A comemoração dos 80
anos de Janio de Freitas acabou por gerar subsídios para uma
reflexão mais profunda acerca do futuro do jornalismo e de suas
relações com o público e com a internet, seja pela reação emocionada do homenageado, seja pelas reações
agressivamente desqualificadoras de comentaristas virtuais.
Com uma trajetória que
se confunde com a modernização da imprensa brasileira, “tido e
havido como o maior mito vivo do jornalismo”, como o caracteriza
Claudio Julio Tognolli, Janio de Freitas pertenceu, com destaque, a
três redações míticas: na do Diário Carioca comandado
por Pompeu de Sousa,
a qual Matias M. Molina descreve como alegre e franca, foi diagramador e repórter;
em meados dos anos 50, como redator-chefe, acompanharia
de perto e protagonizaria a modernização da revista
Manchete; e, em seu momento
profissional mais celebrado, comandaria a reforma gráfica e
editorial que transformaria o seboso Jornal do Brasil no
arejado e inteligente JB dos
anos 60 e 70 – lido e cultuado por gregos e troianos e, na opinião
de muitos, o melhor diário já disponível por estas plagas.
Um modernizador
Nas
últimas três décadas, o carioca Janio manteve, na Folha
de S. Paulo, uma coluna política
que inicialmente se destacou por antecipar, de forma espetacular, a
corrupção em concorrências públicas, feito que lhe valeu os
principais prêmios jornalísticos do país. Caracterizado pela
independência e pelo destemor com que emite opiniões, não raro na
contramão das tendências dominantes - seja a respeito do partido a
ou b ou mesmo contra o comportamento da imprensa, inclusive do
veículo no qual trabalha -, seu espaço no jornal acabou por
constituir uma espécie de oásis de sensatez e senso crítico em
meio ao rancor antipetista que os Frias impuseram à linha editorial
na última década.
Pois
bem, em matéria sobre seus 80 anos, esse profissional, que tem
opiniões com as quais se pode concordar ou não, mas cujas
contribuições para elevar o nível da análise política e para
estimular um desenvolvimento mais aguçado do senso crítico não podem ser negligenciadas, foi
equiparado por comentaristas a “viúvas chorosas da ditadura”,
classificado como pertencente à “direita conservadora” e chamado
de “fariseu”, “mentiroso”, “vendido” e, é claro, a serviço
do "PIG".
Mídia
em seu pior momento
Há,
de fato, razões de sobra para o descrédito e mesmo para o rancor
que a ação da imprensa (e da mídia corporativa, de forma geral),
no Brasil, provoca. Se, em termos mundiais, a crise financeira
e de credibilidade vivenciadas pela imprensa na última década vêm
afetando, com raras diferenças de monta, a quase totalidade dos
países democráticos, em parte por conta da competição com a
internet – como aponta o próprio Jânio na matéria citada -, em
nosso país a situação se agrava consideravelmente devido à
atuação marcadamente partidária, aos preconceitos de classe e aos
interesses econômicos e políticos que opõem a plutocracia
midiática ao governo federal petista.
Exemplos a ilustrar tal
distorção, altamente prejudicial ao exercício do jornalismo, não
faltam: a revista Veja, que
já era um caso caricatural de antipetismo, com seus “blogueiros”
que latem e suas dezenas de capas com denúncias mirabolantes, foi
flagrada sendo pautada por ninguém menos que Carlos Cachoeira; a
Folha de S. Paulo
considera que tivemos uma ditabranda
no país, publicou ficha policial falsa da candidata Dilma Rousseff
na capa de uma edição dominical e deu espaço para um lunático em
crise de abstinência acusar o presidante da República de estupro; e
a Rede Globo a cada eleição participa de uma grande armação, da
edição do debate Lula x Collor aos sequestradores de Abílio Diniz
com camiseta do PT; do caso Proconsult à bolinha de papel na careca
do Serra.
