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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

MSM e o protesto contra a Folha

Está marcada para amanhã a segunda manifestação pública contra o jornal Folha de São Paulo – desta feita devido, sobretudo, à publicação do artigo “Os filhos do Brasil”, de César Benjamin, um ataque à honra pessoal de um cidadão (e presidente da República), covardemente travestido de análise, em que o perturbado articulista sugere, sem apresentar qualquer indício minimamente consistente, que Lula teria tentado estuprar um preso 30 anos atrás.

O estuprado, claro está, foi o jornalismo, ente cujas premissas éticas básicas vêm sendo reiteradamente desprezadas pela Folha, como este blog tem comentado há tempos. É por agir como partido político e não como órgão de imprensa que um grupo privado de comunicação toma o lugar usualmente reservado ao âmbito da política institucional e ao Estado como alvo das manifestações públicas de repúdio.

A primeira manifestação contra o jornal dos Frias ocorreu no dia 07 de março deste ano, como reação ao emprego do neologismo “ditabranda” para relativizar as práticas do regime militar brasileiro (1964-1984) e como manifestação de solidariedade aos professores Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato, agredidos verbalmente pelo diretor de Redação Octávio Frias Filho por protestarem contra a novilíngua adotada pelo jornal para se referir ao arbítrio.

Trata-se de um marco, a expressão de um grito há muito engasgado contra uma imprensa desavergonhadamente partidária, tendenciosa e manipuladora. Eduardo Guimarães, do Movimento dos Sem Mídia, e todos os que, como Aarles, do Arlesophia, colaboraram intensamente para que o protesto se efetivasse, merecem todo o reconhecimento pela coragem, trabalho e capacidade de organização que empregaram para concretizar tal manifestação pública, caracterizada, convém registrar, pela civilidade e respeito às normas democráticas.

O protesto catalisou um sentimento anti-mídia que, graças aos desmandos da imprensa brasileira, pulsava intensamente na internet – sobretudo na blogosfera –, para a formação do qual colaboraram sobremaneira a crítica sistemática à mídia e a série de artigos de Luís Nassif denunciando as práticas “jornalísticas” da Veja.

Numa dessas noites de troca de idéias no twitter, um grupo de blogueiros realçava a importância da passeata para a profusão de blogs políticos que foram criados no bojo da manifestação – inclusive este que o leitor ora visita -, e a quantidade incrível de blogs cujo primeiro post diz respeito justamente ao “caso ditabranda” - duas tendências que os sites de pesquisa qualitativa em blogs confirmam plenamente e que um dia, quando os estudos de jornalismo na academia brasileira saírem da penúltima década do século passado e descobrirem que já adentramos o século XXI, serão devidamente reconhecidos.Embora tão próxima do presente, lembro dessa época com carinho e algum saudosismo: representou o início de uma fase de intensa atividade na internet, de “dar a cara a bater”, depois de anos – décadas – limitados à produção acadêmica ou, com menos freqüência, cinematográfica.

Foi um espanto e uma alegria, para mim, quando o blog começou a receber os primeiros interlocutores constantes – nominalmente, os queridos Hugo Albuquerque, de O Descurvo – que escreveu um post em que defende a participação no protesto -, e Flávia, do Algodão Hidrófilo. Mas hoje um forte questionamento sobre os limites desse tipo de ação começa a se impor com urgência em minhas reflexões.

Na passeata, vi pela primeira vez Eduardo Guimarães pessoalmente. A impressão de arrogância que ele me passava nos textos se desfez completamente. Mas o excesso de personalismo e a vocação para criar uma imagem de mártir persistiram e, no meu entender, se agravam em relação à passeata convocada para amanhã.Soa-me pra lá de cabotino que Eduardo escreva em seu blog coisas como:

"Comunico aos leitores deste blog que já me decidi: irei à porta da Folha de São Paulo ler um manifesto de repúdio contra o ataque insidioso à honra do presidente Lula praticado hoje pelo jornal. E irei nem que tenha que ir sozinho”.


Ou, num post significativamente intitulado “Alguém tem que fazer”, chegue ao cúmulo de afirmar, em relação a si mesmo:

“Há uma beleza poética em bradar num deserto de ouvidos moucos. É uma imagem romântica e verdadeira. A epopéia humana encerra muitos visionários que só foram “ouvidos” depois de séculos ou até de milênios”.


