Que denúncia é mais séria: a de que a escolha da roupa da primeira mulher a assumir o poder em um país pode prejudicar a indústria nativa da moda ou a de que a prefeitura e o governo de um determinado estado deixaram de investir mais de R$500 milhões originalmente destinados a medidas anti-enchentes, resultando em mortes e pessoas desaparecidas e um cenário de caos e destruição que afeta milhões de cidadãos?
Crise ética
A resposta a tais questões, contraposta às manchetes dos periódicos, nos leva a uma reflexão sobre os critérios – ou à falta deles – que orientam o jornalismo que os grandes grupos brasileiros de comunicação vêm, há tempos, praticando.
É público e notório que tais problemas se agravaram nos últimos oito anos e meio (desde a campanha eleitoral de 2002, que acabou por eleger Lula), devido sobretudo ao fato – reconhecido por jornalistas como Fernando Rodrigues e pela própria presidenta da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Judith Brito – que a grande imprensa tem atuado, no que concerne ao âmbito federal, como oposição.
Realidade paralela
O custo dessa postura de grande parte da imprensa tem sido alto, em níveis que superam os efeitos globais da crise do jornalismo impresso provocados pela internet: publicações outrora respeitáveis como Veja, Folha de S. Paulo e O Globo vivenciam não só um processo acelerado de perda de assinantes, mas de prestígio: nos círculos informados do país tornaram-se motivo de chacota e é cada vez mais raro encontrar gente séria que as apóie ou defenda.
Pois esses veículos passaram a viver em um país paralelo, criado por suas próprias pautas, motivadas, por sua vez, não apenas por razões político-ideológicas, mas, como o post anterior procurou demonstrar, por interesses comerciais concretos. A oposição persecutória ao governo federal e o grau de menosprezo pelas escolhas eleitorais do povo foram (são) de tal ordem que acabaram por minar de forma grave sua credibilidade, impedindo até que as eventuais críticas procedentes fossem distinguidas como tal, levadas a sério e debatidas. Ou seja: ao mirar nos atores políticos acabaram por vitimar o jornalismo.
Outras fontes
Assim, ante essa já longa crise de credibilidade da imprensa, um público cada vez maior tem buscado em blogs não corporativos sua fonte de informação e de visões opinativas. Quem há anos atua na blogosfera sabe que é falsa a ideia, explícita ou subliminarmente difundida pelos grandes meios de comunicação, de que se trata de um grupo mínimo (“que cabe numa Kombi”), jovem e radical. A realidade é bem outra, marcada pela diversidade etária, educacional, profissional.
É, é claro, auspiciosa a constatação de que a emergência e ampliação da blogosfera política tem sido capaz de se contrapor, como ente crítico-informativo ( ainda que em bases materiais muito mais precárias), a uma mídia que abriu mão de ao menos buscar a isenção, a imparcialidade e o equilíbrio.
Questões urgentes
Mas será suficiente? O fato de as poucas famílias que comandam a mídia corporativa no Brasil terem levado o jornalismo ao estado de descrédito e penúria moral em que ora se encontra justifica, necessariamente, que abramos mão de ter uma imprensa em bases empresariais de qualidade, nos limitando à guerra de guerrilhas dos blogs?
A possibilidade de um jornalismo equilibrado, apartidário, estará mesmo sepultada, substituída por esse “jornalismo do contrário”, reativo, feito no mais das vezes em oposição a algo que deve ser desmentido ou desmascarado, que a necessidade de desconstruir uma mídia que atua de forma partidária tem imposto?
A ascensão da blogosfera – e das demais múltiplas possibilidades de intercâmbio de informações da web 2.0 – significa, necessária e inescapavelmente, na seara política, a transformação da Comunicação - e de sua nobre missão de informar e difundir - em mero campo de batalha entre forças ideológicas que se opõem entre si?
A demanda por informação
Neste exato momento, há dezenas de milhares de jovens matriculados em cursos superiores de Jornalismo país afora – e muitos efetivamente interessados em estudar e em se tornarem bons profissionais. E uma nova leva adentrará as universidades assim que o semestre letivo começar.
Por outro lado, e de forma complementar, há, no Brasil, um enorme contingente de jovens ávidos por informação qualificada, muitos recém-alfabetizados; outros tantos tendo o primeiro contato com o maravilhoso mundo novo da comunicação digital.
Há portanto, uma série de questões de cunho estrutural - econômico, trabalhista, educacional, tecnológico - que perpassam esse tema e o projetam para além do embate político-ideológico entre tendências que se digladiam pelo poder.
Para além da blogosfera
Se um dos trunfos das forças políticas que governam o país nos últimos oito anos tem sido justamente conciliar justiça social e desenvolvimento capitalista, não seria possível conceber, de curto a médio prazo, uma imprensa em base empresarial, mas que mantivesse o compromisso com a pluralidade e com uma visão crítica porém equilibrada da política?
Ou estaremos limitados a denunciar, no espaço atomizado de nossos blogs, manchetes sobre roupas e férias, enquanto campeiam a morte e o caos?
(Foto retirada daqui)
4 comentários:
Muito boa sua reflexão, assim como as muitas publicadas neste seu blog.
Eu mesmo sou um dos que cancelaram assinatura de Veja. Deixei de ler a Folha, por tanta "Falha". O JN é motivo de chacota e risos, tal a irrelevância dos temas e a parcialidade doentia.
Claudio,
Acho que, assim como você, cada vez mais pessoas estão se recusando a se deixar iludir pela péssima imprensa que temos no Brasil hoje.
Um abraço,
Maurício.
adorei a reflexão, mas vou dormir com a pulga atrás da orelha...
e a ilusão de contribuir para a alguma coisa ao RT, repercutir um bom texto como esse...é mera ilusão?
Acho que mera ilusão não é, mas um trabalho de formiguinha, atomizado, um grão de areia no oceano da informação (dá-lhe metáfora barata... rs!).
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