Durante toda a conversa, cansado após quase 12 horas de viagem, banquei um personagem que, segundo a mãe de uma antiga namorada, desempenho à perfeição: o sonso. Limitei-me a perguntar e a dar corda, mesmo porque o nível da maioria das observações expressava um preconceito tamanho, típico de uma certa mentalidade conservadora-populista, que exigiria uma disposição argumentativa da qual, ávido por chegar em casa, no momento não dispunha.
O problema das enchentes, segundo ele, são os pobres, que moram em qualquer lugar e jogam lixo na rua. Tentei mencionar a omissão das autoridades, mas não deu ouvidos. Veio à minha mente a famosa frase de George Burns: "Pena que as pessoas que sabem o que fazer com o país estão ou cortando cabelos ou dirigindo táxis". Para o motorista-dirigente em questão a solução seria dar “uns R$200 reais’ para cada um e mandá-los de volta “pra Bahia”. Bem-vindo a São Paulo.
A conversa me fez lembrar de Marilena Chauí, mais especificamente do livro Conformismo e Resistência - que li, maravilhado, quase que numa enfiada, em dois dias, assim que entrei na faculdade (sim, faz muito tempo...). Nele, a filósofa dá espaço à sociológa e, em meio a muitas sacadas interessantes, demonstra o quanto a classe média baixa (que inclui parcelas dos pobres e “remediados” em geral), ao invés de abraçar um ideário consoante a sua condição social e que abarque as privações e opressões que sofre, tende muitas vezes a se identificar com – e adotar - a ideologia das classes dominantes (das quais aspira um dia tomar parte) como forma de se afirmar.
Pensei no quanto tal premissa se aplica ao motorista que me trouxe para meu lar, doce lar – onde, com o esqueleto recostado no sofá, tive a má ideia de ver TV, agravada pela péssima escolha de um programa da Globo News, chamado Fatos e Versões (que pode ser visto na íntegra aqui). O tema principal era a "baixaria" que teria tomado conta da política nacional durante a semana.
Tratava-se justamente da primeira matéria, e começa com imagens de Lula sentado ao lado de Dilma Rousseff, sobre as quais o narrador faz uma afirmação categórica: “O presidente Lula foi o primeiro a colocar o bloco da campanha na rua”. Tal premissa é ilustrada por um trecho de discurso do presidente dizendo:
Em seguida, com imagens de Dilma discursando, vem o narrador de novo: “A ministra não perdeu tempo”. Dilma sai do off:
- “É importante que a gente inaugure o máximo de obra possível”.
- “Mas foi o próprio presidente do partido de oposição quem afirmou que acabaria com o PAC”.Fiquei pensando: será que esses caras – que alegam manter um tal de “padrão Globo de qualidade” - pensam que somos todos tontos? Não há, a rigor, nada errado no discurso de um presidente – qualquer presidente – que, no último ano de mandado, afirme ser importante fazer o máximo possível de obras. Já quando esse presidente pertence a um governo cujo carro-chefe é um programa de crescimento baseado em um cronograma de obras que prioriza o ano em questão, aí as afirmações do jornalismo global se mostram não apenas levianas, mas equivocadas. Se por má-fé ou por incompetência, deixo a(o) leitor(a) decidir.
Já a insinuação de que Dilma “não perdeu tempo” [em fazer campanha], ilustrada por um trecho de discurso no qual ela simplesmente constata um fato facilmente comprovável – tirado das declarações que Sérgio Guerra, o elefante na loja de cristais que preside o PSDB, fez à Veja - beira a comicidade. Será que o pessoal do jornalismo da Globo acha mesmo que consegue enganar o público com uma manipulação tão tosca?
Porém, talvez pior do que as afirmações tendenciosas que o programa leva a cabo sejam as omissões gritantes da pauta do programa que tornam a manipulação ainda mais evidente. Afinal, e as campanhas da Sabesp, veiculadas pelo governo de Serra desde meados do ano passado em vários estados da Federação? Não “botaram o bloco da campanha na rua?” E a participação do governador paulista, que não é ecologista nem chefe de Estado, no encontro em Copenhagen, posando ao lado de Schwarzenegger, se não é campanha é o quê? Medida a favor do povo paulista?
Não que a matéria não mencione o PSDB – ela o faz em seguida: com a culpa pelas "baixarias" postas na conta de Lula, o programa se permite um momento de bom jornalismo ao reconstituir a escalada dos ataques entre os tucanos e os petistas. Desnecessário, porém, dizer que tal reconstituição está prejudicada na origem.
A seguir, em mais uma tentativa tão obviamente manipulada que chega a ser engraçada, o programa, recorrendo a animações "engraçadinhas", elenca as viagens que Lula fará no Brasil e ao exterior este ano para classificar as primeiras como campanha eleitoral e as segundas como forma de afirmar sua liderança internacional. O subtexto é latente: “governar que é bom, nada”.
