Hoje o blog faz três
anos. A pretexto de celebrar a data, este post traz uma reflexão
sobre a blogosfera e a atividade política nas redes sociais nesse
período.
O Cinema & Outras Artes nasceu no bojo das manifestações contra a Folha
de S. Paulo por ter empregado o neologismo “ditabranda” para
se referir ao período militar e, em seguida, agredido covarde e
seguidamente os professores Fábio Konder Comparato e Maria Victoria
Benevides, que ousaram protestar em cartas ao jornal.
O episódio acabou por
constituir um momento marcante, um ponto de inflexão das relações
entre público e imprensa no país. Pois até ali, malgrado o peso
determinante que os interesses empresariais e políticos sempre
exerceram na atuação e na orientação editorial das publicações
brasileiras, algumas destas – a Folha, notadamente – ainda
vinham sendo relativamente bem-sucedidas em vender uma imagem de
pluralismo e de ao menos um esforço de imparcialidade.
Depois da “ditabranda”.
da publicação de uma ficha policial falsa da candidata Dilma na
capa de uma edição dominical e de demais episódios eticamente
deploráveis – as acusações alopradas de um Cesinha, o factoide
Lina Vieira, entre outros - a máscara caiu de vez. Houve uma
debandada de assinantes, a imagem do jornal ficou seriamente
arranhada, vozes informadas de ex-leitores – entre eles vários
antigos colaboradores - passaram a criticá-lo reiteradamente e
aquela aura que a Folha cultivara desde as reformas
implementadas por Claudio Abramo nos anos 70 – e que atingiu o
ápice nas campanhas pelas Diretas Já - se desfez.
Política versus Cinema
Foi justamente após
voltar do protesto organizado por Eduardo Guimarães em frente ao
prédio do jornal, na alameda Barão de Limeira, que a decisão de
fazer o blog foi concretizada. Procurando por imagens do evento,
deparei-me com o também recém-criado O Descurvo, de Hugo
Albuquerque (que, creio, foi o primeiro leitor do Cinema & Outras
Artes – e primeiro comentarista assíduo). Logo no início, quando
mais um blog perdido na imensidão da blogosfera parecia fadado a ser
completamente ignorado, ele desempenhou o papel de um grande
incentivador e deu dicas preciosas ao neófito inseguro ante o
indecifrável “informatiquês”.
A intenção sempre foi
a de que fosse um blog com conteúdo original, principalmente
análises com algum grau de profundidade – o que certamente
restringiria o público, mais acostumado, à época, de modo geral, a
blogs com textos curtos, muitas vezes com humor ou relatos pessoais.
Como o próprio título evidencia, cinema deveria ser o assunto
principal. A política já estava entre os interesses secundários
(como se pode ver no cabeçalho do blog, que é o mesmo desde aquela
época), mas acabou predominando – um pouco porque a feitura do
blog coincidiu com um período profissional em que me afastei do
cinema e me reaproximei do jornalismo e das salas de aula; outro
tanto porque acabei embarcando nos embates políticos que tiveram
lugar na internet, no bojo da campanha presidencial, e tomei gosto
pela coisa.
Ao completar três anos
e fazer este balanço, chego à conclusão de que, no Brasil, em
relação à blogosfera, houve avanços, digamos, institucionais, mas
estes têm tido um ritmo bem menor do que inicialmente eu supunha.
Por exemplo, nos primeiros meses, enquanto começava a fazer este
blog, era também colaborador do Observatório da Imprensa. No
veículo criado por Alberto Dines - em que a maior parte dos artigos
versava, naturalmente, sobre a mídia convencional - eu tinha a
preocupação de chamar a atenção dos leitores para a diversidade,
a qualidade e a importância que a blogosfera e as redes sociais
vinham adquirindo em relação ao jornalismo. Isso acabou por me
obrigar a olhar a blogosfera “de fora”, de uma maneira mais ampla
e mais crítica.
