A frase, porém, pode ser lida de mais de uma maneira, como sói acontecer com a criação roseana. O medo de um ser indefeso, amarrado ou dependurado num pau-de-arara, cercado por cinco ou seis meganhas calçando coturnos e armados de cacetetes, correntes e máquina de dar choque faz com que “a extrema ignorância em momento muito agudo” deixe de qualificar o medo e passe a ser deste objeto.
A tentativa de gerar pânico por conta do Plano Nacional dos Direitos Humanos, claramente orquestrada esta semana pela mídia – do blogueiro de Veja ao ex-porta-voz de ditador Alexandre Garcia; dos telejornais ao que restou dos jornais impressos – baseia-se no medo do primeiro tipo – “reginaduarteano”, digamos. Trata-se do pavor ante a possibilidade de que um dia os cidadãos passem a ser efetivamente iguais perante a lei, e até os direitos humanos deixem de ser restritos a certos estratos sociais.
Deve haver algo de freudiano por trás desse medo. Afinal, crescer é assumir responsabilidades – como pagar os empréstimos tomados dos bancos estatais, plantar alguma coisa comestível nos hectares sob sua propriedade, não financiar esquadrões da morte nem acobertar, com silêncio cúmplice, a tortura de presos indefesos. Para tanto, é preciso desmamar – do Estado, da Justiça, do caixa dois, da corrupção ativa e/ou passiva, da utilização das forças policiais públicas como brigada privada protetora de seu capital. Convenhamos: pode ser traumático.
Eis porque a grita em torno do PNDH tem, na verdade, uma motivação edipiana: essas, com o perdão do pleonasmo, reginas duartes histéricas são como aquelas crianças que berram pela mãe alegando que tem monstro no guarda-roupa - quando não se trata de nada disso: o medo na verdade, é de ser traído pelo poder e perder as benesses, digo, ser enganado pelos pais e perder-lhes o afeto.
Mas não são apenas o medo e a culpa secular acumulada que têm provocado tantas reações estapafúrdias ao PNDH: há uma profunda confusão, para o público em geral, em relação ao conceito de “direitos humanos”. Em grande parte estimulada pela mídia, difundiu-se amplamente uma visão de tais direitos que suprime a grandiosidade épica de sua conquista como princípio universal, pondo em seu lugar uma concepção paroquial, forjada pela pior direita, para quem “direitos humanos é coisa de bandido”.
Como aponta a pesquisadora Helena Singer, “Os discursos e as práticas sobre os direitos humanos não chegam à população sob a forma de igualdade, felicidade e liberdade, mas sim de culpabilização, penalização e punição, integrando um movimento mundial de obsessão punitiva crescente”. Nesse quadro - marcado pelo maniqueísmo e por preconceitos de classe - o debate público em torno de cidadania e direitos - que o PNDH leva ao mais alto nível - tende a se restringir à ótica da criminalização.
É desse cadinho de elitismo, ignorância, choque de classes e exploração deturpada do que sejam o PNDH e os próprios direitos humanos (cuja disseminação ele objetiva) que se constitui a reação histérica da mídia corporativa – que, como o caso em questão evidencia de forma particular, está claramente perdendo para a blogosfera a primazia da publicação das análises mais equilibradas, argumentativas e contundentes. Uma constatação corroborada por três posts de Raphael Neves, no politkaetc. e pelos muitos artigos reunidos no blog de Luís Nassif (leia lá os posts mais recentes sobre o assunto também).
Claro está que a ação orquestrada da mídia corporativa não diz respeito apenas à defesa de seus próprios interesses e posições: ela é a tradução do estado de desespero que ora acomete as hostes da oposição direitista, a qual apoia. Uma e outra, aliadas, ante as evidências cada vez mais fortes – e corroboradas pela quase totalidade dos analistas de pesquisas eleitorais sérios – de que a vitória de tais setores no pleito presidencial vindouro torna-se a cada dia menos provável, dão mostras de que vão apostar suas fichas no golpismo, como o fizeram duram toda esta semana.
Por tudo o que foi acima escrito, cabe refletir sobre o que escreve Marcos Rolim, especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública que escreveu o melhor texto que li até agora sobre o PNDH III:
“As vozes que se erguem contra esta iniciativa não são apenas as vozes de um passado tenebroso que, infelizmente, sequer é passado. São as vozes de um país que oscila entre a civilização e a barbárie, entre o direito e o privilégio, entre o respeito e o preconceito, entre a ordem democrática e a ordem das baionetas....e que prefere, sobretudo, a mentira”.
(Imagem-detalhe de "O Grito", de Edward Munch (1893) retirado daqui)
2 comentários:
achei este o post que melhor explica o comportamento das pessoas que repetem o que a grande mídia, ou PIG, diz sem ao menos se dar ao trbalho de ler o PNDH ou procuarar outras opiniões. O medo é um dos sentimentos atávicos do ser humano, usam disso para manipular e chegar aos seus intentos. e muitos, a grande maiorai não se dá conta disso.
Iaiá,
O medo que a mídia vem incitando, como forma de colocar seu público contra o Plano, dá a dimensão do que vai ser a luta político-eleitoral daqui pra frente...
E os auto-intitulados esquerdistas autênticos, sempre caindo nas artimanhas da direita, querendo radicalizar. Vai ser uma beleza!
Bjo.
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