Constatações
desagradáveis
Ainda assim, e na
iminência de se completar uma década de intensa crítica de mídia
via blogosfera - e, mais recentemente, redes sociais -, é forçoso
reconhecer que a imprensa brasileira não se desacreditou de todo, já
que não deixou de exercer, com algum grau de efetividade, o seu
papel de fonte de informação para dezenas de milhares de pessoas e
que mesmo alguns dos principais blogs não corporativos – como, por
exemplo, o de Luis Nassif ou o Conversa Afiada de Paulo
Henrique Amorim –, não obstante sua visão crítica à mídia,
continuam a ter a imprensa convencional como principal fonte,
transformando diariamente em posts e submetendo aos comentários
matérias dos principais jornais. O blogueiro progressista Eduardo
Guimarães, em post recente, chegou a identificar episódios em que
colunistas consagrados claramente desguiaram-se da linha editorial do
jornal.
Tais fatos demonstram,
entre outras coisas desagradáveis, que, no momento, não passa de miragem a premissa de que os blogs estariam substituindo a
imprensa – e não só devido à constatação de que a produção
de material jornalístico original – como reportagens ou
entrevistas – é ainda por demais incipiente na blogosfera, mas
- o que é muito mais grave - que, em uma medida não desprezível, a imprensa ainda pauta parte
considerável da blogosfera, incluindo alguns dos blogs de maior
audiência.
Nem sempre tudo é PIG
É preciso, portanto,
para o bem da análise, interrogar de forma mais complexa e
sistemática a relação entre política e jornalismo – vale dizer,
entre fato político e interpretação ideológica via editoração –
no país. Isso inclui, necessariamente, a adoção de uma visão mais
matizada e criteriosa sobre a ação da mídia corporativa, que
permita colocar em perspectiva e explicitar não apenas seu
tendenciosismo e sua ação manipuladora - como a de um partido
político disfarçado, como frequentemente é o caso no Brasil -, mas
suas contradições e estratégias de compensação que, apesar de
tudo, continuam a assegurar-lhe penetrabilidade e algum grau de
confiabilidade - ainda que em menor escala, se comparado ao de um
passado já não tão recente.
A recorrência com que
o termo PIG é assacado pode ser compreendida a partir de sua
pregnância e da crítica mordaz que de imediato faz, sobretudo no
ambiente veloz e informalmente dialógico das redes sociais, mas sua
transformação em um diagnóstico definitivo, imutável e sempre
válido sobre a imprensa e a mídia pode eventualmente ser, como
mostram os fatores acima aludidos, não apenas questionáveis, mas
improcedentes.
Jogo de interesses
Assim, sua consumada
transformação em uma arma multiuso, bradada contra toda e qualquer
acusação feita contra o governo petista, pode revelar-se nem sempre
justificada e eventualmente perigosa, pois tende a negligenciar a
autocrítica em favor da instauração de um processo vicioso de
atribuição de culpa ao mensageiro. Há algo de profundamente
totalitário nessa atitude.
Tal processo – e as
distorções decorrentes - é facilmente observável nas ultimamente não tão raras questões em
que os interesses do governo e da plutocracia midiática são
coincidentes, como, por exemplo, na alteração, para menos, da
aposentadoria dos servidores públicos ou na privatização dos
aeroportos. Nesses casos, não só os ataques da imprensa se
transformam em elogios, mas estes são reproduzidos nos blogs e nas
redes sociais, gerando, por vezes, situações curiosas, como, por
exemplo, um perfil que vive xingando o PIG retuitar um editorial
elogioso d'O Globo.
Ante
essa lógica malandra, que reduz a imprensa a PIG quando é contra o
partido do sujeito, mas a prestigia quando ela é elogiosa, dá
vontade de perguntar: afinal, é PIG ou não é?
Discursos totalitários
Não obstante a
gravidade da questão midiática no Brasil – tantas vezes abordada
neste blog -, o uso genérico e descriterioso do termo PIG traduz uma
sobreposição, na arena virtual, de determinados interesses
político-partidários ao resultado de análises ponderadas, caso a
caso, mais rigorosas e embasadas, resultando, por sua repetição ad
nauseum, numa grave distorção.
Tão grave quanto negar
ao octogenário Janio de Freitas o reconhecimento pelo grande
jornalista que ele é e foi.
(Fotografia de Jorge Araújo/Folhapress, retirada daqui)
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