Poucos duvidam que as novas possibilidades de comunicação trazidas pela internet arejaram e ajudaram a democratizar o debate público. Isso é particularmente notável - e benéfico - em sociedades nas quais a mídia encontra-se concentrada nas mãos de poucos - como é, notadamente, o caso do Brasil.
Aqui, a blogosfera e as redes sociais têm, de fato, servido à democracia, ao possibilitar a difusão do contraponto a uma mídia corporativa cuja ação orienta-se pelos ditames neoliberais e pelo culto ao deus mercado - e que, com raras exceções, tem se caracterizado, no âmbito da política partidária, pelo apoio (e blindagem) que de ordinário fornece ao PSDB e pelo antipetismo (a não ser no que as administrações petistas se rendem ao mercado e ao neoliberalismo).
Os exemplos de tal atuação são inúmeros, e a crítica de mídia exercida no país na última década os tem catalogado e examinado, no mais das vezes, com propriedade. Mas, se o leitor prefere não confiar nesta afirmação genérica, basta que examine, por exemplo, o modo como a brutal ação policial em Pinheirinho foi (ou deixou de ser) noticiada pelos "grandes veículos", ou as maneiras como a recém-lançada candidatura de José Serra (PSDB/SP) tem sido retratada para, daí, tirar suas próprias conclusões.
Condescendência conservadora
A despeito dos muitos benefícios que têm trazido ao debate público no Brasil, há, no entanto, um aspecto regressivo inerente à blogosfera política brasileira e à militância nas redes sociais que não tem recebido a devida atenção. Esse ponto cego deriva de uma macro-divisão no modo de ação político-ideológico das esquerdas na internet: enquanto setores da blogosfera política (incluindo a maioria dos chamados "blogueiros progressistas") parecem guiar sua atuação a partir de certos parâmetros programáticos e ideológicos - permitindo-se, eventual e pontualmente, a crítica ao governo Dilma, se sua linha de atuação de tais parâmetros se afasta -, outros setores, numericamente volumosos - os quais vou chamar, à falta de um termo exato e sem intenção pejorativa, de "chapa-branca" - têm apoiado incondicionalmente o governo petista, independentemente do mérito de suas ações administrativas e do quanto ele deixa ou não de cumprir os compromissos assumidos na campanha eleitoral.
Tal configuração gera dois importantes contra-efeitos, ambos negativos. O primeiro é a divisão que a condescendência acrítica dos "chapa-branca" promove no próprio campo da esquerda, enfraquecendo, em decorrência, o poder da blogosfera de pressionar o governo Dilma a honrar os compromissos assumidos e procurar adotar políticas que ajudem o país a sair da órbita do neoliberalismo e a criar uma alternativa original em relação a um sistema econômico que tantos danos causou e continua a causar.
Como a mídia que dizem combater
O segundo contra-efeito é a criação de uma situação paradoxal no campo do debate político, pois nele neste momento com frequência convergem e se confundem tanto o conservadorismo da mídia hegemônica quanto o alegado "esquerdismo" de blogueiros chapa-branca que à mídia alegadamente se opõem - ambos, em suas argumentações, servindo para procurar incentivar e oferecer legitimidade ao crescente conservadorismo do governo Dilma e ao pragmatismo economicista que o tem caracterizado, bem como procurando desqualificar (não raro com os mesmíssimos argumentos e táticas agressivas) as vozes que ousam denunciar a cada vez mais negligenciada coerência político-ideológica da atual administração federal.
É exemplar do processo acima mencionado o apoio que tanto a mídia quanto tais blogueiros têm fornecido ao processo de privatização dos aeroportos (que a novilíngua chapa-branca prefere chamar de "concessão") e das aposentadorias dos servidores públicos federais - esta uma das principais e mais combatidas bandeiras da era FHC, ora encampada pelo governo Dilma e aprovada a toque pelo Legislativo, sob ecos de silêncio cúmplice ou de entusiasmo ressentido .
Assim, embora surgidos para, por um lado, colaborar para a vitória de uma força política dita progressista, anti-privatização e crítica ao neoliberalismo, e, por outro, para combater a mídia corporativa e denunciar suas táticas totalitárias, os blogueiros chapa-branca acabam não apenas por mimetizar desta um discurso único, impermeável ao contraditório, mas, pior, por a ela se juntar na defesa dos aspectos mais conservadores do atual governo federal. É com lamento que se constata que são, neste momento, uma força política conservadora, na acepção precípua da palavra.
A História não esquece
Só a inocência desinformada pode supor que a história não cobrará um preço ao governo Dilma pela traição ao discurso antiprivatização com o qual se elegeu, pelo recrudescimento voluntarioso das políticas de orientação neoliberal e pela tibieza para lidar com questões urgentes que geram reações de forças religiosas - e claro está que, chegado o momento, os inocentes úteis ou os arrivistas inescrupulosos que contribuíram para tal retrocesso também serão instados a pagar.
Um comentário:
Adorei! Você escreveu com muita elegância o que outras pessoas têm feito com o fígado blogosfera afora. Parabéns.\o/
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