A governabilidade, no sistema político brasileiro, pluripartidário e em grande medida dependente das casas legislativas – de um modo tal que há cientistas políticos que falam em “presidencialismo parlamentarista” - praticamente impõe a costura de alianças cuja elasticidade, via de regra, extrapola consideravelmente a faixa do espectro político no qual o partido vencedor das eleições se situa.
A experiência histórica demonstra que a recusa na composição de alianças mais abrangentes tende a reduzir dramaticamente o raio de ação do governante ou mesmo engessá-lo. O caso mais grave talvez seja o da presidência Jânio Quadros – abortada por fatos que decorrem diretamente de sua reação ao sentir-se manietado por não gozar de maioria no Congresso. Ainda hoje, em que pese o recurso (muitas vezes abusivo) a medidas provisórias, sem tal maioria, conquistada nas urnas ou atingida eventualmente por meio de conchavos, o presidente corre o risco de se tornar presa do parlamento e incapaz de imprimir uma marca à sua administração.
Trata-se, como ora reconhecido internacionalmente, de uma notável realização social, inconcebível e alegadamente inexequível há pouco mais de uma década, e que por si só evidencia a falácia dos que - à direita e à esquerda - se recusam a ver diferenças entre a administração petista e a peessedebista que a precedeu.
Em entrevista ao Estadão, o pré-candidato do PT à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, disserta precisamente sobre os pontos acima referidos, sublinhando a importância da composição de alianças no modelo pluripartidário em voga, ressaltando as conquistas socioeconômicas da aliança federal capitaneada pelo PT e - inquirido sobre a possível aproximação com Kassab - afirmando que o fundamental é que “alianças tem que ser pautadas de tal maneira a não comprometer o objetivo do processo”.
Ora, inexiste denominador comum programático entre PT e Kassab (como, aliás, salienta o Diretório Municipal do PT/SP); tal aliança significa algo entre a abdicação de uma plataforma expressamente político-ideológica e sua revisão conservadora, e uma questão fundamental se coloca: que avanço político-ideológico se pode esperar da aliança com uma figura que se caracterizou, à frente da Prefeitura, pela promoção, em pleno século XXI, de políticas eugenistas, por atuar como coadjuvante do PSDB na promoção da violência oficial contra os cidadãos, pela agressividade no trato com os críticos, pela negligência das demandas sociais e pela pusilanimidade oportunista (“PSD não será de direita, não será de esquerda, nem de centro”)?
Fiar-se tão-somente em uma pragmática de resultados, negligenciando os princípios éticos, como ora fazem Haddad e setores do PT, pode mostrar-se ou não eleitoralmente danoso – mas, o que é certo e muito mais grave, deve colaborar para agravar o esvaziamento ideológico de nossa sociedade e para corroborar, com o carimbo de um partido tido como de centro-esquerda e de massas, para a corroboração da tipificação do universo da política como amoral ou mesmo perverso.
O pragmatismo – administrativo ou eleitoral - tem sido, até o momento, a única resposta que setores de militância petista tem dado a críticas consistentes em relação a medidas como a privatização dos aeroportos e o namoro do PT paulista com Kassab – críticas estas advindas de militantes, aliados, ex-aliados e do próprio campo da esquerda. Essa recusa insolente pode cobrar um preço alto: a questão, aqui, não é se um eventual pacto com Kassab vai ou não fazer com que a aliança comandada pelo partido vença as eleições – o que pode até acontecer -, mas os flancos que o partido está abrindo, a curto e médio prazo, ao renunciar a bandeiras históricas e ao ameaçar aliar-se com quem até ontem representava o antipetismo. No mínimo, perderá quadros valiosos, como já vem acontecendo.
Mas mesmo o pragmatismo que tem marcado o debate tem prestado pouca atenção a duas questões fundamentais, com as quais o eleitor vai se defrontar caso se efetive a aliança com Kassab:
A experiência histórica demonstra que a recusa na composição de alianças mais abrangentes tende a reduzir dramaticamente o raio de ação do governante ou mesmo engessá-lo. O caso mais grave talvez seja o da presidência Jânio Quadros – abortada por fatos que decorrem diretamente de sua reação ao sentir-se manietado por não gozar de maioria no Congresso. Ainda hoje, em que pese o recurso (muitas vezes abusivo) a medidas provisórias, sem tal maioria, conquistada nas urnas ou atingida eventualmente por meio de conchavos, o presidente corre o risco de se tornar presa do parlamento e incapaz de imprimir uma marca à sua administração.
