Depois
de dois anos marcados por escasso diálogo com a imprensa, a
presidente Dilma Rousseff agora se digna a dar entrevistas, graças à
proximidade crescente das eleições – e à possibilidade de
perdê-las. Usou uma das mais recentes para acusar a mídia de
"negativismo". Pouco depois, em um palanque, rotulou
genericamente a oposição de "mercadores do pessimismo".
Foi
a senha para que seus simpatizantes e militantes espalhassem aos
quatro ventos a boa nova: a inflação está baixa, apesar de acima
do teto estabelecido; a economia vai de vento em popa, não obstante
as previsões agora apontarem para um PIB abaixo de 1%, um dos piores
de toda a América Latina; a Educação é prioridade, apesar de,
após 12 anos de PT, continuar na rabeira dos rankings
internacionais, ao lado de potências como Granada e Serra Leoa.
Ou
seja, o país vai muito bem, obrigado, e quem diz o contrário e
desmente a excelência da gestão Dilma é a mídia malvada, ainda
que esta muitas vezes se baseie em dados governamentais e em análises
consolidadas entre analistas das mais variadas tendências.
Desculpa
multiuso
Mas
nem sempre a mídia brasileira serviu ao petismo como bode expiatório
e cortina de fumaça para tirar a visibilidade das mazelas e dos
problemas de suas administrações. Houve um tempo em que os reais e
gravíssimos problemas de nossa mídia – oligopolização,
elitismo, tendenciosismo, conservadorismo, entre outros ismos tão ou
mais nocivos – faziam com que a reforma da mídia ocupasse a
prioridade na agenda dos partidos não conservadores – inclusive do
PT, que naquela época ainda convencia os incautos de que era uma
força política de esquerda.
A
presidência Lula foi perpassada pela urgência em regulamentar a
mídia. Alegava-se, porém, ausência de clima político para
mexer nesse vespeiro, mesmo no segundo mandato. Mas pareciam
favas contadas que, se a candidatura Dilma vencesse, uma nova Lei de
Mídia seria aprovada – e para tal Franklin Martins, secretário da
Comunicação do governo Lula, deixara à candidata um projeto
debatido, reelaborado e praticamente pronto.
Porém, e por livre e espontânea vontade, Dilma Rousseff perdeu, logo no
início de seu mandato, uma grande oportunidade de promover a
regulamentação da mídia, uma pauta até então dita prioritária
pelo próprio governo. Ela tinha na ocasião mais apoio parlamentar do que
Lula conseguira em seus dois termos e gozava ainda do período de
tolerância com que, segundo os cientistas políticos, os brasileiros
costumam brindar os presidentes recém-empossados.
Adiamentos
sucessivos
Ao
invés de avançar, Dilma surpreenderia a muitos com uma política de
aproximação com a mídia, com direito a noite de gala na sede da
Folha de S. Paulo - que durante a campanha divulgara uma
ficha policia falsa da candidata - e a uma aula de como fritar
omeletes, ao lado de Ana Maria Braga e seu papagaio global.
A
partir daquele momento, e no decorrer dos meses seguintes, ficaria
claro que a regulamentação da mídia fora adiada ad infinitum,
dando lugar a uma estratégia de tentativa de cooptação de setores
conservadores. Estes incluíam inimigos históricos do petismo, então
contentes com o desempenho econômico sem sobressaltos e com um
modelo de redistribuição de renda baseado na ampliação do mercado
e do consumo, e não em uma reestruturação efetiva e
protoigualitária de toda a pirâmide social, a qual reduzisse seus
ganhos e status social.
Vitória
de Pirro
A
estratégia presidencial deu frutos, em um primeiro momento: seus
índices de aprovação bateram recordes históricos, com picos
inéditos em setores antes refratários a mandatários petistas.
Já
quando tal tendência apenas começava a se delinear, apontamos,
neste blog, para a fragilidade de tal estratégia e para o que
representava de ameaçador em termos politico-ideológicos e
eleitorais - por deslocar o pêndulo petista para uma pauta ainda
mais conservadora, diminuindo a já rareante plataforma de esquerda e
gerando perda de votos entre integrantes da seara canhota.
Alertamos,
sobretudo, para o caráter fugaz de tal estratégia: tão logo o
conservadorismo apresentasse o seu candidato, tais votos tenderiam a
para ele refluir, e aí talvez fosse tarde para recuperar o voto dos
esquerdistas que debandaram.
A
história revelaria que, infelizmente, tais premissas estavam
corretas. Das Jornadas de junho em diante, a aprovação a Dilma e
suas intenções de voto como candidata presidencial despencaram e,
apesar de oscilações para cima e para baixo, sem jamais atingir os
patamares anteriores. Mais importante: como mostram as pesquisas, os
votos que se foram e não voltaram são exatamente os referentes, por
um lado, aos setores mais conservadores do Sudeste e, por outro, a
categorias profissionais e estratos socioeconômicos historicamente
ligados ao petismo em seu formato original, ideologizado e crítico
às alianças de interesse e ao convencionalismo econômico.
