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terça-feira, 22 de abril de 2014

O retrocesso progressista

O boom dos blogs políticos, no Brasil, ocorre no bojo da disseminação da web 2.0, mais veloz e interativa, e das campanhas eleitorais que reelegeram Luiz Inácio Lula da Silva e levaram Dilma Rousseff à cadeira presidencial.

É desse ínterim que datam alguns dos principais dos então chamados "blogs progressistas", denominação que hoje, tomada ao pé da letra, configura um típico ato falho freudiano, mas que, à época, procurava indicar a identificação com um ideário político de esquerda sem circunscrevê-lo explicitamente ao petismo em ascensão.

Esse boom de blogs políticos ocorre, portanto, com um um atraso médio de sete ou oito anos em relação a fenômeno semelhante – embora de perfil distinto - nos EUA.



Personalismo e crise
Um pouco antes da ascensão da blogosfera progressista já havia, é fato, uma relativamente forte atividade blogueira em português; mas, malgrado a existência de alguns ótimos blogs com ênfase em política – como O biscoito e a massa, de Idelber Avelar, ou o de Sakamoto -, a impressão era de alterativas pontuais em um cenário com predomínio de temáticas humorísticas, de cultura pop, ou mesmo de confusão entre blog e diário adolescente.

Sobretudo não havia uma articulação conjunta em prol de um ideário político como, para o bem ou para o mal, ocorreria entre os blogs ditos progressistas.

Essa ascensão da blogosfera política se dá em um cenário de agravamento da crise da mídia convencional, seja pela concorrência com a internet – um fenômeno mundial -, seja pela perda de credibilidade ante o tendenciosismo ideológico e os falseamentos dai decorrentes – uma peculiaridade particularmente grave no Brasil e mais evidente durante a era petista.



Nouvelle Cuisine
A confluência desses dois fatores – maior oferta de blogs políticos e crise midiática – fez com que, durante um tempo, parecesse não apenas possível, mas altamente recomendável, abdicar do cardápio informativo midiático em prol de uma dieta mais saudável, cuja base nutricional seria fornecida por uma receita selecionada de blogs e sites alternativos.

A nova economia informativa exigia algum trabalho de pesquisa, garimpagem e constante atualização, é verdade, mas a promessa de acesso a informação desprovida ou menos marcada pelas distorções decorrentes do conluio entre mídia corporativa e grande capital faria, alegadamente, valer a pena.



Alternativa à mídia
Essa lógica prosperou durante um tempo, e foi com um misto de alívio e alegria que muitos constaram, por exemplo, que abdicar da leitura diária daquele jornal que considera a ditadura branda resultava não apenas em economia de alguns caraminguás, mas no benefício de trocar os repetitivos ardis da coluna da Cantanhêde pela novidade reluzente do texto de um blogueiro cuja opinião não se media pela régua do patrão.

Embora tal tendência pareça irrefreável, persevere e apresente avanços qualitativos em boa parte do mundo, essa lógica da substituição da mídia corporativa pela produção dita independente como principal fonte de informação ora claudica, na seara política, no Brasil. E pelos motivos que se seguem, coadunados entre si.



PIG do B
O primeiro, e mais grave, é que adotar como principal fonte de informação, hoje em dia, os blogs progressistas equivale a receber uma informação tão ou mais distorcida do que a oferecida pela mídia corporativa, só que com sentido político-ideológico invariavelmente pró-petista.

Isso de dá devido à constatação de que fica cada vez mais evidente que tais "progressistas", em sua maioria, não hesitam em se valer dos mesmos truques retóricos, estratégias desqualificadoras, flacidez ética e miopia ideológica que tanto criticam na mídia corporativa – a qual chamam de PIG.
Transformam, desse modo, o debate político num autêntico vale-tudo para defender as forças no poder, as quais reputam como de esquerda, a despeito das privatizações a granel, da manutenção do tripé econômico neoliberal, da repressão a greves e manifestações populares e de tantos traços identificadores da pior direita. Formam, assim, o PIG do B, na definição sarcástica da jornalista Denise Queiroz.

Pois os blogueiros progressistas, assumidos ou não como tais, abdicaram, há tempos, da análise política equilibrada, ponderada e baseada em fatos, substituída por uma lógica antimidiática e partidária de caráter meramente reativo, cujo objetivo precípuo é justificar toda e qualquer medida dos governos petistas.



Exposição na mídia
O segundo aspecto problemático da atual conformação da blogosfera política no Brasil é a própria visibilidade hegemônica da qual desfrutam os blogs progressistas, assegurada pela grande projeção midiática de alguns de seus principais blogueiros, graças à exposição (prévia ou mesmo atual) nas redes televisivas ou nas redações que tanto criticam (Paulo Henrique Amorim, Nassif, Azenha, Paulo Nogueira, Rodrigo Vianna), do maior acesso a verbas de patrocínio – em sua maioria estatais - e do fato de, não obstante conservarem alguma independência entre si, atuarem estrategicamente como um grupo uno.

Pois um dos principais traços distintivos dos blogueiros progressistas é que agem em conluio: há uma espécie de hierarquia entre eles, sendo que um repercute os posts dos outros e os articulistas cujas opiniões destoam das da manada ou que constam do índex de um não são publicados por nenhum dos outros.



Debate cerceado
Essa ação quadrilheira de tonalidades obscurantistas reduz drasticamente a visibilidade de blogs não afinados com a linha política predominante entre os progressistas – ou seja, a fé religiosa e intransigente no petismo. Comprova, ainda, que são relativas as contribuições dos progressistas para a diversidade midiática, notadamente no que se refere a temas políticos, limitados que estão não somente em publicizar o que seja de interesse chapa-branca, mas também em bloquear a difusão das críticas, mesmo se à esquerda.

Assim agindo, a blogosfera progressista emula o modus operandi do próprio petismo no poder, e com resultados semelhantes: pois, tal como o governo que apoia, traveste-se de esquerda e ocupa indevidamente o locus político que a esta de direito pertenceria, esvaziando-o. E o faz corroborando a adoção de um receituário que, com a única exceção das políticas de renda mínima, mostra-se intrinsecamente conservador, entre outros aspectos, nos terrenos da economia, da biopolítica, dos Direitos Humanos e do arcaico modelo desenvolvimentista adotado.

A blogosfera progressista é, hoje, uma força do atraso.

domingo, 20 de abril de 2014

Subsídios para o debate eleitoral

Um dos traços mais marcantes do debate público sobre política, no Brasil, tem sido a proliferação de boatos, ataques pessoais e preconceitos diversos, em detrimento da discussão de temas urgentes e concretos, associados a questões propriamente políticas, aos modelos adotados e suas alternativas e no que implicam para o nosso futuro como nação.

É fácil constatar tal processo: basta consultar as redes sociais ou puxar conversa aleatoriamente nas ruas para que cresça a possibilidade de nos defrontarmos com "fatos políticos" como a transformação de Lula de cachaceiro em milionário global (sendo que não há provas de que ele seja nem uma coisa, nem outra), de seu filho em dono de frigoríficos e corporações telefônicas, ou com a certeza, baseada no mero achismo, de que o PT é o partido que mais roubou em toda a história republicana.

