O
panelaço de ontem à noite foi o maior e mais amplo protesto do tipo
já ocorrido no Brasil.
Mente
quem continua a sustentar que se trata de um movimento restrito à
zona sul de São Paulo ou do Rio. Relatos, a quente, dão conta de
que ontem a manifestação foi intensa em todas as capitais do Sul e
do Sudeste, no ABCD e no interior de São Paulo, em Goiânia e
Brasília e até em capitais nordestinas (antes de predomínio
petista) como Maceió, Natal e Recife.
O
avanço do protesto para áreas menos abastadas foi, em São Paulo e
no Rio, um fato. Tanto a área central dessas cidades quanto alguns
dos bairros intermediários entre os de classe média e os mais
periféricos tiveram inéditos panelaços que, durante os longos
minutos de duração do programa eleitoral petista na TV,
produziram um barulho ensurdecedor, intensificado por buzinas e
apitos e entrecortado por gritos de protesto.
Ficou
mais uma vez claro que vivemos, hoje, em um país no qual a
presidente não pode aparecer em público sem ser recebida por um
coro de vaias e em que o partido vencedor das eleições presidenciais
desperta panelaços quando é sua vez de veicular seu programa
televisivo.
A
desqualificação como tática
São
fatos, ancorados na realidade, mas ainda assim continuam a ser
negados pelos governistas, cuja reação ao panelaço foi a de
sempre: desqualificá-lo. Até nisso os petistas estão cada vez mais
parecidos com os neoconservadores: substituíram o diálogo pela
desqualificação agressiva.
As
reações de ontem corroboram tal premissa: “coxinhas” e
“alienados”, dentre as denominações publicáveis, foram os
adjetivos mais gentis endereçados a quem protestou batendo panela.
Uma modalidade de protesto que, na visão dos governistas, vai do “não
vale” ao “simplesmente ridícula”. Protesto válido, para eles,
só os a favor.
Nesse
esforço para desqualificar uma manifestação popular espontânea,
com mais participação das classes médias, a pérola maior foi uma
comparação. “Contra o massacre dos professores no Paraná ninguém
bateu panela” e frases similares pipocaram nas redes sociais.
Trata-se
de uma injustiça e de uma comparação despropositada.
Significados
do panelaço
Em
primeiro lugar, porque a reação ao massacre tucano contra os
professores foi das mais expressivas, na internet e fora dela,
chegando a gerar, na verdade, uma quase-unanimidade, o que fez com
que até os fóruns dos grandes portais – lar por excelência do
conservadorismo mais tacanho – coletassem milhares de opiniões
condenando a brutalidade policial.
Em
segundo lugar, por uma questão de afinidade entre a modalidade de
protesto, aquilo contra qual se está protestando e a oportunidade do
protesto. Ou seja, a forma de protesto panelaço, rara no Brasil, não
foi escolhida à toa, assim como não é por acaso que foi deflagrada
enquanto durou o programa eleitoral do PT.
Pois
existem duas significações evidentes diretamente conectadas ao
panelaço de ontem: a primeira é a tentativa de condenar
publicamente o Partido dos Trabalhadores, com o barulho das panelas
impondo-se, em volume e conotação , ao discurso marqueteiro do
programa do partido, que o baticum denunciou como falso e
artificioso. Eis o resultado da traição eleitoral de Dilma, que na
campanha presidencial vendeu um país de comercial de margarina e
agora corta na carne e nos direitos dos trabalhadores.
A
segunda significação do panelaço vem da própria escolha de
panelas como “instrumento de percussão” privilegiado do
protesto, numa clara alusão à carestia e aos aumentos cumulativos
da carne e dos demais itens alimentares básicos, cujo consumo a
inflação real (muito mais alta do que a oficial, como constata
qualquer pessoa que faça compras regularmente) ora impede ou
diminui.
Despropósito
e omissão
São
essas as razões que tornam improcedente a cobrança por panelaço
contra o massacre dos professores pela PM paranaense, sob o comando
do governador tucano Beto Richa. Tal carnificina, por sua própria
natureza, seu caráter único, inesperado, geograficamente
localizado, protagonizado por forças estaduais, sem um referencial
nacional que pudesse delimitar o horário e a duração da
manifestação, demandou outras modalidades de protestos – que, se
não foram suficientes (nunca seriam), não foram poucas nem
restritas, mobilizando intensamente a blogosfera, as redes sociais,
órgãos da sociedade civil organizada e, sobretudo, a efetiva
solidariedade da população paranaense aos professores em greve.
