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terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Dilma e o autoritarismo machista

O fato político da semana foi, a meu ver, a aparição de Dilma Rousseff sem peruca.

Além de o novo arranjo capilar da pré-candidata à Presidência ter ficado, do ponto de vista estético, melhor – pois contemporâneo e mais suave, “afinando” o rosto “cheio” de Dilma –, ele fecha, em sua simbologia, um ciclo: o da doença, efeitos colaterais do tratamento e recuperação.

Claro está que, infelizmente, o corte a la garçon dos cabelos da ministra, embora indique rejuvenescimento, não é o equivalente a um atestado de recuperação contra o câncer linfático que a acometeu. Mas não deixa de agregar um sinal positivo a sua imagem e tende a ter um peso considerável para as parcelas do eleitorado acometidas pela Síndrome de Jó, aquela em que basta ver para crer.

O novo look vem a público em um momento em que o rejuvenescimento de Dilma não se dá apenas em termos de aparência física – mas, como comprovam as pesquisas, também de perspectivas eleitorais: a diminuição da distância em relação ao estagnado José Serra, somada às tendências verificadas em relação ao voto não induzido, tem feito os pré-candidatos a vice se digladiarem para compor, ao seu lado, a chapa situacionista.

Por outro lado, a divulgação, via internet, da ficha policial falsa utilizada pela Folha de S. Paulo e a circulação de emails apócrifos atribuindo à ex-militante crimes que sabidamente não cometeu continuam – e, segundo fontes confiáveis, são neste momento alvo de intensa curiosidade de policiais federais.

No entanto, talvez mais persistente do que tais táticas inqualificáveis de disputa eleitoral – que revelam mais sobre o caráter daqueles que se opõem a Dilma do que sobre a acusada – seja a difusão do discurso segundo o qual a pré-candidata da aliança governista seria “autoritária”, “truculenta”, “intransigente”, “ríspida”.


Campanha orquestrada

Em que se baseia tal discurso? Na era da informação e da imagem (digital, capturada até por celulares), onde estão as provas do alegado autoritarismo de Dilma? Desconhece-se vídeo em que a atual ministra apareça destratando um interlocutor ou agindo de forma prepotente ou sendo hostil. Fotos? Há a cômica, lombrosiana, coleção que ilustrou a coluna de Ruth de Aquino em Época – mas é preciso desconhecer totalmente tanto princípios da edição fotográfica quanto da Análise do Discurso para levar tal manipulação tosca a sério. Depoimentos? Não conheço nenhum que não venha de desafetos ou de adversários políticos ou de ex-funcionários demitidos. Brigas públicas, barracos, bate-bocas? Necas.

Nesses casos, comparações ajudam: Kassab reage reiteradamente de forma agressiva e perdeu a linha duas vezes, atacando aos berros cidadãos paulistanos (tudo devidamente registrado em vídeo e áudio); já o autoritarismo de Serra é ostensivo, corroborado por dezenas de testemunhas e traduzido em atos como a repressão policial aos estudantes na USP e a tentativa diuturna de manipular a imprensa. Tudo embalado por um sorriso tão postiço quanto ineficiente - pois antipático. Porém, quantas vezes o leitor se deparou com textos acusando Kassab e Serra por conta de tais características pessoais, em comparação com o número de textos acusando Dilma de autoritária?

Muito menos, certamente, pois claro está que se trata, no caso da pré-candidata, de uma campanha melíflua, construída e orquestrada de modo a explorar o inconsciente machista da sociedade brasileira, confundindo propositalmente firmeza e personalidade forte com truculência – algo que dificilmente se verifica quando se trata de um homem na política.

Até mesmo feministas distraídas têm caído no lenga-lenga que apregoa o autoritarismo de Dilma, como se desconhecessem que uma das mais antigas e renitentes reações patriarcais à emergência do poder feminino é instituir uma dupla inquisição, baseada em estereótipos sexistas: se suave e delicada, a mulher seria incapaz de exercer o poder, por frágil e incapaz de se impor; se aguerrida e impositiva, seria agressiva, inábil – numa palavra: marimacho.