Ao assim agir, a oposição trabalha contra si e facilita tremendamente a manutenção da hegemonia eleitoral petista, pois deixa de apresentar programas e projetos para o país, preferindo apostar em uma boataria difamatória que pode ate servir de válvula de escape para suas frustrações e preconceitos de classe, mas, justamente por seu vazio programático, é eleitoralmente inócua. Pior: ao apostar no escândalo moralista, perde-se a chance de apontar os muitos e graves erros do governo Dilma, que se tornam cada vez mais evidentes a parcelas do eleitorado, como mostram as pesquisas.



Por outro lado, nos escaninhos virtuais governistas e entre os petistas em geral, proliferam, como método prioritário de ação política, as outrora criticadas desqualificações pessoais de críticos e oposicionistas (mesmo dos que até ontem de manhã eram parceiros do partido). Isso, por sua vez, leva à repetição, em sentido inverso, do tipo de ataques acima citados, com a proliferação das acusações de que Aécio Neves seria um bêbado e cocainômano e caricaturando Marina Silva como uma fanática religiosa a soldo do Itaú (como se a presença – e o poder decisório - de religiosos não fosse imensa no governo Dilma e a candidatura desta não tivesse entre seus patrocinadores grandes bancos, inclusive o Itaú, terceiro maior apoiador em 2010).

Para agravar a situação, a necessária autocrítica petista deu, há tempos, lugar à eleição da mídia como bode expiatório para toda e qualquer acusação ou má avaliação que envolva o atual governo, deixando de levar em conta que foi Dilma quem deliberadamente optou por não promover a regularização da mídia, guardando na gaveta o projeto que Franklin Martins lhe entregara pronto e preferindo ingenuamente tentar cooptar os veículos corporativos com afagos institucionais e polpudas verbas da Secom.

Quem perde nesse jogo viciado entre governo e oposição é o país e seus cidadãos, de ordinário já submetidos, nas últimas décadas, a um processo de hegemonia do marketing na politica que tende a dissimular o programático e o ideológico em prol da transformação dos candidatos em embalagem e produto. Vide "Collor, o caçador de marajás" e "Lulinha paz e amor".

No entanto, após mais de 11 aos de petismo o poder – período mais do que suficiente para que o improviso fosse substituído por medidas planejadas -, há muitas e sérias questões cujo debate, preterido pela boataria ofensiva e pelo jogo de desqualificações acima descrito, mostra-se, neste momento, de fundamental importância.

Abaixo, dez questões cuja discussão acrescentaria muito ao debate pré-eleitoral, ao contrário do que acontece se o país continuar a discutir se Lulinha é dono da Friboi ou se Eduardo Campos é filho de Chico Buarque de Hollanda:

    1) Por que, após décadas de grande melhoria, os índices de analfabetismo infantil voltaram a crescer durante o governo Dilma, que alega priorizar a Educação e cujos programas de renda mínima exigem que os filhos sejam mantidos na escola?

    2) A gestão da Saúde, após 11 anos, mostra-se incapaz, por um lado, de aperfeiçoar a qualidade e expandir o atendimento prestado pelo SUS; por outro, os planos de saúde estão mais caros do que nunca, custam a muitos pacientes idosos mais da metade de seus rendimentos e frequentemente exigem que o paciente recorra à Justiça para ter acesso a procedimentos um pouco mais caros. A tal quadro o governo contrapõe o Mais Médicos, que espalhou mais de 13.000 médicos por áreas remotas para prestar atendimento básico. Devemos estar satisfeitos com tal "modelo" de gerenciamento da saúde pública?

    3) Ao menos desde o final da ditadura, o direito constitucional de protestar vinha sendo respeitado no país, com exceção de um ou outro governador tucano que usava a PM para reprimir manifestações. A partir de junho do ano passado, todo e qualquer protesto público vem sendo reprimido com violência policial, sendo que o governo Dilma tem sido pródigo em colaborar para tal quadro, inclusive com o envio da Força Nacional para reprimir manifestantes. Devemos aceitar passivamente tal afronta a direitos constitucionais?

    4) De modo similar, o governo Dilma vem, desde o início, recusando qualquer diálogo com grevistas e com o movimento sindical, não raro reprimindo-os com violência física, como fez com os professores universitários em 2012. É esse modelo de relacionamento do poder com reivindicações trabalhistas que queremos para o país?

    5) Os índios vêm sendo vítimas de um verdadeiro genocídio nos governos Lula e Dilma. Por um lado, isso se dá graças ao modelo arcaico de desenvolvimento baseado no consumo e em enormes hidrelétricas; por outro, em decorrência da aliança entre o governo e grandes latifundiários. O resultado é o menor índice de demarcação de terras desde os anos 1970 e um aumento de 271% no número de mortes de indígenas durante as presidências petistas. É assim que queremos que os índios brasileiros sejam tratados?

    6) Embora o governo alegue que a inflação está sob controle, há uma sensação disseminada de que os preços dispararam, renovada a cada ida ao supermercado, a cada viagem, a cada refeição em restaurante. Isso se deve, em grande parte, à maquiagem que o governo aplica ao cálculo dos índices inflacionários, manipulando-os de forma a baixá-los artificialmente. Além disso, é público e notório que, por razões eleitorais, o governo Dilma está segurando os preços de combustíveis e energia elétrica, num procedimento que gera tensão inflacionária constante e deve provocar estouro de custos ao consumidor em 2015. É saudável esse grau de falseamento de índices recorrente no governo Dilma ou seria desejável que estes refletissem com fidelidade o aumento dos preços?

    7) De modo análogo, há uma acentuada discrepância entre o "pleno emprego" comemorado pelo governo, os índices do DIEESE (nos quais o PT sempre se baseara antes de assomar ao poder, e cujos índices atuais são o dobro do IBGE) e a sensação geral quanto ao tema (quase todo mundo conhece muitas pessoas desempregadas). Ao contrário do que apregoa o senso comum, pesquisas independentes mostram que, no Brasil atual, quanto mais qualificado o profissional, menores as chances de ele conseguir emprego. Para além dos índices oficiais, qual é a realidade do mercado de trabalho na era petista?

    8) A mídia brasileira segue sendo uma das mais concentradas do mundo, nas mãos de seis famílias que praticamente a monopolizam. O Direito de Resposta foi abolido pelo STF e o partidarismo e a  difamação grassam nas rádios e TVs, que são concessões públicas sujeitas constitucionalmente à obediência a certos preceitos, como o caráter educativo. Na imensa maioria dos países desenvolvidos, a adoção de parâmetros que regularizam a atividade midiática é prática estabelecida, sedo que Argentina e Inglaterra criaram recentemente legislações específicas a esse respeito. Como avaliar a inação petista ante tal questão?