Não
é com satisfação que constatamos o acerto em nossas previsões. É,
antes, com um sentimento de frustração e de impotência que vemos
um partido dito trabalhista desperdiçar uma chance histórica de
apresentar uma alternativa ao neoliberalismo, preferindo dar
sobrevida a práticas políticas e, sobretudo, a ideologias
orientadoras de políticas econômicas as quais teve a oportunidade
de soterrar sob camadas de cal. Preferiu
o inverso, chegando ao cúmulo de reviver até práticas
privatistas, culminando com a concessão do Pré-Sal, medida que
rompeu compromisso assumido em campanha.
Tietismo
acrítico
E
tudo isso se deu, em grande medida, por conta de uma turba de
apoiadores e militantes que se comportam como fãs histéricos ante o
ídolo - e não como cidadãos críticos e racionais, capazes de
discernir e apontar erros e acertos mesmo se estes estiverem sendo praticados pela força
política com a qual simpatizam. Mantêm uma relação de crença quase religiosa na clarividência petista - e não raro agridem e buscam desqualificar quem com eles não compartilha essa fé baseada no dogma, e não em fatos. Em última análise, isso leva a uma negação dos fatos e à condenação automática e invariável da mídia por eventualmente reportá-los.
Açularam
tremendamente essa tendência as novas tecnologias de comunicação,
destacadamente as redes sociais e demais recursos interativos
trazidos pela web 2.0, os quais, pesquisas confirmam, tendem a
estimular o movimento de manada e a isolar as vozes críticas.
Enquanto
o petismo militante apoiava a guinada conservadora do governo,
ocupava-se destilando seu ódio a Joaquim Barbosa e elegia a mídia
como o bode expiatório para todo e qualquer problema, no mundo real
os problemas derivados da má gestão pública se avolumavam: os
relatos do genocídio indígena evidenciam a volta de um modelo de
desenvolvimento arcaico e antiecológico, em descompasso com o
momento civilizatório; agora, a volta da inflação faz estragos nos
orçamentos domésticos, ao mesmo tempo em que o volume de
endividamento das famílias – sobre o qual se sustenta parte da
economia - atinge um nível temeroso; visto de perto, o desemprego
evidencia uma dinâmica bem diferente da mostrada nos índices
generalistas do IBGE, com férias coletivas devido a queda da
produção indústria, reposição de quadros por salários menores, e
maior desemprego entre profissionais com alta qualificação.
Estratégia diversionista
Mas
os militantes, em seu fanatismo intransigente, continuam a atribuir
tudo isso à mídia, que estaria insuflando um suposto "pessimismo
negativista". Repetem, bovinamente, as críticas contra a mídia
explicitadas pela própria Dilma, fingindo não se dar conta de que
foi a própria presidente quem se acovardou ante a necessidade de
regulamentar a mídia – pauta que, em obediência à agenda
conservadora que abraçou e veio pra ficar, já foi devidamente
retirada do programa de governo da candidata.
Afinal,
a despeito e para além da urgência da regulamentação da mídia, é
preciso dar aos militantes um bode expiatório para que ataquem,
enquanto, no mundo real, o governo petista se rende cada vez mais ao
conservadorismo, sob a complacência canina da militância.
(Imagem de autoria de Gordo Nerd, retirada daqui e editada)
3 comentários:
Acho que se o PT for derrotado, seja em 2014 ou em 2018, essa turma vai culpar o seu 'radicalismo de esquerda' pela derrota. E é bem capaz que em vez de fazer uma autocrítica vão guiar mais à direita, se é que possível isso.
Essa questão da web 2.0 e suas tendências contra o pesamento crítico, você tem algum link que fale a respeito disso?
Obrigado pelo comentário, Sturt.
Dê uma olhada neste artigo jornalístico sobre formação de opinião nos dias de hoje:[http://www.nytimes.com/2009/03/19/opinion/19kristof.html?_r=2&]; neste estudo acadêmico sobre redes sociais e eleições que se tornou referencial: [http://24.166.108.44/TAU/Campaigns%20and%20Elections/Baumgarten.pdf]; e neste paper especificamente sobre a relação entre blogosfera e engajamento político na era da web 2.0: [http://www.dr-chill.webspace.virginmedia.com/publications/2008_Critiques_Web_Two_Zero.pdf].
Divirta-se!
Um abraço,
Mauricio
Bom dia, Maurício:
Este tom triunfalista que oscila entre a pura arrogância e o desespero, a ausência de autocrítica, o culto doentio a personalidade - como se o "Supremo Líder" fosse infalível, quando não a pura e simples desonestidade intelectual da blogosfera "progressista" já está passando dos limites.
E o pior é que a maioria dos autores vive simplesmente repercutindo uns aos outros, no melhor estilo do Pravda soviético. Façam as apostas de quantos destes blogs e portais irão se manter caso um dia o PT perder o poder...
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