Avanços necessários
Estimulado por essas
reflexões, publiquei alguns textos em que argumentava, por exemplo,
a favor da urgente constituição de uma rede de advogados para
proteger os blogueiros de processos oportunistas (uma tática
coercitiva que vem sendo empregada, de forma pontual, em alguns
estados brasileiros – e que é uma ameaça concreta em cada período
eleitoral), ou ressaltando a necessidade de a blogosfera superar a
crítica de mídia e investir na produção de material jornalístico original – sobretudo reportagens (uma necessidade que é
reconhecida há tempos por alguns dos principais blogueiros, mas, com
a alegação de dificuldades operacionais, dificilmente levada a
cabo, mesmo porque remete a - e deriva de - um problema recorrente
nas redes sociais, que é a excessiva dependência da TV. O Twitter,
por exemplo, tem, eventualmente, pautado a mídia. Mas há muitos
dias ali que a impressão que fica é de que se trata de uma aplicação
para comentários televisivos e não de uma tremenda ferramenta
comunicacional, particularmente revelante para o jornalismo).
Outra questão premente
diz respeito à sustentabilidade econômica dos blogs, pois, desculpe
informar, leitor(a), mas esse papo da direitona – e agora também de uma
certa dita esquerda – de que o governo nos sustenta é mentira. A
blogosfera pode até continuar forte e com algum grau de renovação
por muito tempo devido ao voluntarismo de cidadãos e cidadãs
motivados, mas, do ponto de vista estrutural, o que asseguraria
prosseguimento e estimularia melhoria de qualidade da atividade
blogueira seria a obtenção de meios para que ao menos um bom número
de blogueiros pudesse se sustentar através de tal
atividade.
Trata-se de questões
que vêm sendo encaminhadas, é certo – e o fato de fóruns como o
#blogprog servirem para articular e fazer andar tais discussões é um
dos motivos que me levam a vê-lo sob uma luz positiva -, mas não tratadas com a velocidade, a efetividade e a divulgação necessárias.
Via de duas mãos
Uma outra questão que,
na minha opinião e na de vários blogueiros que conheço, precisa
ser urgentemente atacada é a hegemonia excessiva de blogs
consagrados e a manutenção, numa zona de sombra, de uma série de
blogs que têm, há tempos, se esforçado para produzir com
regularidade material original e crítico. Chega a ser enjoativo o
quanto se vê sempre os mesmos blogueiros sendo convidados para
eventos e para representar a “classe”. É preciso renovar.
Uma renovação seria
benéfica a todos e fortaleceria a blogosfera como um todo. Os
encontros de blogueiros (e, nestes, a composição das mesas) são um
dos meios para levar a cabo tal tarefa, mas é preciso que mais
blogueiros de renome sigam o exemplo dos seus pares que abrem espaço
e republicam (ou divulgam nas redes sociais) posts de autores menos
conhecidos, pois há uma queixa crescente – e a meu ver justificada -
contra blogueiros de ponta que, embora sejam, há tempos, exaustivamente citados, jamais lincam ou indicam posts que
não sejam de sua própria autoria,.
Mudanças bruscas
Nesses três anos, o
cenário da blogosfera mudou muito. Duas mudanças foram (ou têm
sido) marcantes. A primeira é a diminuição brusca do número de
comentários que passou a acontecer tão logo as redes sociais (o
Facebook e o Twitter, notadamente) se firmaram como o local de debate
por excelência. Por mais que um post seja nelas debatido, a escassez
de comentários teve - e tem - uma ação psicológica desestimulante em mim.
Como disse alguém, o comentário é o alimento do blogueiro.
A segunda mudança,
mais recente e muito mais relevante, deriva da própria relação
entre blogosfera e política: finda a eleição presidencial, a ação
conjunta empreendida pela maior parte dos blogs de esquerda (mesmo
dos que não apoiaram no primeiro turno a candidatura petista) se
desfez. Deu lugar, inicialmente, ao questionamento dos rumos do
governo Dilma (questionamento o qual, aqui neste blog, começou cedo,
no segundo mês de governo, quanto publiquei um post intitulado
“Primavera digital chega ao fim”, que acabou republicado em
diversos outros locais e gerou bastante polêmica). Nele manifestava minha frustração ao constatar que o o governo Dilma não só não aprofundaria o modelo neo-keynesiano adotado por Lula dois anos e meio antes, mas promoveria um retorno a parâmetros neoliberais – o que, infelizmente, se confirmou indubitavelmente nos meses seguintes, com a obsessão com o déficit nominal zero, a privatização dos aeroportos e, mais grave, da aposentadoria dos servidores públicos. Agora cogita-se o impensável: a alteração das leis trabalhistas.
