“Dilma está vivendo
seu melhor momento”, escreve hoje em seu blog o jornalista Luís
Nassif. Confesso que fiquei atônito após ler a afirmação, tão
peremptória, justamente num momento em que a decepção com o
governo Dilma é intensa em diversas frentes, transborda na internet e tem provocado
manifestações reiteradas de repúdio e desaprovação, notadamente
entre pessoas de esquerda e de centro-esquerda que apoiaram sua
eleição.
Há queixas sérias
contra diversas áreas da administração. A insatisfação do setor cultural com o MinC se expressa em um abaixo-assinado com seis mil
assinaturas, encabeçado por Marilena Chaui - que não pode ser "acusada" de oposicionista - e outro por Fernanda Montenegro, com cerca
de duas mil. A crise na cultura, que é das mais graves já
vivenciadas pelo ministério, está, por sua vez, diretamente ligada
ao retrocesso no Plano Nacional de Banda Larga (PNBD), que na campanha foi
vendido como o projeto que democratizaria a internet de amplo
espectro no Brasil e, a despeito da inicialmente promissora gestão
de Paulo Bernardo, acabou relegado pelos governo às teles - e sem
sequer submetê-las a um meio efetivo de controle e avaliação do
serviço prestado.
As centrais sindicais,
em sua maioria, estão longe de manter com a atual mandatária os
fortes e amigáveis elos que tinham com Lula e têm dado, cada vez
mais, sinais de profundo descontentamento, acirrado pela perspectiva de desoneração da folha de pagamentos, pela manutenção da precarização de determinados setores e pela orientação neoliberal verificada na privatização dos aeroportos e da previdência dos servidores públicos. Após um ano caracterizado pela falta de diálogo
com o Executivo, a reunião
da presidenta com as seis principais centrais sindicais gerou
frustração e receios.
Promessas vãs
A promessa feita na
campanha e reiterada no discurso de posse de que a Educação seria
área prioritária do governo não passa, até o momento, de uma
declaração vazia. Nas 17 universidades federais criadas pela gestão
Lula há, além do déficit de livros nas bibliotecas, um contingente
enorme de alunos tendo aulas com professores temporários – sem
titulação e com salários aviltantes – pois, ao contrário do que
fora pela candidata Dilma sugerido, o governo não tem autorizado
concursos para a contratação de professores com a devida titulação
e estabilidade empregatícia. Além disso, as bolsas de estudo e os salários dos professores, há tempos congelados, sofrem grande corrosão e, se mal garantem a subsistência dos primeiros, estão muito aquém do nível de formação e atuação demandados dos segundos.
A Saúde é outra área
social em que, nas palavras de Ana Maria Costa, médica e presidente
do Cebes (Centro Brasileiro de Estudos em Saúde), a atuação do Executivo não corresponde à “expectativa de prioridade (...) prometida no discurso do
Governo e no anseio da população”. Tal resultado se dá graças ao bem-sucedido
esforço governamental para derrubar o projeto que obrigaria a União
a fazer um aporte anual de 10% da receita bruta à Saúde e a um
expressivo corte de R$5,4 bilhões na área (o maior de todos os
cortes derivados do contingenciamento do orçamento federal). Como se
não bastasse, um manifesto assinado por algumas das principais ONGs
ligadas ao combate e tratamento da AIDS denuncia que “Governo Dilma
coloca controle social da AIDS em risco de extinção”.
Mas talvez a área que
esteja causando as mais enfáticas reações de descontentamento em
relação ao governo Dilma Rousseff seja a dos Direitos Humanos,
notadamente no que concerne a políticas voltadas para as questões
de gênero. Além da inexplicável demora em nomear os componentes da
Comissão da Verdade – o que só tem feito acirrar a inquietação
de setores militares -, o viés policialesco de uma política de
controle da natalidade que queria impor um cadastro de gestantes (só alterado pela ação de parte da bancada feminina), concepções retrógradas do que sejam políticas contemporâneas de saúde da mulher e a negligência que ora marca o tratamento dispensado a questões defendidas pelos setores LGBT têm gerado protestos enfáticos dos defensores de uma política de gênero que se coadune
com o tempo em que vivemos e com um governo que se anunciou, à época
das eleições, como de centro-esquerda.
Clima de perplexidade
Tudo isso tem deixado
um grupo significativo de eleitores do governo perplexo, se
perguntando o porquê de se estar regredindo tanto em relação às
políticas do governo Lula para as áreas citadas, quando o voto
depositado em Dilma presumia que fossem aperfeiçoadas e
aprofundadas. Nesse processo, as manifestações não se limitam
mais a protestos passivos, mas já tomam - e com frequência cada vez
mais evidente - a forma de dissidência, eventualmente chegando a incluir
declarações mais pesadas, como a de estelionato eleitoral.
A afirmação feita por
Nassif se fia, no entanto, na aprovação recorde que Dilma tem nas
pesquisas de opinião e no atual esforço da presidenta para, por um
lado, “desmontar a armadilha do câmbio e dos juros” e “reerguer
a indústria de transformação nacional”, e, por outro lado, pela
tentativa de moralização das relações políticas em âmbito
federal, através do qual ela busca “instituir relacionamento
republicano entre partidos, acabando com as barganhas e a apropriação
da máquina pública pelos interesses partidários”. Trata-se de
dois desafios, e de duas tarefas que só começam a tomar forma – e
é precisamente sobre o potencial e perigos a elas inerentes que
Nassif tece sua análise.
Choque de gestão?