    9) O governo Dilma alega priorizar a Educação, e o fato que corroboraria tal afirmação seria, segundo ela, a expansão do ensino superior, cuja disponibilidade de vagas praticamente dobrou desde 2002. Porém há quem sustente - lembrando o exemplo do ensino secundário durante a ditadura - que dobrar o número de alunos sem o correspondente aumento da contratação de professores equivale ao sucateamento do sistema educacional. E antigas e novas universidades apresentam deficiências estruturais, como goteiras, falta de carteiras e ausência de bibliotecas/enorme defasagem de acervo. Além disso, permanecem intocáveis velhos problemas da universidade brasileira, como os concursos fraudados, os professores e funcionários fantasmas e a privatização disfarçada de serviços. Como avaliar a política petista para as universidades?
10) O incremento da democracia participativa foi uma das principais reivindicações das Jornadas de Junho. No entanto, embora ela fizesse parte das práticas do velho PT, foi preterida pelo governo Dilma em prol de uma gestão pública extremamente personalista e centrada, que pouco delega a assessores e não estabelece nenhuma forma direta de participação popular, quanto mais em âmbito decisório. É a manutenção desse modelo arcaico de democracia que queremos para o país?

(Imagem retirada daqui)


domingo, 30 de março de 2014

Brasil, 2014: Violência de Estado relativiza Democracia

No momento mesmo em que se completam cinco décadas do golpe militar, e após mais de 11 anos de petismo no poder, o Brasil vivencia, com uma passividade preocupante, uma combinação de ameaças e de violações consumadas aos preceitos constitucionais por parte do Estado, tanto no que diz respeito aos direitos individuais quanto aos coletivos, com particular incidência sobre os jovens.



O terror como desculpa
Três eventos da mais alta gravidade ilustram de forma clara tal processo: o primeiro - e potencialmente mais danoso, devido a seu caráter nacional - é a decretação iminente de uma legislação de exceção visando condicionar, delimitar ou mesmo proibir manifestações e protestos públicos.

Valendo-se da desculpa multiuso do combate ao terrorismo e da manutenção da ordem pública durante a Copa do Mundo, o conjunto de leis vem preocupando sindicatos, movimentos sociais e demais setores organizados da sociedade, não só por seu poder de instrumentalização pelo mais rasteiro jogo eleitoral, mas devido a seu caráter intrinsecamente totalitário. Pois, francamente contrário ao direito de livre manifestação e de protesto assegurado pela Constituição, permitiria às forças de segurança tanto a violação a priori da comunicação privada de possíveis "agitadores" – ao estilo Minority Report - quanto o incremento do tempo de detenção de "vândalos", potenciais ou efetivos, além do aumento despropositado da pena para ato ditos de terrorismo, como o ataque a fachadas de bancos, lanchonetes multinacionais e demais símbolos do capitalismo.



Bombas no campus
O segundo evento marcado por uma truculência em tudo destoante da democracia consumou-se de forma súbita em Florianópolis, na última quarta-feira: a invasão do campus da UFSC pelas polícias federal e militar (sem que nem uma nem outra tenha sido convocada, como determina a lei), com seus agentes, cônscios da impunidade, exibindo extrema brutalidade no trato de estudantes, professores e técnicos universitários.

O show de truculência incluiu gás espirrado no rosto de um professor que argumentava civilizadamente, bombas jogadas irresponsavelmente contra estudantes e crianças e até vidros de carro quebrados num ato, este sim, de puro vandalismo por parte das forças que supostamente deveriam assegurar a ordem – tudo para, ao final, autuar três jovens por porte de uma pequena quantidade de maconha.

O episódio, violador da necessária pax dos campi universitários, fornece mais uma dentre tantas provas do despreparo e do gosto pela truculência de nossas forças de segurança, que quase trinta anos após o fim da ditadura ainda não assimilaram minimamente pressupostos básicos da ação policial numa democracia, como a presunção da inocência, o respeito aos Direitos Humanos e o tratamento civilizado a inocentes e suspeitos, resguardado o uso da violência para situações de resistência e enfrentamento.



Criminalização da pobreza
A política de ocupação e repressão periférica que atende pelo singelo nome de Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) responde pelo terceiro dos episódios de violência recente a suscitar grave preocupação. Na invasão que ora o Bope, com auxílio do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, protagoniza no complexo da Maré – um conjunto de 16 favelas onde moram cerca de 130.000 pessoas - chama a atenção a utilização de mandados de busca coletivos e genéricos que, ao ignorarem a necessidade de se especificar individualmente a alegada conduta criminosa, acabam por tratar como suspeitos todos os moradores residentes em tais áreas, agravando a confusão entre pobreza e criminalidade e promovendo a violação coletiva de direitos individuais pela Constituição assegurados.

Trata-se, portanto, de uma prática que viola o Estado de Direito e remete a processos de discriminação em massa com forte laivo racista, corriqueiros na repressão israelense à Palestina e nos Balcãs dos anos 90 e cujo maior e mais horripilante exemplo vem da guetificação pré-Holocausto dos judeus pelo nazismo (a alusão é apenas histórica; nos situamos, evidentemente, em outra conjuntura - não desprovida, porém, em menor escala, de suas próprias e graves potencialidades).

Que tal ação militar conte com o aval explícito de uma presidente – e, no caso, Comandante em Chefe das Forças Armadas - egressa das fileiras da esquerda e democraticamente eleita, é um dado que evidencia o grau de naturalização e assimilação da violência institucional pelo atual governo, constatação que se torna ainda mais grave se levarmos em conta que as motivações eleitorais motivantes de tal ocupação de território são públicas e notórias.



Denúncia na OEA
A condição precípua da concessão do monopólio do uso da violência ao Estado é que ela seja usada rigorosamente de acordo com o que determina a legislação, como último recurso e com seu emprego limitado a mínimo necessário. Ou seja, exatamente o contrário do que o país se acostumou a ver, na repressão periférica, na reação oficial aos protestos, nos eventos sui generis por este texto elencados.

A tudo isso soma-se uma política de desenvolvimento tão arcaica que o seu corolário tem sido um genocídio indígena em pleno terceiro milênio. O Estado brasileiro acaba de ser denunciado na OEA por ainda usar uma lei da ditadura militar no trato com as populações indígenas – e os comentaristas governistas que corretamente condenam o passado ditatorial e as ameaças golpistas parecem não se dar conta da contradição e do autoritarismo inerentes à política desenvolvimentista ora em curso.




Estado de Exceção
Tornou-se lugar comum do discurso da direita mais hidrófoba a tentativa de classificar o governo de Dilma Rousseff como uma ditadura. Trata-se, a rigor, de uma acusação tão grave quanto falsa: a despeito da recusa à (auto)crítica e ao diálogo e da truculência no trato com setores da sociedade, estamos em uma democracia – pouco avançada, viciada, fraturada por linhas de classe, raça e gênero, mas democracia. A despeito de tal constatação, os eventos acima elencados não nos permitem ignorar o andamento de um processo de agressão a princípios básicos dessa mesma democracia, que potencialmente levam à relativização desta. Trata-se de uma evidência da mais alta gravidade, que delimita ao âmbito econômico e põe em xeque conquistas recentes das classes menos abastadas e só beneficia o grande capital e as forças do conservadorismo.

