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terça-feira, 22 de abril de 2014

O retrocesso progressista

O boom dos blogs políticos, no Brasil, ocorre no bojo da disseminação da web 2.0, mais veloz e interativa, e das campanhas eleitorais que reelegeram Luiz Inácio Lula da Silva e levaram Dilma Rousseff à cadeira presidencial.

É desse ínterim que datam alguns dos principais dos então chamados "blogs progressistas", denominação que hoje, tomada ao pé da letra, configura um típico ato falho freudiano, mas que, à época, procurava indicar a identificação com um ideário político de esquerda sem circunscrevê-lo explicitamente ao petismo em ascensão.

Esse boom de blogs políticos ocorre, portanto, com um um atraso médio de sete ou oito anos em relação a fenômeno semelhante – embora de perfil distinto - nos EUA.



Personalismo e crise
Um pouco antes da ascensão da blogosfera progressista já havia, é fato, uma relativamente forte atividade blogueira em português; mas, malgrado a existência de alguns ótimos blogs com ênfase em política – como O biscoito e a massa, de Idelber Avelar, ou o de Sakamoto -, a impressão era de alterativas pontuais em um cenário com predomínio de temáticas humorísticas, de cultura pop, ou mesmo de confusão entre blog e diário adolescente.

Sobretudo não havia uma articulação conjunta em prol de um ideário político como, para o bem ou para o mal, ocorreria entre os blogs ditos progressistas.

Essa ascensão da blogosfera política se dá em um cenário de agravamento da crise da mídia convencional, seja pela concorrência com a internet – um fenômeno mundial -, seja pela perda de credibilidade ante o tendenciosismo ideológico e os falseamentos dai decorrentes – uma peculiaridade particularmente grave no Brasil e mais evidente durante a era petista.



Nouvelle Cuisine
A confluência desses dois fatores – maior oferta de blogs políticos e crise midiática – fez com que, durante um tempo, parecesse não apenas possível, mas altamente recomendável, abdicar do cardápio informativo midiático em prol de uma dieta mais saudável, cuja base nutricional seria fornecida por uma receita selecionada de blogs e sites alternativos.

A nova economia informativa exigia algum trabalho de pesquisa, garimpagem e constante atualização, é verdade, mas a promessa de acesso a informação desprovida ou menos marcada pelas distorções decorrentes do conluio entre mídia corporativa e grande capital faria, alegadamente, valer a pena.



Alternativa à mídia
Essa lógica prosperou durante um tempo, e foi com um misto de alívio e alegria que muitos constaram, por exemplo, que abdicar da leitura diária daquele jornal que considera a ditadura branda resultava não apenas em economia de alguns caraminguás, mas no benefício de trocar os repetitivos ardis da coluna da Cantanhêde pela novidade reluzente do texto de um blogueiro cuja opinião não se media pela régua do patrão.

Embora tal tendência pareça irrefreável, persevere e apresente avanços qualitativos em boa parte do mundo, essa lógica da substituição da mídia corporativa pela produção dita independente como principal fonte de informação ora claudica, na seara política, no Brasil. E pelos motivos que se seguem, coadunados entre si.



PIG do B
O primeiro, e mais grave, é que adotar como principal fonte de informação, hoje em dia, os blogs progressistas equivale a receber uma informação tão ou mais distorcida do que a oferecida pela mídia corporativa, só que com sentido político-ideológico invariavelmente pró-petista.

Isso de dá devido à constatação de que fica cada vez mais evidente que tais "progressistas", em sua maioria, não hesitam em se valer dos mesmos truques retóricos, estratégias desqualificadoras, flacidez ética e miopia ideológica que tanto criticam na mídia corporativa – a qual chamam de PIG.
Transformam, desse modo, o debate político num autêntico vale-tudo para defender as forças no poder, as quais reputam como de esquerda, a despeito das privatizações a granel, da manutenção do tripé econômico neoliberal, da repressão a greves e manifestações populares e de tantos traços identificadores da pior direita. Formam, assim, o PIG do B, na definição sarcástica da jornalista Denise Queiroz.