Porém, ao limitar-se
tão somente à economia e à política institucional para afirmar
categoricamente que a presidenta passa pelo seu melhor momento, ele
acaba por reproduzir, no âmbito da análise política, uma prática na qual o próprio governo Dilma é reiteradamente acusado de
incorrer, ou seja, a prioridade obsessiva, quase exclusiva, à gestão da economia e às relações políticas institucionais
e a negligência ou pouca atenção para com áreas específicas, socialmente relevantes e que são prioritárias para revelantes estratos da sociedade.
Que as pesquisas de
opinião sugiram, por ora, que a insatisfação de tais
grupos não esteja se refletindo nos índices de aprovação de Dilma
é um dado significativo, mas que de forma alguma anula ou esmorece a
validade das causas defendidos pelos descontentes. Mesmo porque há
indícios fortes de que a manutenção em altas bases da aprovação
presidencial tem sido garantida, a despeito dos muitos insatisfeitos,
justamente porque o economicismo - de tiques neoliberais - que a tudo
suplanta, a bandeira da moralização das relações políticas e o
atendimento a demandas de setores religiosos têm satisfeito parcelas
do eleitorado conservador – o qual não permite assegurar que a
aprovação de hoje venha a se transformar no voto de amanhã, quando
as eleições majoritárias vierem, e com elas um candidato mais modelado ao gosto do conservadorismo nativo.
Já a grande maioria
dos cidadãos hoje insatisfeitos votou em Dilma e certamente tornaria a
fazê-lo se o governo desta estivesse dando um ordenamento
progressista e consoante ao discurso eleitoral à gestão da cultura,
da educação, das relações trabalhistas, das questões de gênero
e dos direitos humanos.
P.S.
Antes que a
análise aqui esboçada seja utilizada com má fé, como utensílio
para intrigas paroquiais ora comuns à arena virtual, cabe ressalvar
que não apenas respeito como tenho uma profunda admiração por Luís
Nassif, seja pela sua seriedade e equilíbrio como jornalista ou pela
coragem com que pulou fora da mídia corporativa e, há tempos,
comanda um blog que se tornou uma inspiração e referência para
quem procura conteúdo noticioso diversificado e confiável, crítica
de mídia e boas análises de política e economia. O intuito, aqui,
não é atacar ninguém, mas simplesmente incentivar o debate.
3 comentários:
OI Maurício, parabéns pelo texto,
Gostaria de tecer apenas algumas considerações a respeito:
1) Privatização dos aeroportos: Creio que a discussão entre concessão e privatização é falsa e tenho muitas críticas ao modelo de privatização adotado pelos Tucanos. O fato é que, acompanhando o assunto desde o início de 2010, nota-se que a Infraero simplesmente não consegue assumir compromissos assumidos no PAC e Dilma, desde os tempos da Casa Civil já cobrava e muito a estatal.
2) Previdência dos servidores: Eu sinceramente não entendi este ponto. A Petrobras e o BB através da Petros e da Previ têm seus fundos de pensão que aliás asseguram não só que as merecidas aposentadorias dos servidores públicos sejam pagas, mas também um caminhão de dinheiro para investimento em infraestrutura no Brasil. Previdência complementar não é neoliberalismo.
3) Desoneração da folha: creio que aqui houve um pequeno engano. Dilma fala em desoneração da folha para os empresários. É uma medida neoliberal? Talvez. O fato é que deste ponto de vista, os direitos dos trabalhadores continuam os mesmos. Houve boatos sobre mudanças na CLT (que sou contra), mas a própria Dilma já os refutou.
Eu discordo de várias posições da Dilma, mas o mesmo pessoal que cobra por ela ter colocado o Crivella, não a suporta quando ela peitou e peita o PMDB. Assim como peito não só o Ricardo Teixeira e a base parlamentar que o suportava.Creio também que algumas posições dela com relação aos homoafetivos foram equivocadas mas acho injusto colocar no colo toda a culpa.
Ademais, o STF tem garantido a extensão dos direitos ao homoafetivos.Pode parecer pouco e, de fato, muita coisa precisa ser feita neste campo.
Na educação e saúde também concordo, embora na educação eu veja alguns sinais de alento como o programa de bolsas no exterior, concordo que falta uma política de longo prazo. Não estou a par dos problemas estruturais das universidades (por ignorância mesmo), mas se ele existem devem ser sanados o mais rápido possível.
Para finalizar, creio que faltam às análises mais ácidas (e ótimas como a sua) um contexto maior. Embora a popularidade de Dilma esteja alta, temos problemas econômicos sérios, advindos do famoso tsunami monetário e pelo perfil técnico da Presidenta, eu sou capaz de apostar com você um filme do Dizga Vertov que ela só tem olhos para isso hoje. É um defeito? Sim. Mas se a economia não funcionar, todas as outras conquistas estarão ameaçadas.
Um forte abraço e muito obrigado pela amizade. Sou seu fã.
Alexandre Bueno (@xandebueno)
Alexandre,
Agradeço o comentário.
Quanto à previdência dos servidores, acabou-se com o direito adquirido a aposentadoria com salário integral. Agora, só com aumento na contribuição.
Em relação à desoneração da folha, não vejo como você possa afirmar que os direitos dos trabalhadores continuariam os mesmos. Não é isso que Mantega tem dado a entender e que os sindicatos temem, mesmo porque não há garantias de que a CLT não será afetada.
Um abraço,
Maurício.
Não votaram na Dilma? Agora aguentem. Eu avisei que ela não seria muito diferente do Serra.
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