O
final de semana foi marcado, nas redes sociais, pela escalada da
agressividade e dos esforços de desqualificação de Marina Silva
por militantes e simpatizantes petistas. Trata-se de num movimento
coordenado, que tende a atingir o ápice nos próximos dias, com a
eventual confirmação da candidatura da ex-senadora, em substituição
a Eduardo Campos.
Nas
três últimas eleições presidenciais difundiu-se, com amplo
auxílio dos chamados blogs progressistas, a ideia de que os métodos
sujos de campanha eram um traço distintivo do PSDB, particularmente
do sempre candidato José Serra. Estamos, uma vez mais, em um período
eleitoral e, a julgar pelo que vem sendo visto nas redes sociais,
mesmo antes da explosão de ódio do último final de semana, teremos
uma campanha presidencial das mais sujas – só que, desta vez,
graças sobretudo ao petismo (ou será que sempre foi assim e não
nos dávamos conta?).
De
qualquer modo, o fato é que se assistiu a um verdadeiro festival de
baixarias, um profundo esvaziamento da discussão de questões
programáticas em prol de uma catarse em que o ódio serviu de
alimento às agressões pessoais contra quem fora, durante décadas,
uma correligionária e companheira de luta, além de uma das
principais responsáveis pela expansão inicial do PT na Amazônia.
Voo
próprio
Mas
a cria desgarrou, tornou-se internacionalmente reconhecida como uma
expert no desenvolvimento sustentável. Preterida por Lula, em sua
sucessão, em prol de Dilma, rompeu amarras, ganhou vida própria,
provou-se capaz de se constituir em uma liderança personalista,
chegando a expressivos 20 milhões de votos nas eleições de 2010.
Com um diferencial em relação ao neopetismo: Marina manteve-se como
uma crítica contumaz das alianças por demais elásticas e do
vale-tudo político em que o PT se embrenhou e cujo mais visível
símbolo é o "mensalão".
E
é justamente o temor despertado no petismo pela possibilidade
iminente de perda do poder contra uma candidatura com tal simbologia
que tem levado parte significativa de seus ativistas nas redes
sociais – incluindo medalhões como Greenhalgh e Emir Sader - a
preterir o debate civilizado em prol de um verdadeiro linchamento,
uma campanha difamatória e desqualificadora, baseada em mentiras a
granel e em um moralismo tosco, ao pior estilo imprensa marrom.
Táticas
de esgoto
Num
dos exemplos mais gritantes de mau jornalismo e tentativa de
manipulação da boa fé pública, o portal petista 247 anunciou, em
manchete ilustrada por fotos, que Lula chorara no velório, enquanto
Marina rira. Não bastasse a fragilidade do critério de tal
"denúncia", o poder de contrainformação das redes
sociais logo trouxe o contexto que a originou: o meio sorriso de
Marina, perpassado pela dor, fora um gesto de solidariedade e
reconhecimento da bravura de uma criança que acabara de perder o pai
de forma súbita: destinava-se, como se vê na fotografia original, a um dos filhos de Campos debruçado
sobre a parte debaixo do caixão, e o qual o Photoshop malandro
tratara de apagar da cena.
Mas
essa discussão bizantina sobre quem chorou ou riu no velório, não
obstante virulenta – e atiçada até por um dos principais
blogueiros "progressistas", momentaneamente transformado em
especialista em ética e luto -, foi denúncia das mais suaves,
comparada ao que viria: uma saraivada fétida de acusações que
implicam na invasão da vida privada de Marina, em especulações
sobre sua sexualidade, em comentários desagradáveis quanto a sua
aparência física, além de acusações diversas como as de que
teria, ela mesma, forjado assinaturas para a Rede, "usado"
o presidente Lula (de quem foi ministra do Meio Ambiente por sete
anos), "sugado" o PSB. Complementando o show de horrores,
as indefectíveis teorias da conspiração que, sabe-se lá como,
responsabilizam-na pelo acidante aéreo que vitimou Campos.
Religião
e bancos
Do
cipoal de acusações, duas são tão insistentes quanto
contraditórias, ainda mais por virem do petismo: a alegada ligação
da candidata com a cúpula do Itaú e a suposta ameaça à laicidade
do Estado que Marina representaria por professar a fé
neopentecostal.