Preocupantes por si, tais violações – que claramente apontam para uma relativização da democracia no Brasil, e não para o avanço desta -, se tornam ainda mais nocivas, por um lado, por praticamente não provocar reações, deflagrando-se sob um silêncio cúmplice ou ignorante. Mereceria um exame à parte, quanto à formação dessa aprovação surda, o papel da mídia "nos mecanismos de legitimação simbólica do exercício do poder penal e do controle social", como alude Vera Malaguti Batista no prefácio do livro Punir os Pobres, de Loïc Wacquant. Uma hipótese central a se considerar seria que o papel político da mídia revelar-se-ia muito mais complexo do que os adeptos do simplismo binário "PIG contra PT" querem fazer crer – como fica particularmente claro no que concerne à cobertura ufanista, no pior estilo "support our troops", que a Rede Globo faz da invasão da Maré.

Por outro lado, o alto - e sistemático - grau de violação dos direitos sociais pelo Estado há de causar preocupação aos cidadãos e cidadãs que realmente prezam pela democracia, ainda mais ante a constatação de que tais retrocessos têm lugar em (e frequentemente são patrocinadas por) um governo dito progressista, que muitos, por fé ou hábito, anda situam na centro-esquerda, a despeito de seus atos de truculência e do retrocesso institucional por ele produzido. Minar a democracia é uma forma de golpeá-la a médio prazo.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Greve de garis expõe embates de classe

As reações à greve dos garis cariocas têm fornecido um retrato em cores vivas dos preconceitos de classes no Brasil, tanto por parte da ideologia que se depreende da ação do poder oficial quanto, em particular, da insensibilidade social que marca a visão de uma certa autodenominada elite.

Enquanto pilhas de lixo se acumulavam nas ruas e a mídia corporativa insistia em divulgar a versão oficial de que se tratava de uma greve "de grupos de garis", estes eram humilhados e agredidos por seus patrões, nas ruas, nas redes sociais, além de espancados pela polícia por ousarem valer-se do direito constitucional à manifestação pública - num tipo de reação oficial que se torna perigosamente rotineira no país.



Coesão e humilhação
Profissionais responsáveis por uma atividade cansativa, insalubre e exercida em condições estafantes, os garis entraram em greve em protesto pelo salário de fome que recebem (em torno de R$800), pleiteando um aumento para R$1.277. A Prefeitura ofereceu humilhantes R$77 de aumento, propagandeando, de forma malandra, que com o adicional de salubridade seriam alcançados R$1.200.

Foi o suficiente para que um jornalista com salário de cinco dígitos e gosto pela provocação barata declarasse, nas redes sociais, considerar um valor alto, no que foi apoiado por uma manada disposta a agredir os garis, humilhando-os por sua posição social e atividade, comparando-os a animais e tripudiando sobre seu alegado analfabetismo (não obstante a exigência de ensino médio para o cargo).

Para completar o espetáculo dantesco, com o fim da greve anunciado unilateralmente, escoltas acompanharam hoje os garis que quiseram voltar ao trabalho – para garantir-lhes proteção contra piquetes ou, pergunta a professora Ivana Bentes (UFRJ), para coagi-los a trabalhar (mais)?




Dê um rolê
A reação à greve dos garis é o terceiro de uma série de eventos ocorridos no país nas últimas semanas, sem aparente conexão entre si, a provocar comoção pública e evidenciar antagonismos e ódios classistas que põem em xeque o amálgama da nação una e pacífica, esse mito que a realidade seguidamente desmente mas que tantos ainda teimam em cultuar.

O primeiro deles foi a reação histérica de setores da sociedade aos chamados rolezinhos, a qual evidenciou que, à revelia da Constituição de 1988, vigora no país um verdadeiro apartheid, concretizado na recusa da alta classe média e dos mais endinheirados em sequer conviver, no mesmo espaço de lazer, com cidadãos pertencentes aos estratos sociais menos afortunados economicamente.




Ordenamento classista
A recusa deriva de um ordenamento social classista, impregnado de racismo, o mesmo que determina a distinção entre elevador social e de serviço ou que a família jante na copa e a criadagem coma as sobras na cozinha. Segundo essa lógica, patrões e serviçais diferem na origem e na essência – ontologicamente, portanto -, devendo, em decorrência, ser submetidos a critérios axiológicos distintos. Autoritarismo e subalternidade são os elementos definidores de tal relação, inclusive e para além de seus limites trabalhistas, os quais quanto mais opacos e indistintos mais agravam – ao mesmo tempo que menos evidenciam - a assimetria inerente a tal relação.

O rolezinho borrou tais limites. E, por isso mesmo, gerou uma histérica reação por parte de certos setores médios que emulam o ideário valorativo da elite capitalista (mesmo que esta, por sua vez, os submeta e explore). Com os porretes do Estado uma vez mais a serviço de interesses privados, e a mesma novilíngua que concebe manifestantes como vândalos transformando rolezinhos em arrastões, seus protagonistas foram expulsos dos templos do consumo – e com eles os demais jovens de aparência pobre e pele escura, agora assumidamente persona non grata nos shopping centers paulistas.



Pelourinho reloaded
O segundo evento a provocar comoção e mal-estar, mesmo quando ainda não se sabia tratar do início de uma série, foi o registro de um adolescente, nu e com o corpo repleto de hematomas, atado a um poste através de uma trava de bicicleta presa a seu pescoço. Ele furtara algo para comer, despertando a fúria de homens de passado certamente ilibado e índole pacífica, cuja ação redentora aligeirou os vagarosos trâmites de nossa Justiça. Ah, a cordialidade dos brasileiros!

Entretanto, o mal-estar causado pela imagem não foi de todo atribuído à sua própria simbologia social presente, mas, como vários analistas assinalaram, ao fato de remeter à iconografia da escravidão: mais especificamente, à terrível alusão a um negro em um tronco. Outros observadores enxergaram na brutal desumanidade física e psicológica imposta ao rapaz um reflexo do tratamento dispensado pelos nazistas a suas vitimas.



Aqui e agora
Sem diminuir a efetividade de tais paralelismos, parece-me essencial assinalar que, se por um lado ela intensifica o mal-estar ao associar a imagem a um regime de racismo institucionalizado do qual o Brasil foi, vergonhosamente, o ultimo país do mundo a se livrar; por outro, ao qualificá-la como elemento de permanência do passado, seja o oitocentismo escravocrata ou os conturbados anos 30 na Europa, ela circunscreve a violência retratada ao âmbito do anacronismo, o que não deixa de, numa estratégia psicológica escapista, ser uma forma de projetá-la para fora do violentíssimo contexto presente em que foi produzida e, assim, ainda que involuntariamente, matizá-la.

Pois ainda que o paralelo com a escravidão e o nazismo possa se mostrar procedente, o sentido profundo da tragédia do rapaz preso ao poste é que ela não pertence, a rigor, nem ao nosso passado escravocrata nem ao holocausto nazista – ainda que carregue os genes de um e talvez reverbere o outro -, mas à mais atual e presente realidade contemporânea.