A união verificada durante os embates eleitorais estava, é certo, fadada a se esvair – e, de certa maneira, é positivo que tal tenha ocorrido, permitindo um debate mais nuançado e diversificado. Em relação ao Cinema & Outras Artes, isso permitiu – para decepção de uns e contentamento de outros – deixar claro que não se tratava de um órgão político petista, como a alguns por momentos pareceu (o que me levaria a rir muito quando tomei ciência disso), mas de um blog de jornalismo que defende certas princípios de esquerda, não abdicando, no entanto, de criticar – ou mesmo de renegar, a depender dos desdobramentos futuros – o governo o qual pareceu melhor representar tais princípios.
A união verificada durante os embates eleitorais estava, é certo, fadada a se esvair – e, de certa maneira, é positivo que tal tenha ocorrido, permitindo um debate mais nuançado e diversificado. Em relação ao Cinema & Outras Artes, isso permitiu – para decepção de uns e contentamento de outros – deixar claro que não se tratava de um órgão político petista, como a alguns por momentos pareceu (o que me levaria a rir muito quando tomei ciência disso), mas de um blog de jornalismo que defende certas princípios de esquerda, não abdicando, no entanto, de criticar – ou mesmo de renegar, a depender dos desdobramentos futuros – o governo o qual pareceu melhor representar tais princípios.
Tríplice fronteira
Embora, a rigor, alguma
gradação possa ser observada, poderíamos, a título de
esquematização e inevitavelmente recorrendo a generalizações,
dividir a blogosfera de esquerda, hoje, em três grandes grupos. Um,
já citado através da menção ao próprio Cinema..., é o dos blogs que
mantêm um apoio crítico à aliança e ao governo comandados pelo
PT.
Outro, mais homogêneo,
é formado por blogs que continuaram a apoiar incondicionalmente o
governo Dilma, faça o que ele fizer – o que, como já coloquei em
um post recente, acaba, na minha opinião, por enfraquecer o poder da
blogosfera de pressioná-lo a honrar os compromissos assumidos nas
eleições e faz coincidir as posições de tais blogueiros com as da grande mídia no que
tange ao apoio à primazia que o governo concede ao mercado e à
adoção de algumas das principais premissas neoliberais.
Um terceiro e último
grupo seria formado por blogueiros de esquerda que, por convicção
anterior ou decepção posterior, recusam e combatem a aliança
petista. É, talvez, o mais heterogêneo dos grupos, reunindo
apoiadores dos pequenos partidos, entusiastas da figura
de Marina Silva, ecologistas decepcionados com o modelo de
desenvolvimento e com Belo Monte, além de críticos
avulsos.
Penso que a
interlocução seria mais fluida e a própria ação política bem
mais proveitosa se não se tivesse formado esse quadro quase
estanque e essas “igrejinhas” fechadas em si mesmas. Mas não
chega a causar estranheza e não é, de forma alguma, um fenômeno
circunscrito à blogosfera brasileira – ele diz respeito, um tanto,
à própria natureza humana, e, muito, à atual conformação do campo político
no país.
O que extrapola o campo do polemismo civilizado é um coletivo que se diz de esquerda publicar um texto apócrifo com
graves e não comprovadas acusações pessoais e ilustrá-lo com a
foto de uma blogueira cujo principal capital é a credibilidade que
levou anos para construir. Se essa tal esquerda se satisfaz com
argumentações a la Augusto Nunes e táticas pessoais desqualificadoras à moda de Veja, problema dela. Mas com
acusações sem prova em textos não assinados ela sai do campo do
debate democrático para o da calúnia anônima.
