O
irromper de uma onda conservadora na mídia tem lugar em meados dos
anos 90 com o jornalismo neocon nos EUA, sob a liderança da
Fox News. Logo a tendência espraia-se por boa parte do mundo e,
embora ora emita sinais de crise em decorrência do papel do
neoliberalismo na crise econômica mundial, no Brasil ainda teima em
se manter em evidência, notadamente a partir do conluio entre a
Globo de Ali Kamel, a "nova" e marcadamente ideologizada
Veja e os principais diários
do Sul/Sudeste.
Algumas das características distintivas
dessa "modalidade jornalística" são a primazia da
desqualificação sobre a argumentação, dos recortes históricos
ideologicamente determinados sobre a contextualização criteriosa,
de truques retóricos de seminaristas sobre o desenvolvimento
dialético das análises.
Truques
e esquemas
Assim, como se pode facilmente constatar
folheando as publicações mencionadas ou munindo-se de paciência e
prestando atenção aos comentaristas globais, sobra agressividade,
juízos peremptórios e ajustes da realidade a esquemas reducionistas
que negativizam o que quer que não se encaixe ao modelito
neoliberal.
Em
compensação, tal jornalismo carece de análises matizadas, de
questionamentos que superem dicotomias reducionistas e,
eventualmente, de uma saudável admissão da dúvida, mesmo porque
esta muitas vezes permanece, incômoda e latente, sob o peso das
certezas definitivas produzidas por tais analistas simbólicos.
Filhos
de Francis
Nesse
novo ambiente, o recurso desabusado a opiniões conservadoras, as
mais caricaturais, torna-se uma distinção de excelência. E se
antes tais excessos se limitavam a Paulo Francis e a seus imitadores
menos talentosos - logo seguidos por uma plêiade de jornalistas
desorientados ante a visão dos tijolos do Muro de Berlim desabando sobre as
aparentes ilusões que a esquerda alimentara ao longo do século XX (caso,
por exemplo, de Clóvis Rossi) -, o histrionismo retrógrado passa, na
atualidade, a requisito para atrair os holofotes e as páginas da
mídia.
O
exemplo cabal desse jornalismo neocon é, na imprensa, o blogueiro da
Veja, cuja combinação de
aparente destemor, moralismo afetado e modos de bedel serve como uma
luva a jovens que, à desidentificação natural com o poder – ora
na mão da centro-esquerda -, aliam, muitas vezes, péssima formação
cultural e agudo complexo de inferioridade, combinação perfeita
para se deixarem cooptar pela retórica barata e pelo maniqueísta do
"tio" de Veja,
o qual uma legião idealiza.
Síndrome de Fausto
Já
na TV, malgrado os esforços de Marcelo Tas e sua indignação
seletiva, o personagem que melhor encarna o espírito neocon
é Arnaldo Jabor, com seu ódio
desmedido e democrático, voltado a Venezuela, Bolívia, Argentina,
Cristina Kirchner, Lula, Dilma, sem fazer distinção.
Trata-se
de alguém que claramente não acredita mais no que diz, e a sua
tristeza de intelectual que se vendeu para o sistema e tem plena
consciência disso é uma latência tão mal reprimida em suas
falsamente escandalizadas, pseudo-cômicas performances que se impõe,
epifânica, a o que quer que ele esteja dizendo, à revelia do
arsenal de caretas, trejeitos e exibicionismos verbais de que lance
mão.
Assim,
cada aparição do "maestro epilético" (apud
Emerson Luis) é sempre
impregnada da tragédia de sua trajetória, de pensador exuberante e
cineasta talentoso, cultuado e respeitado pelos que hoje o abominam,
a triste palhaço da direita, cada vez mais previsível e
monotemático – e, portanto, cada vez mais anacrônico -,
sobrevivendo das sobras que a carcomida plutocracia midiática de
quando em quando lhe atira.
Happening
e vácuo cultural
Divulgadas
hoje, as reiteradas declarações de Lobão contra os guerrilheiros
que lutaram contra a ditadura e os receptores de indenização pelos
crimes cometidos pelo Estado ditatorial inserem-se na mesma lógica
do jornalismo neocon,
agora deslocada para uma atividade marqueteira na área cultural.
Historicamente não se sustentam e, de tão absurdas e descoladas da
realidade que são, não se credenciam – e nunca o farão, mesmo
porque não é este o objetivo - para ser levadas a sério.
Tal
estratagema só é bem-sucedido, é bem verdade, graças à soma de
problemas estruturais do setor com as atuais fragilidades da área
cultural, estas ditadas, em sua maioria, pela posição extremamente
periférica que a cultura voltou a ocupar na agenda federal desde o
início do governo Dilma e da recusa deste em assumir uma postura
ativa, liberta das amarras ditadas pelos resquícios do
neoliberalismo como orientador de políticas culturais no Brasil –
do qual o modo de funcionamento das leis de incentivo que ora são o
sustentáculo da quase totalidade da atividade cultural atual é o
maior exemplo.
"Falem
mal, mas falem de mim"
Seja
como for, as declarações estapafúrdias e caricaturalmente
conservadoras – além de, no caso, agressivas à verdade histórica
e aos Direitos Humanos - provocam o happening e,
daí, a repercussão desejada, cumprindo sua função de
auto-divulgação pessoal através do escândalo.
Trata-se
de um truque do qual, na música brasileira, o tropicalista Caetano
Veloso é fundador e mestre, e cuja maestria ao praticá-lo só
rivaliza com seu talento como compositor e cantor – mas este
quesito, o talento, ainda que sempre o tivesse em doses bem mais
modestas, Lobão deixou de exibir, na melhor das hipóteses, no
início dos anos 90. E lá se vão duas décadas em que o ex-enfant
terrible do rock nacional
"sumiu", tornando-se um desconhecido para as novas
gerações, que agora ele tenta conquistar com truques de marketing
neocon.
Disputa
acirrada
De
lá para cá, portanto e para tanto, virou isso: piadinhas sobre os
torturadores "que só arrancaram uma unhazinhas"; o
escândalo fácil buscado, com agressividade e desrespeito pela
vontade popular, a cada entrevista; o talento, decadente, reprimido
sobre uma pesada carga de inautenticidade voltada a agradar a mídia
corporativa.
Esta
última característica é um denominador comum entre Lobão, Arnaldo Jabor
e Marcelo Tas – o trio midiático que disputa com avidez, palmo a palmo, o
cargo de bobo da corte da direita derrotada.
(Imagem retirada daqui)
4 comentários:
Melhor descrição possível e imaginável já feita do ex-cineasta. Sempre me perguntei: o que foi que o levou a abandonar uma bela carreira por trás das câmeras, para exercer esse papel lamentável?
Senti que o autor do texto também tem sérias restrições à política cultural do Governo Lula-Dilma. Então o autor concorda pelo menos neste ponto com Lobão, que é o tipo de sujeito que mistura absurdos (como a história das unhazinhas) com verdades e arremessa tudo junto pra ver se as verdades legitimam os absurdos. Sem sucesso.
De fato, a política cultural do Governo Lula-Dilma está toda errada. Como também estava a do Governo FHC. Aí aparecem os aproveitadores. Até os outrora punks da Plebe Rude já gravaram CDs com patrocínio da Petrobrás, do Governo Federal e do GDF já na Era Agnelo Queiroz!
Bom texto, camarada.
O interessante é que de tanto questionar a postura extravagante de Caetano Veloso, exibicionista como ele só, Lobão parece estar seguindo a trilha outrora traçada pelo baiano!
Nada como um dia após o outro...
Melhor análise impossível.
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