Uma análise condizente do fenômeno não pode se furtar a examinar esse dado essencial: com o agravante de ter sido praticado reiteradas vezes desde então, o ato ignominioso de espancar e atar pequenos infratores a postes ocorre em nosso tempo, aqui e agora, como uma explosão de raiva coletiva de cidadãos do terceiro milênio, quase sete décadas após a Declaração de Universal de Direitos Humanos e em um país governado por forças de origem trabalhista que ainda se dizem de centro-esquerda. Gostemos ou não, esses são os fatos.



Cala-a-boca já morreu
Há de se atentar para o paradoxo de que tamanha violência simbólica – ou nem tanto - contra os que ocupam as franjas do sistema econômico se dê após mais de uma década que as estatísticas recomendariam caracterizar como de inclusão social massiva, inclusão esta que teria beneficiado justamente os que agora querem reivindicar e são brutalmente calados. Na outra ponta, seria omissão deixar de assinalar que tal furor repressivo se dá em um momento no qual o país está prestes a votar uma legislação draconiana contra toda e qualquer forma de manifestação pública, no que seria um retrocesso imensurável para nossa ainda incipiente democracia.

A reação à greve dos garis, o mal-estar ante os rolezinhos e a prática de linchar, despir e dependurar pequenos infratores são, cada um, atos plenos de simbologia, altamente reveladores das relações sociais no Brasil neste momento. Juntos e ocorridos em sequência, trazem à tona ódios classistas que camadas de patrimonialismo e repressão periférica trataram, por décadas, de manter suprimidos, enquanto moldavam em sangue a máscara de aberto sorriso da cordialidade brasileira, essa esfinge.


(Foto de autoria de Djalma Oliveira retirada daqui)

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A farsa petista na Comissão de Direitos Humanos

A possibilidade de um petista ser eleito para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados foi, em um primeiro momento, saudada nas redes sociais, até mesmo pela oposição à esquerda. Isso se deu pela nomeação supostamente significar a retomada da comissão para o campo progressista, após um mandato sob o comando do pastor Marco Feliciano (PSC/SP), que fez dela palco para o proselitismo religioso, o ataque contra gays e minorias e o retrocesso na pauta dos Direitos Humanos.

No entanto, o alívio pela eleição de Assis do Couto (PT/PR) logo cedeu lugar a frustração e raiva, à medida que se evidenciava o perfil do deputado: um especialista em agricultura familiar, conservador, contrário ao aborto e sem conhecimento ou experiência mínima no campo dos Direitos Humanos.



Baixa política
Sua nomeação é fruto direto do desleixo e do descaso petista para com os DHs: Couto já estava assegurado para a presidência da Comissão de Agricultura, a preferida do PT, disposto a abrir mão, uma vez mais, da Comissão de Direitos Humanos. Porém a forte reação contrária nas redes sociais e entre setores da militância, inconformados ante a possibilidade de que os DHs permanecessem mais um mandato nas mãos do conservadorismo religioso, obrigou o partido a recuar.

Esse recuo, no entanto, foi meramente cosmético. Sem renegociar, sem sequer empenhar-se em nomear um quadro com histórico de lutas pelos DHs - os nomes mais cotados eram os de Nilmário Miranda (MG) e Erika Kokay (DF) –, o PT, uma vez mais, privilegiou a pequena política e seus obscuros acordos paroquiais, em detrimento de uma ação republicana, consistente e socialmente responsável.



Prêmio de consolação
Ao encarar a presidência da CDHM como um "prêmio de consolação", uma troca desvantajosa imposta pela forte reação contrária, o partido deu vazão a um comportamento que sequer dissimula sua má vontade e seu caráter pirracento, pouco consequente.

Em decorrência, ao optar por preterir quadros reconhecidamente capazes no campo dos DHs e nomear um agricultor familiar, inexperiente no tema e ligado à "Frente Mista Em Defesa da Vida – Contra o Aborto" (que reúne evangélicos e católicos, como ele), o partido se omite e, uma vez mais, deixa explícita a pouca importância que atribui aos Direitos Humanos.



Os DHs sob ataque
Tal omissão é particularmente grave neste momento histórico do país, em que os índios são vítimas de um novo genocídio, em nome de um modelo arcaico de desenvolvimento e sob o silêncio cúmplice da mídia.

Em que gays são rotineiramente agredidos e assassinados, seja no Baixo Augusta ou nos arrabaldes de cidadezinhas perdidas no tempo.

Em que, a despeito do esforço civilizante e da Lei Maria da Penha, a violência contra as mulheres se mantém em níveis endêmicos.

Em que cresce impunemente a ação de linchadores contra pequenos delinquentes, amarrados a postes como figuras de Debret, numa reatualização muito além de iconográfica do legado da escravidão.

Em que à violência policial como repressão periférica soma-se – e se torna rotineira - a brutalidade da PM contra os que exercem o direito constitucional à manifestação pública.



Truculência recorrente
Não que chegue a causar estranhamento essa postura do petismo. A falta de dialogo com o sindicalismo, com as organizações públicas e com a sociedade em geral é um traço distintivo desses três anos e pouco de governo Dilma. Renato Janine Ribeiro relata a estupefação de um grupo de grandes empresários com o imperscrutável comportamento presidencial: -"Ela não ouve. Nem fala".

Ainda mais explícitos em seus intentos autoritários são o endosso do governo a uma legislação draconiana de combate ao terrorismo – AI-13? -, supérflua ante o Código Penal e desautorizada por juristas de gabarito e democratas de juízo; a aposta de Cardozo na repressão e a facilidade com que oferece a Força Nacional para reprimir os "vândalos baderneiros"; e, entre outras tantas manifestações de truculência antidemocrática, o entusiasmo de Fernando Haddad ante a "Tropa Ninja" da PM paulista, que ajudou a brutalizar as últimas e até então pacíficas manifestações em São Paulo.

E sendo que tudo se dá num contexto no qual o Ministério dos Direitos Humanos, sob a complacente Maria do Rosário, mantém os olhos cerrados para toda a violência oficial, fingindo ser um órgão destinado tão somente a defender cidadãos fardados.


Pingos nos is
A eleição de Assis do Couto insere-se, portanto, em um contexto maior, a partir do qual sua intencionalidade se explica (mas não se justifica). Ela vem fornecer mais um exemplo cabal do quanto o PT negligencia os Direitos Humanos.

Tornou-se corrente, entre as hostes governistas, atribuir tal percepção negativa ora à má vontade da mídia, ora a uma alegada falha de comunicação do próprio governo. Mas claramente não é este o caso no que concerne à atuação do partido no episódio, fruto de uma política deliberada, um cala-boca improvisado e desdenhoso contra a gritaria dos que ousaram protestar.

Tudo somado, a nomeação, pelo PT, de Assis Couto para a CDHM deve ser entendida como o que é: um acinte e um deboche.


(Cartum de Latuff retirado daqui)

domingo, 23 de fevereiro de 2014

A "nova" Secom e a blogosfera

A posse de Thomas Traumann como ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), ocupando o lugar que fora de Helena Chagas desde o início do governo Dilma Rousseff, acena para uma reformulação na política de distribuição de verbas publicitárias federais, com a chance de uma incorporação mais substancial de sites independentes e blogs políticos em detrimento do benefício virtualmente exclusivo à mídia corporativa até então vigente.