O ato convocado para amanhã não pertence ao MSM nem a Eduardo Guimarães. Ele tomou forma espontaneamente na blogosfera e na tuitosfera, onde no mesmo dia em que a “matéria” de Cesinha foi publicada já se combinava um protesto a realizar-se no primeiro fim-de-semana viável – ou seja, amanhã.

Portanto, com todo o respeito a Guimarães e ao muito que ele tem feito pela luta por uma mídia melhor, insisto: esse messianismo está fora de lugar e esse personalismo é excessivo e contrário ao espírito de coletividade que marca a internet – onde não há ouvidos moucos, Eduardo, mas uma profusão de seres, uns mais conscientes, outro menos, em permanente diálogo. As relações não são verticais: um fala, os outros ouvem – como com freqüência você me dá a impressão de concebê-las – mas horizontais, dialógicas. Expressando-me nos seus termos: não queremos um líder a nos conduzir nas trevas dos combates, mas um companheiro a lutar ao nosso lado.

Uma outra questão que precisa ser pensada em relação ao protesto de amanhã diz respeito à sua procedência. O jornalista Rodrigo Vianna coloca, em post em seu blog, duas questões importantes, que merecem ser refletidas com calma:

“1) Acho que não devemos levar a "Folha" mais a sério; um ato em frente a jornal, no fundo, é uma forma de (ainda) dar legitimidade ao diário decadente. Acho que é melhor tratar essa gente na base da galhofa. Da crítica mordaz aqui, pela internet.

2) Às vésperas de uma campanha eleitoral que deve ser a mais suja da história (o próprio artigo do pequeno "Cesinha" mostra isso), não me surpreenderia se alguém aprontasse alguma provocação. Não custa nada um "provocador infiltrado" lançar - por exemplo - uma pedra contra a "Folha", o que transformaria o jornal em vítima da "esquerda".”

Concordo integralmente com Vianna. A provocação é uma possibilidade real, da qual a Folha certamente tiraria proveito. O que me parece mais importante, neste momento, é intensificar a campanha pelo cancelamento da assinatura da Folha ou do UOL, movimento que, segundo informações confiáveis de bastidores (parcialmente corroboradas por este post do Nassif, que sugere que as telefonistas do jornal estão sendo orientadas a apresentar justificativas referentes ao artigo de Cesinha) estaria surtindo efeito, com um número expressivo de cancelamentos.

Agastado pelo excesso de personalismo messiânico de Guimarães eu, após ler o arrazoado de Vianna, pensei seriamente em não ir ao ato. Fatores que transcendem a certeza de que essa seria a melhor forma de protestar convenceram-me do contrário: irei (e levarei uma câmera para coletar material para um documentário - e registrar qualquer eventual provocação). Mas vou como parte de uma coletividade, mais um na multidão de cidadãos e cidadãs politicamente ativos que encontraram na internet um meio para se organizar e combinar ações conjuntas – e não como um liderado por ninguém.

P.S. Após o lamentável episódio da intimidação ao blogueiro Antonio Aarles através de medida extra-judicial, fica ainda mais evidente que a campanha pelo boicote à Folha e ao UOL está surtindo efeitos concretos e que preocupam a direção do grupo - muito mais do que manifestações o fazem.

Deixar de comprar e deixar de comentar qualquer matéria da Folha: este me parece o melhor caminho para legar ao jornal a irrelevância que ele, por suas próprias ações, faz por merecer.

2 comentários:

bete disse...

eu li o post do Rodrigo Vianna e concordei com os argumentos dele. Aqui em casa não assinamos a fAlha e a inVeja já deve fazer bem uns 20 anos quando já fazia um tempo que tinha virado uma porcaria só, mas infelizmente ainad nos ligam até eu ameaçar processar quando EU liguei de volta par eles. Excelente o post.Admiro. bjs

Unknown disse...

Que bom saber! Sinal de que é uma casa bem-informada. Antigamente, assinar as principais revistas e jornais era sinal de cultura; hoje, é de alienação e desconhecimento.

Um beijo,
Maurício.