Por que blogar?
Durante todo esse
tempo, uma questão tem aparecido, intermitente: por que manter um
blog? Por que dedicar tempo, pesquisar, lutar com as palavras (“a
luta mais vã”, segundo Drummond), revisar, se irritar com a
tecnologia e seu instável humor, monitorar e responder os
comentários? O que nos move a fazer tudo isso, sem receber um mísero
real em troca? Nunca consegui responder satisfatoriamente essa
questão. Atualmente, a resposta, além do compromisso com os
leitores e leitoras que seguem o blog, une uma mistura de desejo de
incentivar o debate e de exercer, de alguma forma, a participação
política para além do momento de digitar o voto na urna. Mas ela
varia de tempos em tempos.
Por fim, há a questão
do estímulo e da perda de estímulo. Competindo com outras tarefas,
em sua maioria remuneradas, e com os prazos sempre curtos por estas
determinados, o blog acaba ficando meio de lado em épocas em que se
acumulam muitos trabalhos (como no segundo semestre do ano passado).
Mais relevante do que isso, há o fator psicológico, que é
recorrente: há, de tempos em tempos, períodos de profundo desânimo,
em que postar parece uma atividade banal e em que a pouca repercussão
soa como um sinal a mais a confirmar a inutilidade do blog. Nessas épocas é
sempre custoso escrever, não se acha assunto, o texto não avança
ou só o faz penosamente. Isso ocorreu, uma vez mais, há uns dois
meses. E eu estive a ponto de parar.
Daí, de repente, vem
uma vontade de escrever, os assuntos brotam, o texto flui de um modo
tal que é preciso refreá-lo no córtex cerebral para que as ideias
não escapem. Até quando esse estímulo súbito vencerá o desânimo?
Sinceramente não sei, mas acredito que é justamente do produto da
mediação entre a ânsia pela escrita e a satisfação de ver o
texto pronto – e, assim, tomar parte, mínima que seja, no ente
comunicacional publicamente efetivo que é hoje a blogosfera
brasileira – que é gerado o impulso que toca o blog para frente. Aos que embarcaram na viagem comigo, muito obrigado.
(Imagem retirada daqui)
4 comentários:
Caleiro,
Uma coincidência nos une, naquela manifestação na Folha também decidir blogar,demorei mais uns 8 meses para efetivar o desejo.
Durante este tempo temos tido aproximações e discordâncias, o que para mim é natural, o que nos distingue é a lealdade de quando polemizamos, o que nem sempre é fato na blogesfera.
Parabéns, continue, vale a pena, sei o quanto é doloroso muitas vezes publicar e não se obter respostas, ou um aparente silêncio.
Sou um crítico feroz deste tipo de "representação natural" de blogueiros nos eventos, criamos nossos "capas", o mais do mesmo, que raramente expressa a diversidade do que somos.
A pouca, ou nenhuma democracia do blogs "maiores" ou blogueiros estrelados que amam ser referenciados, jamais dão o mesmo tratamento aos outros, criando uma "casta" de péssimo gosto, reproduz um PIG do B, tão ruim quanto o principal.
Sobre as três posições, não tenho acordo, existem muito mais, nem sempre quem apoia o governo,defende a mesma política, falo por mim, mas ao mesmo tempo não acho espaço real e ideal de apresentar divergências sem ser confundido com a ultra, enfim existe mais coisa entre o céu e a terra...
Abraços
Obrigado, Arnobio.
De fato, temos tido afinidades e desentendimentos, mas sempre com respeito mútuo.
A divisão dos blogs apresentada é só um esqueminha ilustrativo, nada mais, concordo que há muita gradação.
Vaçleu pelo incentivo.
Um abraço,
Maurício.
Parabéns pelos três anos de ponderações, análises, bom senso, caminhos, fora a paixão pelo cinema que é o forte do blog, um espaço onde venta livre a urgência pela verdade.
Abraços.
Puebla
Obrigado, Puebla!
Tuas palavras me emocionaram.
Um abração,
Maurício.
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