarães, em post recente, chegou a identificar episódios em que colunistas consagrados claramente desguiaram-se da linha editorial do jornal.

Tais fatos demonstram, entre outras coisas desagradáveis, que, no momento, não passa de miragem a premissa de que os blogs estariam substituindo a imprensa – e não só devido à constatação de que a produção de material jornalístico original – como reportagens ou entrevistas – é ainda por demais incipiente na blogosfera, mas - o que é muito mais grave - que, em uma medida não desprezível, a imprensa ainda pauta parte considerável da blogosfera, incluindo alguns dos blogs de maior audiência.


Nem sempre  tudo é PIG
É preciso, portanto, para o bem da análise, interrogar de forma mais complexa e sistemática a relação entre política e jornalismo – vale dizer, entre fato político e interpretação ideológica via editoração – no país. Isso inclui, necessariamente, a adoção de uma visão mais matizada e criteriosa sobre a ação da mídia corporativa, que permita colocar em perspectiva e explicitar não apenas seu tendenciosismo e sua ação manipuladora - como a de um partido político disfarçado, como frequentemente é o caso no Brasil -, mas suas contradições e estratégias de compensação que, apesar de tudo, continuam a assegurar-lhe penetrabilidade e algum grau de confiabilidade - ainda que em menor escala, se comparado ao de um passado já não tão recente.

A recorrência com que o termo PIG é assacado pode ser compreendida a partir de sua pregnância e da crítica mordaz que de imediato faz, sobretudo no ambiente veloz e informalmente dialógico das redes sociais, mas sua transformação em um diagnóstico definitivo, imutável e sempre válido sobre a imprensa e a mídia pode eventualmente ser, como mostram os fatores acima aludidos, não apenas questionáveis, mas improcedentes.



Jogo de interesses
Assim, sua consumada transformação em uma arma multiuso, bradada contra toda e qualquer acusação feita contra o governo petista, pode revelar-se nem sempre justificada e eventualmente perigosa, pois tende a negligenciar a autocrítica em favor da instauração de um processo vicioso de atribuição de culpa ao mensageiro. Há algo de profundamente totalitário nessa atitude.

Tal processo – e as distorções decorrentes - é facilmente observável nas ultimamente não tão raras questões em que os interesses do governo e da plutocracia midiática são coincidentes, como, por exemplo, na alteração, para menos, da aposentadoria dos servidores públicos ou na privatização dos aeroportos. Nesses casos, não só os ataques da imprensa se transformam em elogios, mas estes são reproduzidos nos blogs e nas redes sociais, gerando, por vezes, situações curiosas, como, por exemplo, um perfil que vive xingando o PIG retuitar um editorial elogioso d'O Globo.

Ante essa lógica malandra, que reduz a imprensa a PIG quando é contra o partido do sujeito, mas a prestigia quando ela é elogiosa, dá vontade de perguntar: afinal, é PIG ou não é?


Discursos totalitários
Não obstante a gravidade da questão midiática no Brasil – tantas vezes abordada neste blog -, o uso genérico e descriterioso do termo PIG traduz uma sobreposição, na arena virtual, de determinados interesses político-partidários ao resultado de análises ponderadas, caso a caso, mais rigorosas e embasadas, resultando, por sua repetição ad nauseum, numa grave distorção.

Tão grave quanto negar ao octogenário Janio de Freitas o reconhecimento pelo grande jornalista que ele é e foi.



(Fotografia de Jorge Araújo/Folhapress, retirada daqui)

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