Salto social
É dentro dessa lógica inescapável que se situa a aliança, em âmbito federal, comandada pelo PT, a qual teve lugar com a primeira presidência Lula. Por mais que nela a muitos cause repulsa a presença de velhos coronéis da política – cujo símbolo máximo é José Sarney -, ilude-se quem acha que sem o apoio parlamentar do PMDB e dos demais partidos que compõem com o governo teriam sido efetivadas as principais políticas que deram uma cara nova ao país na última década, notadamente as grandes reformas sociais operadas por tal aliança, por meio das quais quase 40 milhões de cidadãos e cidadãs deixaram a pobreza e a miséria foi substancialmente reduzida, com perspectiva de ser erradicada no curto prazo. Trata-se, como ora reconhecido internacionalmente, de uma notável realização social, inconcebível e alegadamente inexequível há pouco mais de uma década, e que por si só evidencia a falácia dos que - à direita e à esquerda - se recusam a ver diferenças entre a administração petista e a peessedebista que a precedeu.
Em entrevista ao Estadão, o pré-candidato do PT à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, disserta precisamente sobre os pontos acima referidos, sublinhando a importância da composição de alianças no modelo pluripartidário em voga, ressaltando as conquistas socioeconômicas da aliança federal capitaneada pelo PT e - inquirido sobre a possível aproximação com Kassab - afirmando que o fundamental é que “alianças tem que ser pautadas de tal maneira a não comprometer o objetivo do processo”.
Excesso de pragmatismo
Trata-se de uma meia-verdade. Pois os limites entre as necessidades ditadas pela realpolitik e a possibilidade de perda da identidade político-ideológica podem vir a ser muito tênues. O próprio Gramsci, principal teórico da questão da hegemonia, embora defensor, a priori, da constituição de alianças, não só as condiciona à existência, mínima que seja, de um denominador comum programático e à manutenção da possibilidade de realização de políticas que levem ao menos a um avanço em direção aos objetivos políticos originais, mas sublinha a importância crucial de se avançar em termos político-ideológicos.Ora, inexiste denominador comum programático entre PT e Kassab (como, aliás, salienta o Diretório Municipal do PT/SP); tal aliança significa algo entre a abdicação de uma plataforma expressamente político-ideológica e sua revisão conservadora, e uma questão fundamental se coloca: que avanço político-ideológico se pode esperar da aliança com uma figura que se caracterizou, à frente da Prefeitura, pela promoção, em pleno século XXI, de políticas eugenistas, por atuar como coadjuvante do PSDB na promoção da violência oficial contra os cidadãos, pela agressividade no trato com os críticos, pela negligência das demandas sociais e pela pusilanimidade oportunista (“PSD não será de direita, não será de esquerda, nem de centro”)?
Fiar-se tão-somente em uma pragmática de resultados, negligenciando os princípios éticos, como ora fazem Haddad e setores do PT, pode mostrar-se ou não eleitoralmente danoso – mas, o que é certo e muito mais grave, deve colaborar para agravar o esvaziamento ideológico de nossa sociedade e para corroborar, com o carimbo de um partido tido como de centro-esquerda e de massas, para a corroboração da tipificação do universo da política como amoral ou mesmo perverso.
Questões para o futuro
O menosprezo à ideologia é hoje palpável não só no alto comando mas entre a militância petista – e é, na modesta opinião deste blogueiro, a mais perigosa das ameaças ao futuro do partido. O pragmatismo – administrativo ou eleitoral - tem sido, até o momento, a única resposta que setores de militância petista tem dado a críticas consistentes em relação a medidas como a privatização dos aeroportos e o namoro do PT paulista com Kassab – críticas estas advindas de militantes, aliados, ex-aliados e do próprio campo da esquerda. Essa recusa insolente pode cobrar um preço alto: a questão, aqui, não é se um eventual pacto com Kassab vai ou não fazer com que a aliança comandada pelo partido vença as eleições – o que pode até acontecer -, mas os flancos que o partido está abrindo, a curto e médio prazo, ao renunciar a bandeiras históricas e ao ameaçar aliar-se com quem até ontem representava o antipetismo. No mínimo, perderá quadros valiosos, como já vem acontecendo.
Mas mesmo o pragmatismo que tem marcado o debate tem prestado pouca atenção a duas questões fundamentais, com as quais o eleitor vai se defrontar caso se efetive a aliança com Kassab:
1) Se o PT quer se apresentar, na capital paulista, como uma alternativa ao demotucanato, como fazê-lo se aliando justamente a uma figura política que ven sendo, por muito tempo e até ontem de manhã, um dos símbolos da hegemonia demotucana em São Paulo e de muito do que o PT combate?
2) Qual o limite, para a centro-esquerda, de relativização dos valores éticos e ideológicos, e a partir de que ponto, ao adotar esse relativismo, ela mimetiza valores conservadores, os relativiza enquanto tais, e com o conservadorismo se confunde?
(Foto retirada daqui)
Um comentário:
Concordo 100% com você,Maurício.. o artigo está espetacular! Fico muito triste com as escolhas que o PT vêm fazendo em função deste pragmatismo.
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