Trata-se de uma possibilidade altamente salutar e de uma medida há tempos acalentada pela blogosfera não corporativa. No entanto, por razões que serão elencadas ao longo do artigo, o sucesso de sua implementação depende da capacidade de levar em conta a trajetória e a atual conformação do campo político na web, as quais examinaremos a seguir.







A mídia na mira

A consolidação de uma arena política na internet brasileira está diretamente ligada ao exercício da crítica à mídia, que se dissemina de forma expressiva nos blogs a partir do início do terceiro milênio, no bojo do advento da web 2.0, mais interativa e veloz, e da consolidação, nas redes sociais, de uma militância engajada na primeira eleição presidencial vencida por Luiz Inácio Lula da Silva.



Antes disso já era exercida amiúde por um punhado de atores virtuais e, desde 1996, a razão de ser do Observatório da Imprensa, capitaneado pelo decano Alberto Dines e o modelo para uma série de iniciativas semelhantes, na academia e fora dela. Se em tais projetos o exercício do media criticism, pluralista, primava pela busca (nem sempre bem-sucedida) por equilíbrio analítico e equidistância político-partidária, nos blogs e redes sociais viria, ao contrário, a assumir a piori suas inclinações: tratava-se, sobretudo, de combater e denunciar as falsidades da mídia corporativa como estratégia de contrainformação que desmontasse eventuais factoides a favor da oposição ao petismo – notadamente, os tucanos - e de dar visibilidade a políticas lulistas que alegadamente a mídia boicotava.







Conquistas e limitações

Tal reação virtual contra a mídia, em um primeiro momento caracteristicamente voluntária, amadora e sem uma coordenação central, obteve conquistas importantes. No atacado, acabou por chamar a atenção de um número significativo e crescente de pessoas para as manipulações, a teia de interesses implícitos com o grande capital e o baixo grau de confiabilidade da mídia corporativa em nosso país. No varejo, destacou-se em uma série de episódios políticos relevantes: provou tratar-se de uma mera bolinha de papel um alegado bólido de aço atirado contra o cocuruto do candidato José Serra; reagiu em peso contra a tentativa da Folha de S. Paulo de abrandar o período militar, solidarizando-se ainda com os professores Fabio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides contra as grosserias do publisher Octávio Frias; por diversas vezes desconstruiu, em questão de horas, manchetes da Veja intentadas para repercutir durante a semana toda; não raro contrapôs dados e conhecimentos técnicos à mera verborragia ideológica, entre tantos outros eventos cuja atuação desmistificadora contra a mídia foi digna de nota. Talvez não seja exagero afirmar que outros teriam sidos os rumos das três últimas eleições presidenciais sem a ação da blogosfera e da atividade política nas redes sociais – o que dá uma medida de sua importância e de sua atualidade.



Não obstante a efetividade de tais conquistas e o fato de constituírem um indiscutível avanço no âmbito de uma esfera comunicacional que há décadas mantém-se altamente concentrada e controlada, uma análise criteriosa do fenômeno exige que se tenham claros seus limites de alcance e reais dimensões. Pois se, por um lado, tais novos atores políticos/comunicacionais abriram os olhos de parcelas da população com acesso à internet - para as quais constituíram-se, a um tempo, alternativa à mídia corporativa e polo de contrainformação -, por outro seu raio de alcance, em relação ao conjunto da população brasileira, segue sendo bem inferior ao que o "efeito bolha" dos que convivem diuturnamente nas redes sociais e blogs quer fazer crer. Quem convive em ambientes não virtuais diversificados em termos etários, educacionais e socioeconômicos constata com facilidade que um número enorme de pessoas não leva em conta, mal ouviu falar ou sequer teve algum contato com a blogosfera e os debates políticos nas redes sociais, os quais estão longe de constituírem suas fontes recorrentes de informação ou de exercer alguma influência direta na formação de seu raciocínio político ou decisões eleitorais.







Duplo paradoxo

Além desse problema – que, reflexo da própria relação de parcelas da população com a política, é de cunho socioeducativo, transcendendo o âmbito da comunicação política na internet -, uma análise mais detida evidencia que esta não tem sido uma atividade desprovida de percalços. No I Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, em 2010 - quando ainda havia um sentimento de união entre diversos desses atores virtuais, hoje inexistente -, Luiz Carlos Azenha, do site Vi o Mundo, apontou para os limites da crítica diária à mídia tal como exercida nos blogs e redes sociais, e para a necessidade de que, como forma de se firmarem como alternativa real à mídia corporativa, fosse produzido, de forma regular, material jornalístico original.



Com raríssimas e fugazes exceções, muito pouco se avançou, em tal sentido, nos quatro anos que separam a observação de Azenha do presente, o que torna a blogosfera política presa de um paradoxo: o fato, por um lado, de a critica à mídia continuar sendo sua atividade precípua e mais frequente e, por outro, de ainda depender em larga escala da reprodução de material pela mídia publicado para assegurar uma postagem diária substanciosa, faz com que a blogosfera se mantenha presa a uma situação de dupla dependência em relação à mídia. Basta consultar as postagens dos principais blogs do país ou atentar para a origem dos tópicos que alimentam as principais discussões de cunho político correntes nas redes sociais para se certificar de tal impasse, que fere a autonomia dos blogs e suscita questões relativas a copyrights. Há a esperança de que tal questão tenda a ser melhor equacionada à medida que se obtenham formas de financiar a atividade em bases profissionais.









Desqualificações e descritérios

Uma segunda e grave distorção característica desse meio tem sido a forma inapelável e genericamente pejorativa como a mídia passou a ser tratada. A sigla PIG [Partido da Imprensa Golpista] difundiu-se e se tornou de uso corrente nos ambientes virtuais, generalizando a priori uma grave acusação sem uma respectiva e necessária análise caso a caso que a corroborasse – e sem claros critérios metodológicos que a embasassem.



O maniqueísmo e a falta de critérios que marcam a relação com a mídia apontam para contradições essenciais da blogosfera política brasileira, hoje. Um exemplo pedagógico desse processo é que os principais jornais, como O Globo e Folha de S. Paulo, considerados "PIG" por definição, se tornam automaticamente fonte de informação confiável – ou mesmo inquestionável - quando dão notícias a favor do governo, republicadas com fervor pela blogosfera governista.



Tal incongruência tem alcance internacional: quando a The Economist colocou o Brasil na capa como uma economia fulgurante (simbolizada pela estilização da imagem do Cristo Redentor como um foguete), grande parte da blogosfera exultou. Porém, alguns meses depois, quando a mesma publicação aludiu ao baixo desempenho de nossa economia (com o Redentor/foguete caindo, após um "voo de galinha"), muitos dos mesmos blogueiros falaram em "PIG" internacional e na imaginosa influência de um ex-ministro de FHC sobre o periódico.







