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segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Ataques a Marina denotam desespero petista

O final de semana foi marcado, nas redes sociais, pela escalada da agressividade e dos esforços de desqualificação de Marina Silva por militantes e simpatizantes petistas. Trata-se de num movimento coordenado, que tende a atingir o ápice nos próximos dias, com a eventual confirmação da candidatura da ex-senadora, em substituição a Eduardo Campos.

Nas três últimas eleições presidenciais difundiu-se, com amplo auxílio dos chamados blogs progressistas, a ideia de que os métodos sujos de campanha eram um traço distintivo do PSDB, particularmente do sempre candidato José Serra. Estamos, uma vez mais, em um período eleitoral e, a julgar pelo que vem sendo visto nas redes sociais, mesmo antes da explosão de ódio do último final de semana, teremos uma campanha presidencial das mais sujas – só que, desta vez, graças sobretudo ao petismo (ou será que sempre foi assim e não nos dávamos conta?).

De qualquer modo, o fato é que se assistiu a um verdadeiro festival de baixarias, um profundo esvaziamento da discussão de questões programáticas em prol de uma catarse em que o ódio serviu de alimento às agressões pessoais contra quem fora, durante décadas, uma correligionária e companheira de luta, além de uma das principais responsáveis pela expansão inicial do PT na Amazônia.



Voo próprio
Mas a cria desgarrou, tornou-se internacionalmente reconhecida como uma expert no desenvolvimento sustentável. Preterida por Lula, em sua sucessão, em prol de Dilma, rompeu amarras, ganhou vida própria, provou-se capaz de se constituir em uma liderança personalista, chegando a expressivos 20 milhões de votos nas eleições de 2010. Com um diferencial em relação ao neopetismo: Marina manteve-se como uma crítica contumaz das alianças por demais elásticas e do vale-tudo político em que o PT se embrenhou e cujo mais visível símbolo é o "mensalão".

E é justamente o temor despertado no petismo pela possibilidade iminente de perda do poder contra uma candidatura com tal simbologia que tem levado parte significativa de seus ativistas nas redes sociais – incluindo medalhões como Greenhalgh e Emir Sader - a preterir o debate civilizado em prol de um verdadeiro linchamento, uma campanha difamatória e desqualificadora, baseada em mentiras a granel e em um moralismo tosco, ao pior estilo imprensa marrom.



Táticas de esgoto
Num dos exemplos mais gritantes de mau jornalismo e tentativa de manipulação da boa fé pública, o portal petista 247 anunciou, em manchete ilustrada por fotos, que Lula chorara no velório, enquanto Marina rira. Não bastasse a fragilidade do critério de tal "denúncia", o poder de contrainformação das redes sociais logo trouxe o contexto que a originou: o meio sorriso de Marina, perpassado pela dor, fora um gesto de solidariedade e reconhecimento da bravura de uma criança que acabara de perder o pai de forma súbita: destinava-se, como se vê na fotografia original, a um dos filhos de Campos debruçado sobre a parte debaixo do caixão, e o qual o Photoshop malandro tratara de apagar da cena.

Mas essa discussão bizantina sobre quem chorou ou riu no velório, não obstante virulenta – e atiçada até por um dos principais blogueiros "progressistas", momentaneamente transformado em especialista em ética e luto -, foi denúncia das mais suaves, comparada ao que viria: uma saraivada fétida de acusações que implicam na invasão da vida privada de Marina, em especulações sobre sua sexualidade, em comentários desagradáveis quanto a sua aparência física, além de acusações diversas como as de que teria, ela mesma, forjado assinaturas para a Rede, "usado" o presidente Lula (de quem foi ministra do Meio Ambiente por sete anos), "sugado" o PSB. Complementando o show de horrores, as indefectíveis teorias da conspiração que, sabe-se lá como, responsabilizam-na pelo acidante aéreo que vitimou Campos.



Religião e bancos
Do cipoal de acusações, duas são tão insistentes quanto contraditórias, ainda mais por virem do petismo: a alegada ligação da candidata com a cúpula do Itaú e a suposta ameaça à laicidade do Estado que Marina representaria por professar a fé neopentecostal.