Durante o resto da parte nacional do Fatos e Versões (título autoexplicativo este...), enquanto os dois jornalistas convidados brincam de agradar a emissora que os convida – incluindo uma comparação totalmente descontextualizada entre Bachelet e Lula, durante a qual senti vergonha alheia -, a apresentadora Cristiana Lôbo dispara ataques diretos a Lula: “O presidente tá exagerando na campanha para Dilma”; “incita a militãncia” devido às palavras que usa, “está muito preocupado com as placas [das obras inauguradas]”, tem palanque a favor porque distribui convites (como se, com mais de 80% de aprovação popular, dependesse disso...). Tudo dito com aquele jeitão de mãezona, de tia doceira, calma como o vento goiano a soprar nas palmeiras. Qualidades que, a despeito de não contar com o voto da mãe da minha ex, tornam Lôbo uma séria candidata ao título de Sonsa da Década.
Desliguei desgostoso, lamentando que seja esse o jornalismo que temos. E que dá mostras de se encontrar, agora, ainda mais virulento e menos ético, não apenas pela redução do repasse das verbas publicitárias federais e pelo desespero advindo da perspectiva de derrota de seu candidato, mas porque a regularização efetiva das concessões públicas está cada vez mais no horizonte. Trata-se, na verdade, de uma necessidade que as distorções evidentes, o partidarismo descarado e a desinformação sistemática que o jornalismo brasileiro pratica tornam cada vez mais urgente.
Afinal, por mais ingenuamente idealista que isso soe, jornalismo não deve ser meio para manutenção de interesses políticos e corporativos, mas direito da sociedade como um todo. Um dia chegaremos lá.
(Imagem retirada daqui)
8 comentários:
A globo, não só pensa outenta manipular. Ela manipula. Não só ela, Record, Band, SBT, Redetv...enfim todas esses grandes canais de comunicação, tem o seu ponto de vista, e fazem questão de expor. E o povo...aliás a massa se deixa moldar, parafraseando Marx 'a diferença entre povo e massa é que povo tem consciência de classe, a massa não. O que explica, as afirmaçõpes do taxista. Conheço muitas familias, que só assistem só um determinado canal, nunca mudam, imagine a viseira dessas pessoas.
Paz e Bem!!
Pois é, Luzia,
Elas todas expressam seus pontos de vista... só que são concessões públicas, cuja função constitucional é informar e promover a cultura, e não ficar fazendo manipulações políticas e defendendo seus interesses corporativos.
Um dia alguém terá a coragem de enquadrá-las.
Um abraço,
Maurício.
A imprensa brasileira é um Polishop disfarçado. No fim o que importa é vender o produto da vez: Serra.
E pqp... a mim é muito difícil ter que ouvir calada pessoas como este taxista... por isso que devo levar fama de chata por aí! Antes fosse de sonsa! Hahaha
E parabéns pelo blog, sempre ótimos textos. =]
Luana,
Adorei essa sua frase (aliás, tinha acabado de retuitá-la quando vi seu comentário). Descrição perfeita!
Um abraço,
Maurício.
Globo, Band, Veja SECRETAMENTE partidárias do PSDB
A Globo esta fazendo a maior campanha "contra" Lula e Dilma, em seu canal de Globo News, jornalistas como Cristiana Lôbo, William Waack, Carlos Manforte,entre outros fazem criticas pessoais ao Presidente é a Ministra Dilma chegam ate o absurdo de fazer analogia de Lula e Ditadores, ao mesmo que rasga-si de elogios ao Candidato Jose Serra, esses jornalistas acham que podem manipular o povo distorcer informações para eleger um candidato da elite que vai novamente presta favores a Globo como na época de FHC, em Globo se apropriou e Roubou as terra em Lugar muito valorizado e construiu o Projac rede globo é o governo FHC, em que Serra era Ministro fez vista Grosa.
Jose Serra se for eleito com a desculpa de Choque de Gestão, vai acabar com a maioria dos programas do Governo Lula, como "Pro uni" "Enem" Luz para todos" Bolsa Família"esses programas que alavancarão o pais e fizeram a economia girar, Serra vai novamente aumentar a diferença entre ricos e pobres vai fazer com que as pesos que entrarão na classe Media recentemente voltar para a pobreza, vai abaixar a taxa de juros sem responsabilidade e fazer com que a inflação volte ao Brasil com nos anos 70 e 80.
Weverson,
Eu diria que o apoio não é tão secreto assim, já que é escancarado (mas, é claro, jamais admitido). A capa da Folha de S. paulo de hoje é um exemplo claro do uso de dois pesos e duas medidas na cobertura da candidatura Serra e na de Dilma.
Um abraço,
Maurício.
Provas da manipulação! vejam...
http://www.youtube.com/watch?v=pAfAkTFs7wI
parte de um documentário feito pela BBC para Inglaterra.
Vcs ñ acham bem oportuno, bem na hora em que Dilma abre a maior vantagem sobre Jose Serra surgem um tanto de denuncias de coisas que supostamente teriam acontecido a até dois anos atrás; Bom para resolver isso é só fazer a pergunta lógica, si ñ mágica “ A quem interessa um escândalo neste momento? ” Em que Serra já esta mais de 20 pontes abaixo nas pesquisas , e Dilma em plena ascensão, com ampla vantagem para vencer no primeiro turno, para que ela invadiria sigilos, alguns vão falar para montar um dossiê, mais pense bem quem faz um dossiê em plena campanha não e por que esta perdendo?? Mais Dilma já esta com mais de 52% de vantagem por que ela ou o PT faria isso? O fato e que essa história de sigilos quebrados que ninguém nunca viu, só favorece ‘Jose Serra’ que nuca achou que estaria tão atrás nas pesquisas.
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