Partidarismo

Numa blogosfera amplamente dominada pelo petismo – sobretudo no que tange aos blogs de grande audiência -, tais contradições e maniqueísmo dão a medida do caráter tendencioso de um amplo conjunto de atores políticos virtuais. São capitaneados pelos "blogs progressistas" e por uma brigada de agentes de mídia social – multiplicada neste período pré-eleitoral -, pouquíssimos com explicitada filiação profissional/partidária, mas tão benevolentes para com medidas governamentais quanto implacáveis contra seus diletos inimigos, dos quais Joaquim Barbosa e a mídia ora se destacam.



Esse cerrado partidarismo que marca as ações de tais atores, os ataques desqualificadores a dissidentes ou críticos nas redes sociais e a recusa dos blogs "progressistas" de grande audiência em, malgrado a alegação de pluralistas, publicarem textos que critiquem frontalmente o petismo (ainda que à esquerda) sugerem que hoje repetem amiúde, em sentido inverso, o tendenciosismo, as distorções e omissões que sempre atribuíram exclusivamente a mídia. Tais vicissitudes fizeram com que lhes fosse atribuído o duplamente mordaz apelido de "PIG do B", numa indicação de que não apenas emulam procedimentos e lassidez ética da mídia, mas o fazem a favor de uma determinada força política, muitas vezes sem admiti-lo de forma explícita, repetido um procedimento que sempre criticaram nos meios de comunicação corporativos.



Piora ainda mais esse quadro a indistinção entre a participação espontânea e voluntária de indivíduos nas redes sociais e a ação de agentes de mídia remunerados pelos partidos, indistinção diretamente relacionada à recusa antidemocrática destes em admitir e tornar pública a própria condição profissional, numa conduta que, paradoxalmente, aposta no obscurantismo e no falseamento como estratégia de ganhar respeitabilidade e conquistar apoio político e votos. Para complementar a farsa, tornaram o tema um tabu e reagem agressivamente contra quem quer que ouse questionar tal omissão e questionar seu caráter farisaico, que fere a ética pública e acrescenta mais um elemento de falseamento ao jogo político.









Dilemas éticos

A combinação, por um tempo considerável, de falta de critérios objetivos, paixões partidárias exacerbadas e baixa porcentagem de produção de material original não analítico (lacuna esta que tende a levar à repetição e ao agravamento tanto do efeito de manada açulado pelas redes sociais quanto da dependência em relação ao jornalismo corporativo enquanto fonte primária) tem feito com que a blogosfera – notadamente a mal chamada "blogosfera progressista", cujo comprometimento com o projeto de poder petista é atávico - se defronte atualmente com sérios dilemas de validação da veracidade de suas publicações e de capacidade de comunicar-se e interagir com audiências que não comunguem de suas paixões político-partidárias.



Mais grave: episódios recentes, como a delação de manifestantes à PMERJ via redes sociais ou a difusão, por um dos principais "blogueiros progressistas", de uma foto digitalmente alterada de um protesto popular, em que, por artes do Photoshop, uma suástica nazista substituiu o que era na verdade o símbolo do anarquismo, agravam ainda mais a situação e demonstram que, além de nem sempre a blogosfera aplicar a si mesma o rigor ético que cobra da mídia corporativa, eventualmente incorre ela própria em graves deslizes deontológicos – e sem reconhecê-los publicamente ou por eles se desculpar.







Mudanças à vista

A questão da mídia no Brasil, desnecessário dizer, continua sendo um assunto de máxima urgência. Oligopolizada, classista, concentrada na mão de poucas famílias com interesses políticos em comum, usada como moeda política. Nesse ambiente, a relação da blogosfera e de muitos dos atores políticos virtuais com a mídia, eivada das contradições e do maniqueísmo acima apontados, se deu, até agora, sob a égide de uma contradição essencial: quem, em larga medida, vem sustentando financeiramente as corporações midiáticas – muitas em situação pré-falimentar - é o próprio governo Dilma, através da insistência de Helena Chagas em seguir à risca o tal "critério técnico" na divisão de verbas oficiais.



A possibilidade de que o novo ministro da Secom diversifique as verbas publicitárias governamentais para além das corporações midiáticas até agora beneficiadas é, como já dito, alvissareira e tem potencial de colaborar para o avanço do debate democrático no país. É natural que a blogosfera política receba parte desses insumos, mas isso deve ser feito com critérios claros, transparência e pluralidade e em troca da obediência a pressupostos éticos republicanos. Do contrário, corre-se o risco de que o dinheiro público venha a servir tão somente para alimentar a correia de transmissão do partido governista de turno – o que, à revelia de quem estiver no poder, seria um desserviço à democracia.


(Imagem retirada daqui)

Segunda versão de artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Violência nas manifestações e o show de oportunismo


Há de se lamentar a morte de um ser humano, ainda mais se pacificamente exercendo o seu ofício, e em condições perigosas. Manifestar solidariedade com a interrupção abrupta de uma vida aos 49 anos, e com a dor dos familiares e amigos de Santiago Andrade, é, portanto, prioritário neste momento. Mas a solidariedade e o respeito ao luto são uma coisa; o sensacionalismo e a exploração da dor alheia para fins políticos, outra.

Talvez a maior parte das pessoas que leem este texto nunca tenha ido a uma manifestação pública do tipo das que vêm acontecendo no Brasil desde junho do ano passado. São eventos tensos, perpassados pela possibilidade iminente de violência, onde o risco à integridade física é real e imprevisível. Por isso mesmo, os profissionais de imprensa que os cobrem fazem uso de um equipamento de segurança que inclui capacete e colete à prova de balas. Infelizmente – e por mais desagradável, neste momento, que seja apontar essa lacuna –, Santiago não gozava de tais proteções, alegadamente porque a emissora não as forneceu. Porém, com uma ou outra exceção, na cobertura midiática e nos tantos artigos plenos de corporativismo que os analistas têm produzido após a morte do cinegrafista, tal omissão criminosa tem recebido pouquíssima atenção, talvez por esta estar quase exclusivamente direcionada ao revanchismo contra os manifestantes apontados como responsáveis pela tragédia.



Violência disseminada
O caráter violento das manifestações, derivado em grande parte do despreparo e abuso das forças policiais e de estas serem instruídas por seus superiores a reprimir - e não meramente a acompanhar - tal exercício constitucional do direito ao protesto, não se evidenciou a partir da morte de Santiago Andrade. Muito pelo contrário: há dezenas de jovens feridos com gravidade – inclusive casos de cegueira por bala de borracha - e flagrantes filmados de violência policial que incluem espancamentos diversos, uso abusivo de bombas, spray e gases, além do atropelamento intencional de uma jovem recém-torturada. Mais revelador: no mesmo dia em que o cinegrafista da Band foi atingido, outra morte ocorreu em decorrência dos protestos, mas como não se tratava de um profissional de uma grande corporação midiática - e sim de um velho jornaleiro, de nome Tasman Amaral Accioly -, a mídia não se ocupou em lastimá-la.