Quanto aos bancos, ora, Lula e Dilma não cansam de sustentar, com orgulho, que eles nunca faturaram tanto quanto em seus governos e, como mostra a prestação de contas da campanha eleitoral de Dima em 2010, o Itaú foi seu terceiro maior doador.

E soa no mínimo descriterioso que o petismo acuse Marina de ser refém do poder religioso quando não faz nem uma semana que a própria Dilma, após um mandato em que sacrificou as questões de gênero no altar dos pactos com a bancada religiosa, foi ao megatemplo da Igreja Universal pedir as bençãos do "bispo" Macedo, com quem deixou-se fotografar.

Tais acusadores exploram, assim, uma confusão ora recorrente entre a obrigação constitucional de manter a laicidade do Estado e o direito individual de liberdade de religião, do qual a pessoa que ocupa a Presidência da República não está privada. Prova disso é que há precedentes históricos: Geisel era espírita, Color e Dutra católicos, todos praticantes – isso não ameaçou a laicidade do Estado. Na eventualidade de ser eleita, as relações da Marina com o poder religioso, pela sua própria condição de evangélica, talvez tendam a ser fiscalizadas com mais atenção do que as dispensadas aos obscuros tratos da atual mandatária com tal bancada.



Candidatura enigmática
Decerto há muito a se questionar – ou mesmo a criticar - em relação à candidatura de Marina Silva, ainda mais nas circunstâncias excepcionais em que se consolidou. Suas ligações com Elena Landau e economistas da PUC/RJ podem ser lidas como indícios de uma política econômica ainda mais marcada pelos preceitos ortodoxos do neoliberalismo; sua habilidade em separar suas opiniões pessoais sobre temas polêmicos e sua postura republicana como presidente ainda precisa ser provada; não obstante os sete anos à frente do Ministério do Meio Ambiente, sua capacidade propriamente administrativa é um enigma (mas, sejamos justos: também o eram as de Collor, FHC, Lula e Dilma – ou seja, de todos os presidentes eleitos após o final da ditadura).

Porém, como procuramos relatar ao longo deste texto, não é sobre tais temas, de fato periclitantes, que o petismo tem inquirido Marina Silva. Muito pelo contrário. E a agressividade desmedida, essencialmente antidemocrática pois tolhedora do debate civilizado de propostas e programas, não é exclusividade do ambiente inflamado das redes sociais em períodos eleitorais. Ela também vem sendo promovida pelos chamados blogs "progressistas", os quais muitos ainda confundem com porta-vozes da esquerda - quando, na verdade e em sua ampla maioria, toraram-se mera corrente de transmissão do petismo. Isso fica uma vez mais evidente através das sucessivas tentativas de desqualificar Marina Silva que ora ganham destaque em suas páginas, com ataques pessoais baratos e modus operandi muito similares aos do jornalismo marrom de Veja, que justificadamente tanto criticam.


Tudo pelo poder
Parece incerto que tal estratagema dê resultado. O mais provável será que gere mais antipatia e desgaste à imagem de Dilma e do partido. Os petistas, que dizem tanto se orgulhar das administrações Lula e Dilma e do tanto que fizeram pelo social, melhor fariam se contrapusessem, no plano das ideias, dos programas e das realizações, as biografias da líder seringueira de origem humilde que se tornou referência mundial em desenvolvimento sustentável à da primeira mulher a alcançar a Presidência do país, com resultados polêmicos mas efetivos.

Não tem sido este o caso, pelo contrário. E ao substituir essa saudável disputa pela overdose de ataques grosseiros, o PT evidencia, uma vez mais e ao mesmo tempo, sua indistinção em relação às forças mais retrógradas da sociedade, até onde vai o seu apego descomunal pelo poder, e o vale-tudo que rege a sobreposição de seus interesses à missão, urgente, de desenvolver e aprimorar a democracia no Brasil, inclusive no que diz respeito à qualidade dos embates eleitorais.


(Caricatura de Marina Silva por Batistão retirada daqui e editada em desenho disponível aqui)

Um comentário:

Calerom disse...

Fica interessante ver o contraste deste seu último artigo em comparação com a miríade de manchetes ufanistas e guiadas pelo "pensamento único" da blogosfera "progreçista". É como se um tambor soasse diferente dos demais.