Pois os blogueiros progressistas, assumidos ou não como tais, abdicaram, há tempos, da análise política equilibrada, ponderada e baseada em fatos, substituída por uma lógica antimidiática e partidária de caráter meramente reativo, cujo objetivo precípuo é justificar toda e qualquer medida dos governos petistas.



Exposição na mídia
O segundo aspecto problemático da atual conformação da blogosfera política no Brasil é a própria visibilidade hegemônica da qual desfrutam os blogs progressistas, assegurada pela grande projeção midiática de alguns de seus principais blogueiros, graças à exposição (prévia ou mesmo atual) nas redes televisivas ou nas redações que tanto criticam (Paulo Henrique Amorim, Nassif, Azenha, Paulo Nogueira, Rodrigo Vianna), do maior acesso a verbas de patrocínio – em sua maioria estatais - e do fato de, não obstante conservarem alguma independência entre si, atuarem estrategicamente como um grupo uno.

Pois um dos principais traços distintivos dos blogueiros progressistas é que agem em conluio: há uma espécie de hierarquia entre eles, sendo que um repercute os posts dos outros e os articulistas cujas opiniões destoam das da manada ou que constam do índex de um não são publicados por nenhum dos outros.



Debate cerceado
Essa ação quadrilheira de tonalidades obscurantistas reduz drasticamente a visibilidade de blogs não afinados com a linha política predominante entre os progressistas – ou seja, a fé religiosa e intransigente no petismo. Comprova, ainda, que são relativas as contribuições dos progressistas para a diversidade midiática, notadamente no que se refere a temas políticos, limitados que estão não somente em publicizar o que seja de interesse chapa-branca, mas também em bloquear a difusão das críticas, mesmo se à esquerda.

Assim agindo, a blogosfera progressista emula o modus operandi do próprio petismo no poder, e com resultados semelhantes: pois, tal como o governo que apoia, traveste-se de esquerda e ocupa indevidamente o locus político que a esta de direito pertenceria, esvaziando-o. E o faz corroborando a adoção de um receituário que, com a única exceção das políticas de renda mínima, mostra-se intrinsecamente conservador, entre outros aspectos, nos terrenos da economia, da biopolítica, dos Direitos Humanos e do arcaico modelo desenvolvimentista adotado.

A blogosfera progressista é, hoje, uma força do atraso.

2 comentários:

Rick disse...

Concordo totalmente com sua analise do espectro politico dos blogs progressistas e seu contraponto direto a midia tradicional. Por outro lado, vc tem alguma alternativa de açao para contrabalancear o poder midiatico das grandes corporaçoes? Vc criticou o aspecto sectario dos blogs, mas do outro lado vc ve equilibrio? Claro que é importante debater serenamente os temas nacionais, mas e qdo existe um completo aggiornamento à direita das pautas das redaçoes? Jornais e revistas que publicam sempre as mesmas coisas, diuturnamente contra o governo e o PT? Ou vc prefere que o governo e a populaçao assistam calados ao bombardeio diario de má informaçao, que os blogs progressistas tentam rebater? A diferença basica entre a midia tradicional e os blogs é a verba publica que escorre pelas veias abertas do poder pra irrigar redaçoes onde impera a mais abjeta forma de jornalismo, o jornalismo das ilaçoes, ou, em tempos de MP, em "denuncia informal". Tem alguma soluçao pra contornar as mentiras publicadas pela Veja,Epoca, Folha, Globo, Estadao, RBS? Cade a etica jornalistica que um dia serviu de base pro exercicio da profissao? Ou esta so pode ser aplicada no caso dos blogueiros dito progressitas?

Unknown disse...

Rick,

Parece-me evidente a necessidade de democratizar a comunicação no Brasil, coibindo a propriedade cruzada e promovendo a pluralidade.

Não é, no entanto, o que se vê atualmente. Por um lado, o PT no poder não ousou regulamentar minimamente a mídia (pelo contrário, continua a sustentar as principais corporaçoes, via Secom).

Por outro, como tento abordar no texto, os blogs ditos progressistas estão cada vez mais presos de um sectarismo partidário.

Penso ser evidente a necessidade de pluralidade, mas que supere a (falsa) oposição mídia corporativa x PT. Nem os progressistas nem o governo que apoiam têm contribuído realmente para isso.

Obrigado pelo comentário.