Essa indignação seletiva eivada de corporativismo acabou por reunir um arco inusitado de vozes do espectro politico-midiático, de Mário Magalhães a Reinaldo Azevedo, passando pelos mais fanáticos blogueiros governistas e pelos mais famosos apresentadores de telejornais, numa catarse que mais evidencia do que disfarça o intuito de criminalizar as manifestações populares, cuja independência e imprevisibilidade incomoda tanto setores da velha esquerda – desde órfãos do "partidão" a renitentes petistas - quanto o conservadorismo, além de atentar contra o "complexo de Tirébias" e o cerrado corporativismo dos jornalistas, cuja reação histérica ante a morte de "um dos seus" contrasta com a passividade resignada com que aceitam as milhares de mortes de jovens negros e pobres que a repressão periférica institucionalizada - esta sim, autenticamente fascista – promove com regularidade diária.



Pesos e medidas
A comparação com o pouco caso para com tanta violência pregressa - e até para com outra morte em contexto de manifestações populares - evidencia que a reação midiática, inflamada a partir do anúncio do óbito do cinegrafista, jamais foi a expressão de uma genuína indignação, cívica ou moral, mas o aproveitamento oportunista de uma tragédia que, ao contrário das várias anteriores, reúne quatro características únicas: permite culpabilizar os manifestantes (e não as forças policiais); está documentada, em registros videográficos diversos, do início ao fim (não possibilitando justificar-se como emprego necessário da força, como de ordinário as forças policiais o fazem); devido ao fato de registrar um profissional de mídia no exercício de suas atividades, facilita tanto a mobilização corporativista – de ordinário enorme entre jornalistas - quanto, de modo geral, a identificação do homem comum com o falecido (não por acaso, editoriais e colunas deram repetida ênfase à descrição "trabalhador morto no cumprimento do dever").

Deflagrado o show midiático, o que seria uma justificada comoção pela morte de um valoroso ser humano começou a dar lugar a um show de oportunismo e manipulação da boa fé da audiência. A aparente comoção dos apresentadores de telejornal foi tão somente a face mais visível de uma batalha pela opinião pública, com os atores políticos disputando um pedaço do cadáver para fazer avançar a própria agenda política, pois logo ficou claro que aquela era a oportunidade esperada tanto pelo governismo quanto pela mídia para criminalizar os protestos, simular a urgência da instauração de uma legislação antiterrorismo e impor o vigilantismo na internet via aprovação do projeto do Marco Civil. Já no dia seguinte, o governo Dilma comandava, a toque de caixa, tais votações. [Graças aos partidos de esquerda e a um rasgo de sensatez de parte da bancada petista, a votação do projeto foi adiada em duas semanas, mas continua na pauta de votações do Senado.]



O mundo ao avesso
Referindo-se a esse atual conluio fúnebre entre mídia e "blogueiros e comentadores de 'esquerda'", Bruno Cava vai ao ponto nodal da operação discursiva posta em prática:

"Invertendo a relação de causa e efeito, atribuem a responsabilidade sobre a violência para o lado dos manifestantes (é exceção e raridade machucarem alguém), e não na polícia (é regra e modus operandi machucarem muitos, sob ordens superiores). Nesse raciocínio invertido, os não-violentos deveriam cessar a violência para que os violentos de sempre não possam ter mais um pretexto para ser violentos."
Corroborando a descrição de Cava, a violência aparece nos relatos indignados que hoje infestam páginas e bites como uma tática voluntariosa e gratuita dos manifestantes, e não como o que de fato tem sido: uma medida reativa à violência desproporcionalmente maior, institucional e ilegal - pois violadora do direito constitucional à manifestação pública – sofrida.



Fatos negligenciados
Além disso, a atmosfera de turba, em que à justificada revolta por uma morte em tais circunstâncias somam-se sentimentos corporativos, interesses políticos inconfessos e o desejo de maior liberdade de repressão por parte do Poder, parece ter impedido que se atentasse para dois fatos de suma importância:

O primeiro é que não se tratou, a rigor, de uma tentativa intencional de assassinato, mas de uma fatalidade. Certamente foi uma imprudência deixar o rojão aceso no chão – e quem o fez deve arcar com as consequências legais – mas daí a se falar em homicídio doloso ou a comparar a irresponsabilidade do ato com o sadismo dos que deliberadamente prenderam um rapaz nu a um poste - como fez uma comentadora a quem muito respeito mas de quem neste caso discordo frontalmente - vai uma distância considerável, que passa pelo contexto violento inerente ao protesto em questão, pela imprevisibilidade da trajetória do rojão, pelo caráter aleatório da ação e, sobretudo, pela ausência de intencionalidade assassina.

O segundo fato que tem sido negligenciado é que se tratou, alegadamente, da ação isolada de dois indivíduos – cujo direito à presunção de inocência tem sido amplamente negligenciado, como observa o professor Pablo Ortellado. Portanto, sua tipificação como uma ação criminosa dos Black Blocs não passa de uma generalização, uma projeção injustificada que, num misto de wishful thinking e oportunismo, se quer impor aos fatos, à revelia destes. Achar que os manifestantes vão deixar de reagir violentamente à violência que sofrem tão somente por exercerem seu direito ao protesto é ingenuidade, assim como atribuir toda e qualquer reação a Black Blocs é generalização improcedente.



Bode expiatório
Mesmo assim, como seria despropositado culpar, de forma genérica, os manifestantes pela morte do cinegrafista, a mídia e o governismo na internet aproveitam a oportunidade para atribuí-la, embora sem prova alguma, aos Black Blocs, aos quais devotam um ódio figadal tanto por terem infundido coragem e determinação a muitos manifestantes quanto pelo caráter errático e agressivamente anticapitalista de sua ação. Muito se tem escrito sobre esse fenômeno, infelizmente por gente que não os conhece, não os entende, nunca os estudou e sequer sabe que denominam tanto um coletivo eventual de manifestantes quanto uma tática urbana.

Essa ignorância pode vir a provocar mais violência futura, pois os Black Blocs são o sintoma e não a doença, a reação do organismo a uma violência periférica cotidiana, a um brutalismo que transcende o âmbito da fisicalidade e impregna o inconsciente coletivo. Daí a identificação que desfrutam em amplos setores da juventude e o ódio que despertam em quem tem banzo por protestos bem comportados, como o Poder determina. Não é com a desqualificação a priori , com o incremento da já inaceitável violência policial ou com a eventual adoção de eventuais leis de exceção que se vai detê-los. Afinal, presume-se que estamos numa democracia.


Mudanças essenciais
A não ser que se aposte em um banho de sangue, a diminuição da violência nos protestos populares não virá nem através de leis draconianas nem com a criminalização dos manifestantes, sejam os dois bodes expiatórios da vez, um punhado de Black Blocs ou milhares de protestantes. Pois ela passa, em primeiro lugar, pelo diálogo aberto entre população e governos, item básico das democracias contemporâneas, mas que tem sido amplamente negligenciado no Brasil. Demanda, obrigatoriamente, a extinção da polícia militar e sua substituição por uma força policial profissional treinada, bem remunerada e orientada a respeitar a Constituição, inclusive no que tange ao direito à manifestação pública. Por fim, passa pela equação dos pornográficos índices de violência brasileiros, cuja reverberação nas passeatas é um pálido reflexo, mas cuja presença cotidiana na vida da juventude tende a ser introjetada e reproduzida. Paz sem voz é medo.