Mas,
se os governistas querem comparar protestos, seria mais justo que
se valessem de eventos similares, contrapondo o ocorrido no Paraná
a, por exemplo, o espancamento de professores em greve pela Guarda
Municipal de Goiânia, sob o comando do prefeito petista Paulo
Garcia, ocorrido
no último dia 24. Porém, quanto a esse ato de violência oficial,
nos blogs e demais hordas petistas, reina o mais obsequioso
silêncio.
A
voz das panelas
Voltando
ao panelaço de ontem, é preciso atentar para uma terceira
significação, das mais urgentes: o fato de se dar no momento em que
o PT, após semanas questionando o ajuste fiscal brutal que o governo
Dilma enviou à Câmara, parou de fazer teatrinho e admitiu que vai
votar a favor. Trata-se da consumação da traição eleitoral de um
partido dito dos trabalhadores, mas que vai ser cúmplice em um
enorme sacrifício de direitos, empregos e renda, através de uma
medida que penaliza desempregados, viúvas de inválidos e
trabalhadores de baixa renda, enquanto conserva intactos as grandes
fortunas e os lucros pornográficos dos bancos e das teles.
E
tudo isso para quê? Unicamente para satisfazer aos caprichos do
mercado financeiro, cumprindo uma meta irreal de superávit primário,
ou seja, de dinheiro que deixa de ser investido no país e é
entregue aos bancos para fazer caixa, provando que o governo consegue
poupar.
O
resultado já se faz sentir, no crescimento dos índices de pobreza,
na expulsão da classe C do paraíso da classe média, nos cortes do
financiamento estudantil (FIES) (em mais uma evidência de que a
alegada prioridade à Educação não passa de discurso de campanha).
Um quadro que, segundo especialistas dos mais variados matizes, tende
a se agravar ao menos até o final do ano que vem.
Mundo
da fantasia
É
evidente que essa administração irresponsável dos bens públicos,
impondo um retrocesso econômico duríssimo ao país, nada tem de
esquerda. Trata-se de uma medida que em nada difere daquelas adotadas
quando da vigência do neoliberalismo ortodoxo do período FHC.
A
claque petista na internet, no entanto, liderada pelos blogueiros
“progressistas” (sic), continua em estado de negação e,
enquanto se empenha na desqualificação de tudos e de todos que não
aceitam passivamente a traição eleitoral perpetuada por Dilma e
pelo partdo, apoia cegamente a transformação do PT em
força-auxiliar do neoliberalismo.
Mas
começa-se a se quebrar, felizmente, o cordão de silêncio, inação
e temor em relação ao estalinismo tacanho dos governistas. Esta
semana o jornalista Celso Lungaretti publicou um corajoso artigo
no qual critica os “blogueiros amestrados (…) que em todos os
assuntos se posicionam levando em conta unicamente conveniências
palacianas.”. Que mais vozes se somem à denúncia desse conluio
de fanáticos, que promovem de bom grado a negação da realidade em
nome do engajamento partidário.
Crepúsculo
de um partido
Passa
da hora de Dilma e o PT assumirem o ônus de sua traição – que
não se limita ao estelionato eleitoral praticado na última eleição,
dizendo, na verdade, respeito a todo um processo de aproximação e
mimetismo com a pior direita - e, concomitantemente, de cooptação e
enfraquecimento da esquerda, que hoje, aliada ou não ao petismo e
ainda que de forma injusta, improcedente e inadvertida, paga o preço
das imposturas petistas.
Há
alternativas à redenção total ao mercado, mas para isso seria
preciso, além de decência e compromisso com o povo, vontade
política – itens que o petismo, em conluio com o mercado e presa
do marketing político aético de João Santana, não tem mais
capacidade ou interesse de oferecer.
E
um número cada vez maior de cidadãos e cidadãs sabe disso – e,
por ora, enquanto as eleições não chegam, manifesta sua indignação
e revolta batendo panelas.
(Foto
retirada daqui)
Um comentário:
Parabéns! Um dos poucos sites coerentes que não defendem nem petistas nem direitistas e que se baseia em fatos para analisar a política atual. Continue assim!
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