Já apoiadores de Marina Silva, alguns deles alegadamente simpáticos à luta feminista, compraram essa campanha difamatória e baseada em preconceitos sexistas como forma de comparar Dilma desfavoravelmente em relação à candidata que preferem. Adotam tal modelo comparativo fingindo não ver que reforçam, assim, o estereótipo segundo o qual mulheres têm de ser “femininas’, ternas e afetuosas, reprimindo suas pulsões agressivas sob um manto de boas maneiras – algo com que os homens simplesmente não têm de se preocupar.

No entanto, o fato de a ministra ser assertiva e diligente não a desqualifica, bem como a personalidade branda, extremamente conciliadora de Marina não a diminui. Trata-se de uma questão de diferença de modos de ser e de estilos, e não de supremacia pré-determinada de uma candidata sobre a outra. Como escrevi quando do lançamento da pré-candidatura da senadora acreana:

“Se a espiritualizada e reflexiva Marina prefere assumidamente guiar-se pela combinação de intuição e razão, manifestando suas idéias de forma ponderada, articulando-as pausadamente e sem alterar o tom de voz, como que guiando o interlocutor pela combinação de sensatez e inteligência que de ordinário a caracteriza, Dilma Rousseff, a encarregada do PAC, sempre às turras com a concessão de licenças ambientais, faz o estilo “xerifão”, direto e impositivo, afeita ao exercício do poder, impressionando e eventualmente acuando o interlocutor pela velocidade do raciocínio e pela determinação”.

Como fica implícito no trecho citado, a função executiva exercida pela ministra demanda um tipo de atitude assertiva que não é requerida de uma parlamentar, de quem se exige prioritariamente capacidade de conciliação. Portanto, nem o atributo de uma nem o de outra as desautoriza, a priori, como candidatas.

Daí a endossar essa campanha difamatória, preconceituosa e anti-feminista contra Dilma – como mesmo setores marinistas vêm fazendo – equivale a tomar, deliberadamente, parte em um ato que, uma vez mais, tende a revelar mais sobre quem acusa do que sobre quem é – injustamente, no caso – acusado.


P.S. Como a reforçar as observações acima, em 22/12 o colunista Augusto Nunes, de Veja, outorgou a Dilma o título de "Homem Sem Visão do Ano". É a soma de humor sem graça, preconceito sexista e militância política travestida de jornalismo.


(Foto da autoritária Dilma, fingindo chorar, retirada daqui)

4 comentários:

Lucas Santos disse...

ótimo texto.

Pegou pontos-chave, como essa história de que mulher tem que ser "frágil".

Realmente, o Kassab e o Serra são uns puta autoritários e ninguém fala nada.

O PiG é um lixo mesmo.

Não vejo a hora do PNBL entrar em cena e varrer o PiG.

Murilo Rodrigues Guimarães disse...

Belo texto, Maurício. Tenho por mim que, com a campanha, a Dilma mulher, mãe, avô somará nuances à Dilma guerreira, diligente e enfática.

Depois do episódio do Cesar Banjamin, espero toda e qualquer manifestação discriminatória e preconceituosa dessa trupe de direitistas desesperados e ímorais.

Cristian Korny disse...

isso do candidato ser amável, de tom de voz adocicado, sem gestos bruscos, com aparente tranquilidade (mesmo que apenas em frente às câmeras) é ao que se resumiu a campanha eleitoral, por que a população cansada da maneira como é tratada por quem tem poder sobre ela e sem informações sobre assuntos de política selecionados conforme o candidato pela mídia, acaba querendo um governante que seja apenas menos "grosso", isso não tem nada a ver com politização, nem mesmo com idoneirdade ou capacidade de gestão, é puro golpe de marketing. De qualquer maneira assim como o Lula não é apenas combativo, a Dilma assim também o é, e ambos sabem como serem mais amenos quando pertinente.

bete disse...

adorei palmas. massim, mulheres ao assumirem qualquer cargo de direção são cobradas mais que homens. Se somos doces, somos fracas, mas permanecemos femininas se somos incisivas, decidias, nos masculinizamos e isto é visto como negativo. uma tremenda pressão. uma mulher não deixa de ser mulher pq é assertiva, pq sabe comandar. simples assim. e Dilma ficou muito melhor de cabelo curtinho mesmo. bjs.