O corte
de ponto dos servidores federais em greve, anunciado pelo governo
Dilma, é incompatível com um governo eleito, alegadamente de
centro-esquerda, de um partido dito dos trabalhadores, em um regime
democrático.
Ao tomar
essa medida autoritária, que mesmo alguns presidentes conservadores
evitaram, deixa claro que lida de forma truculenta com uma
manifestação reivindicatória legítima, durante a qual o
comportamento do governo para com os cidadãos e cidadãs que compõem
a força de trabalho do Estado vem se caracterizando pelo descaso,
pelo descompromisso com a coisa pública e pela incompatibilidade com
o que se espera de uma administração que se diz progressista.
Da
negligência à hostilidade
Até
então, a morosidade com que vinha tratando as reivindicações das
diversas categorias de servidores em greve, com o não-cumprimento de
acordos anteriormente estabelecidos e reuniões escassas e sem
propostas minimamente consistentes, já vinha demonstrando, uma vez
mais e de forma explícita, o caráter pouco afeito ao diálogo, a
baixa sensibilidade para com reivindicações trabalhistas e o perfil
turrão, palaciano que caracteriza a administração de Dilma
Rousseff.
O corte
de ponto dos grevistas transforma o que era uma grave deficiência
gerencial em uma truculência inaceitável. Ao invés do diálogo
construtivo que deveria caracterizar as relações de um governo
popular com os funcionários que fazem a máquina do Estado
funcionar, o que se vê é intransigência, confronto e tentativa de intimidação.
As
semelhanças com os métodos adotados por FHC para lidar com greves,
inclusive com cortes de ponto, são evidentes. Não por acaso, a
medida, tida pelos representantes dos grevistas como provocação,
tem acirrado os ânimos.
Para além
do salário
É
preciso atentar para o fato de que as paralisações – que ora
atingem 95% dos docentes federais, além de cerca de 12 outras categorias
profissionais – são motivadas por três reivindicações
principais:
- O estabelecimento de planos de carreira que permitam a ascensão profissional no interior de determinadas categorias profissionais, de acordo com tempo de serviço, eventual titulação e faixas salariais pré-definidos;
- Maior volume de investimentos e rapidez na sua aplicação a universidades que funcionam precariamente devido a falta de instalações físicas ou que têm problemas como goteiras, infiltrações, etc.;
- Concessão de aumentos salariais.
Os três
tipos de demanda implicam, evidentemente, no aumento do peso das
despesas, sobretudo salariais, no orçamento federal, e não só no
curto prazo. Mas, independentemente da questão financeira, a qual
abordaremos a seguir, o que salta aos olhos é o misto de descaso com
as demandas da educação e de falta de profissionalismo do MEC no
cumprimento da agenda previamente acordada: a pauta de reivindicações
do sindicato nacional dos docentes foi protocolada em abril de 2011,
e até agora não foi sequer respondida. Prevalece a enrolação: na mesma época, o governo firmara um acordo
se comprometendo a instaurar o Plano de Carreira da categoria até
março de 2012. Agora, o ministro Mercadante, que fala grosso com os
grevistas, mas fininho com a área econômica do governo, anuncia, de
forma autoritária e sem maiores explicações, que a medida ficou
para 2013. Desnecessário assinalar que o cumprimento de acordos
entre governo e sindicatos, por ambas as partes, é condição
imprescindível ao bom funcionamento da democracia.
Crise e
verbas
No que
concerne às questões financeiras, a principal desculpa do governo
para sua postura inflexível é a imprevisibilidade do contexto
internacional. É, de fato, justificável a preocupação que demonstra ter com o cenário econômico mundial, cuja crise
se arrasta desde 2008 e neste momento atinge em cheio a Europa. Há
de se questionar, no entanto, em primeiro lugar, a verdadeira obsessão que tem pela obtenção de altos superavits primários – uma herança do
neoliberalismo desabrido de FHC que Lula e Dilma teimaram não apenas
em manter, mas em ampliar, como forma de, economizando, deixar bem calminho o mercado –, em detrimento da oferta de condições
minimamente dignas para o funcionalismo público e para a ampla
clientela que atende na educação, na saúde e na burocracia
estatal, entre outras áreas fundamentais para a cidadania.