Quanto
aos bancos, ora, Lula e Dilma não cansam de sustentar, com orgulho,
que eles nunca faturaram tanto quanto em seus governos e, como mostra
a prestação de contas da campanha eleitoral de Dima em 2010, o Itaú
foi seu terceiro maior doador.
E
soa no mínimo descriterioso que o petismo acuse Marina de ser refém
do poder religioso quando não faz nem uma semana que a própria
Dilma, após um mandato em que sacrificou as questões de gênero no
altar dos pactos com a bancada religiosa, foi ao megatemplo da Igreja
Universal pedir as bençãos do "bispo" Macedo, com quem
deixou-se fotografar.
Tais
acusadores exploram, assim, uma confusão ora recorrente entre a
obrigação constitucional de manter a laicidade do Estado e o
direito individual de liberdade de religião, do qual a pessoa que
ocupa a Presidência da República não está privada. Prova disso é
que há precedentes históricos: Geisel era espírita, Color e Dutra
católicos, todos praticantes – isso não ameaçou a laicidade do
Estado. Na eventualidade de ser eleita, as relações da Marina com o
poder religioso, pela sua própria condição de evangélica, talvez
tendam a ser fiscalizadas com mais atenção do que as dispensadas
aos obscuros tratos da atual mandatária com tal bancada.
Candidatura
enigmática
Decerto
há muito a se questionar – ou mesmo a criticar - em relação à
candidatura de Marina Silva, ainda mais nas circunstâncias
excepcionais em que se consolidou. Suas ligações com Elena Landau e
economistas da PUC/RJ podem ser lidas como indícios de uma política
econômica ainda mais marcada pelos preceitos ortodoxos do
neoliberalismo; sua habilidade em separar suas opiniões pessoais
sobre temas polêmicos e sua postura republicana como presidente
ainda precisa ser provada; não obstante os sete anos à frente do
Ministério do Meio Ambiente, sua capacidade propriamente
administrativa é um enigma (mas, sejamos justos: também o eram as
de Collor, FHC, Lula e Dilma – ou seja, de todos os presidentes
eleitos após o final da ditadura).
Porém,
como procuramos relatar ao longo deste texto, não é sobre tais
temas, de fato periclitantes, que o petismo tem inquirido Marina
Silva. Muito pelo contrário. E a agressividade desmedida,
essencialmente antidemocrática pois tolhedora do debate civilizado
de propostas e programas, não é exclusividade do ambiente inflamado
das redes sociais em períodos eleitorais. Ela também vem sendo
promovida pelos chamados blogs "progressistas", os quais
muitos ainda confundem com porta-vozes da esquerda - quando, na
verdade e em sua ampla maioria, toraram-se mera corrente de
transmissão do petismo. Isso fica uma vez mais evidente através das
sucessivas tentativas de desqualificar Marina Silva que ora ganham
destaque em suas páginas, com ataques pessoais baratos e modus
operandi muito similares aos do jornalismo marrom de Veja, que
justificadamente tanto criticam.
Tudo pelo poder
Parece
incerto que tal estratagema dê resultado. O mais provável será que
gere mais antipatia e desgaste à imagem de Dilma e do partido. Os
petistas, que dizem tanto se orgulhar das administrações Lula e
Dilma e do tanto que fizeram pelo social, melhor fariam se
contrapusessem, no plano das ideias, dos programas e das realizações,
as biografias da líder seringueira de origem humilde que se tornou
referência mundial em desenvolvimento sustentável à da primeira
mulher a alcançar a Presidência do país, com resultados polêmicos
mas efetivos.
Não
tem sido este o caso, pelo contrário. E ao substituir essa saudável
disputa pela overdose de ataques grosseiros, o PT evidencia, uma vez
mais e ao mesmo tempo, sua indistinção em relação às forças
mais retrógradas da sociedade, até onde vai o seu apego descomunal
pelo poder, e o vale-tudo que rege a sobreposição de seus
interesses à missão, urgente, de desenvolver e aprimorar a
democracia no Brasil, inclusive no que diz respeito à qualidade dos
embates eleitorais.
Um comentário:
Fica interessante ver o contraste deste seu último artigo em comparação com a miríade de manchetes ufanistas e guiadas pelo "pensamento único" da blogosfera "progreçista". É como se um tambor soasse diferente dos demais.
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