O colunista Janio de
Freitas fez mais uma vez jus ao papel de decano e foi premonitório.
Em coluna escrita ontem (26/08), prognosticou:
Dos argumentos polêmicos contra a vinda de médicos do exterior, dirigentes corporativos da classe médica brasileira passaram a um histerismo gaiato e primário e já estão em atitudes fronteiriças de crimes, com a incitação aos médicos a "não socorrerem erros" que, imaginam, os estrangeiros cometerão.
As reações
corporativas dos médicos, se a princípio compreensíveis ou mesmo
eventualmente justificadas, logo adotaram uma agressividade acima do
tom, aproximaram-se da insensibilidade social, e agora, com o ódio
de classe à flor da pele e o racismo indisfarçado, situam-se
perigosamente para algo entre o grotesco e o ilegal.
Pois o que se viu nas
últimas 24 horas, no aeroporto de Fortaleza e nas redes sociais, foi
uma escalada de falta de bom senso e de civilidade, com a insanidade
e o descontrole dando vazão a ódios de classe e de raça, dirigidos
de forma equivocada a alvos inocentes, em um episódio constrangedor
para a imagem do país e que certamente envergonharia a maioria dos
brasileiros.
Quem acompanha este
blog sabe das críticas que faço ao modo como o governo Dilma
implementou o programa Mais Médicos, não só valendo-se da
costumeira ausência de diálogo, mas de despistes, recuos e
desmentidos de última hora – enfim, com procedimentos pouco
transparentes que estão longe de ser o que se espera de uma coalizão
de centro-esquerda em uma democracia que se quer consolidada.
Portanto – e na contramão da maior parte dos blogueiros e
colunistas - tenho claro que parte do ônus pelo clima bélico que se
seguiu à chegada dos médicos cubanos deve ser atribuída ao governo
federal. Isso posto, nada justifica a agressão direta e
preconceituosa contra profissionais estrangeiros que vêm ao nosso
país exercer seu nobre métier. Os médicos brasileiros justa ou
injustamente indignados têm todo o direito de protestar, mas na
Justiça, nas mobilizações pacíficas e nas urnas, jamais com um
violento ataque à honra pessoal e coletiva de seus pares cubanos,
como visto no lamentável episódio cearense [foto] e na página
pessoal no Facebook de uma jornalista preconceituosa, que não acredita
que gente, segundo ela, "com cara de empregada" possa
exercer a medicina.
Com os protestantes
tachando os cubanos de "escravos" e declarando não
acreditar que eles, "com cara de empregada doméstica",
sejam capaz de exercer a medicina, cai por terra, uma vez mais, o
mito do pais cordial e sem racismo – e antes que venham falar que
isso se deve a uma manifestação restrita a uma elite, lamento
informar que as elites também são parte do país.
Para Renato Rovai,
colunista e editor da Fórum, o episódio do ataque aos médicos
cubanos em Fortaleza transcende o seu sentido imediato e insere no
âmbito de uma discussão maior. Referind0-se à mesma foto que
encima este post e lembando que os médicos que protestam e suas
associações não são apenas contra a vinda dos médicos cubanos,
mas contra a criação de novos cursos superiores de medicina, ele
observa:
Ou seja, a foto que está ilustrando este post é significativa para pensar o país que queremos. Se queremos um Brasil da inclusão, onde seja algo normal ser atendido por médicos negros que não sejam cubanos. Se queremos um Brasil onde estrangeiros sejam recebidos com respeito. Se queremos um Brasil onde saúde seja um direito de todos. Ou se preferimos viver num país de brancos de jalecos brancos que exigem ser chamado de doutores exatamente porque se acham acima daqueles que deveriam tratar com respeito e dignidade.
Seja como for, após
esses lamentáveis episódios com tonalidades racistas e classistas,
a razão que eventualmente a categoria dos médicos poderia ter vai
para segundo plano, ante os danos irremediáveis que tais episódios
causam para sua imagem pública. No xadrez do marketing público, o
jogo mudou: ou os médicos e suas associações vêm a público
condenar tais agressões e desautorizá-las, desvencilhando-as de
suas táticas e lutas e atribuindo a uma iniciativa isolada, ou será
praticamente impossível livrarem-se da pecha de classistas e
racistas que já lhes vinha sido atribuída e que os ataques aos
médicos cubanos corroboram.
Se, ao contrário, o
clima mantiver a fervura e as agressões persistirem, é quase certo
que o caso exacerbará os limites dos embates públicos e adentrará
na seara policial, o que seria um preocupante indício da falta de
preparo para o exercício da democracia, mesmo no seio de uma classe
profissional supostamente bem educada.
(Foto retirada daqui e
editada)
Um comentário:
Cool!
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