Em
segundo lugar e de forma mais objetiva, é preciso ter claro que, a despeito dos temores de
agravamento da crise e dos superavits sufocantes,
dinheiro há e continua sendo fartamente distribuído - para perdoar
dívidas milionárias das teles, para empresários que se beneficiam
de redução do IPI mas demitem, para o agronegócio, etc.. A questão
é o que priorizar na destinação dos recursos – se o grande capital, como
a enumeração acima evidencia, ou os assalariados.
Investimento
socialmente relevante
Correlacionando
educação, questão salarial e crescimento econômico, Vladimir
Safatle comenta, em ótimo artigo,
a fala do ministro da Fazenda, Guido Mantega, segundo a qual a
proposta do Legislativo de destinar 10% do Orçamento nacional a
gastos com educação poderia quebrar o país: “Ele deveria dizer,
ao contrário, que a perpetuação dos gastos em educação no nível
atual quebrará a Nação (…) O investimento em educação é, além
de socialmente importante, economicamente decisivo.”
É
preciso ser mesmo muito alienado para não reconhecer que os
servidores públicos – e, notadamente, pela desproporção ante a
alta qualificação exigida, os professores - são muito mal
remunerados no Brasil, além de alvos constantes de um processo de
depreciação pública, que atingiu seu auge nos anos FHC, mas que
continua a todo vapor na mídia corporativa, inclusive no universo
ficcional da programação televisiva. A novidade dos governos petistas foi
voltar a contratar, embora pagando mal – o que é insuficiente
para reverter tal quadro.
Silêncio cúmplice
Sendo a
educação um tema social prioritário, seria de se esperar que o
grave momento por que passa atraísse a atenção da blogosfera
engajada. Infelizmente, com raríssimas exceções – como o Blog doMiro e o de Mestre Aquiles – não é o que vem acontecendo.
Por razões partidárias comezinhas, agravadas pelo clima eleitoral,
grande parte da blogosfera que alegadamente deveria se contrapor às
vicissitudes da mídia corporativa prefere calar-se ante a greve e
assumir a atitude covarde a la Ricúpero, de exaltar os feitos do
governo e esconder seus erros – o que faz com que impere um
silêncio epifânico na grande maioria dos blogs políticos não
corporativos no que concerne à greve.
Mas
façamos um exercício mental e imaginemos se fosse o governo FHC que
cortasse o ponto de servidores grevistas, qual e o quão estridente
seria a justa reação da blogosfera indignada. Dois pesos, duas
medidas.
Direita, volver!
E la nave va... Após,
numa medida deplorável em relação aos direitos e à economia
social do trabalho, ter achacado a aposentadoria dos funcionários
públicos, a administração Dilma, ao enrolar os grevistas e
autorizar o corte de ponto, deixa claro que se afasta cada vez mais
do que se espera de um governo de centro-esquerda em temas
fundamentais como educação, funcionalismo público e previdência
social - e que, fiando-se em altos índices de aprovação
parcialmente advindos de setores que são inimigos históricos da
esquerda, opta por servir ao grande capital em detrimento dos
assalariados.
Tal
postura vem agravar um cenário dominado por polêmicas sobre o modo
de escolha dos candidatos e das alianças adotado pelo PT nas
eleições em curso, num momento em que a tradição de debate
democrático no interior do partido parece sobrepujada pelas escolhas
personalistas, determinadas de cima para baixo.
Não
custa lembrar que o funcionalismo público federal é,
historicamente, um reduto petista, bem como não deixa de ser
oportuno observar que não há garantia alguma de que o apoio que a
classe média conservadora ora dá a Dilma irá efetivamente se
traduzir em votos no contexto de eleições presidenciais disputadas
contra um autêntico representante do conservadorismo.
Discurso
é um; prática, outra
Por fim,
é preciso relembrar que Dilma, durante a campanha eleitoral, nos
debates televisivos e no discurso de posse, afirmou não só que
educação seria uma prioridade do governo, mas, explicitamente, que
considerava a valorização do salário dos professores item
essencial para o aperfeiçoamento da qualidade do ensino no país.
Esse foi o discurso para se eleger, mas a prática tem sido bem
outra.
Cortar
ponto de servidores grevistas é atitude típica de ditadura - como o
próprio Lula, liderança surgida nas lutas sindicais, bem sabe. Não
coaduna com democracia.
(Imagem retirada daqui e digitalmente manipulada)
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