O
governo Dilma anuncia, enfim, que recuou da decisão de obrigar os
futuros alunos de medicina a dois anos a mais de curso, servidos no
sistema público de saúde – o que, a despeito das negativas
oficiais, configuraria serviço civil obrigatório. Ao invés disso,
a residência hospitalar, de igual duração, passará a ser
obrigatória, com o governo se comprometendo a assegurar condições
para que ela seja cumprida no SUS.
Trata-se
de um lapso de sensatez em uma questão marcada, por um lado, pelo
autoritarismo e falta de diálogo; e, por outro, por um
corporativismo caricato com tinturas de elitismo. No anúncio do
Programa Mais Médicos, o governo Dilma Rousseff, ante o impacto das
manifestações que tomavam as ruas do país, agiu de uma forma que vem se
tornando usual: afoita, recendendo a improvisação, autoritária –
pois sem nenhum debate prévio com a sociedade, os profissionais e
setores envolvidos. No momento traumático da eclosão dos protestos
nas ruas, tratava-se de criar um factoide que denotasse ação.
Os
médicos, evidentemente, reagiram. Não estaríamos em uma democracia
se não o fizessem, ante a truculência do anúncio e o disparate de
parte do conteúdo do programa. No entanto, tal reação não se
restringiu ao protesto fundamentado ou mesmo a uma reação
corporativa questionável mas compreensível: incluiu ataques
pessoais grosseiros contra a atual e o ex-presidente da República e
gritos de guerra moralmente maniqueístas e comicamente elitistas,
como "Somos ricos, somos cultos. Fora os imbecis corruptos".
Para
completar, enquanto o país assistia a esse triste espetáculo, foram
vindo à tona reportagens documentando que médicos do setor público,
nos diversos níveis federativos e em várias localidades do país,
assinam o ponto mas não trabalham – em um atentado contra o
erário e contra a saúde da população, o qual desautoriza a
empáfia corporativista dos manifestantes de jaleco que só veem a
corrupção alheia.
Ante
a reação dos médicos, o governo, ao invés de acalmar os ânimos e
buscar uma solução negociada para o problema – como se espera em
uma democracia, ainda mais se comandada por quem se autointitula de
centro-esquerda -, não teve escrúpulos em incitar a população
contra os médicos: a exemplo do que fizera com os professores
universitários na greve de 2012, lançou uma agressiva campanha de
marketing visando desqualificar os doutores, explorando a imagem
pública desgastada de parte da categoria, para o que contou com a
colaboração intensa da matilha de blogueiros e simpatizantes na
rede, particularmente hidrófobos após o despencar da presidente nas
pesquisas.
O fator eleições
Dilma
preferiu, assim, com a birra costumeira, alimentar por semanas um
desgaste político perfeitamente evitável, envolvendo uma área
essencial para o desenvolvimento social do país e profissionais cuja
formação requer muita dedicação, para um mercado profissional que
está longe de ser o mar de rosas caricaturalmente descrito pela
campanha desqualificadora petista. Mas, ao final, como prevíamos,
veio o recuo, com sua admissão implícita de improvisação e
equívoco, a suscitar a pergunta: justifica-se, uma vez mais, por
parte do governo, essa falta de planejamento e esse excesso de
malabarismo ?
Afinal,
é forçoso observar que a aliança comandada pelo PT não é uma
novata no poder federal, pelo contrário: está a cargo do país há
mais de 10 anos e meio – tempo mais do que suficiente para elaborar
um diagnóstico detalhado dos problemas de uma área social que, como
as pesquisas mostram, a própria população considera prioritária.
E para debater com os médicos, os pacientes, a universidade, os
administradores públicos e privados, os especialistas e, aí sim,
elaborar e instituir democraticamente um plano alicerçado para a
questão da Saúde no Brasil.
Pois
não é com alegadas panaceias de última hora, que mal disfarçam
seu caráter eleitoreiro e, eivadas de autoritarismo, jogam a
população contra os médicos e estes contra o governo, que se irá
encaminhar soluções para a gravíssima questão da Saúde em nosso
país.
Não
se trata de ser contra ou favor do PT ou de qualquer outro partido
que venha a estar no poder. O que o presente caso evidencia
transcende o jogo eleitoral e as paixões partidárias: chama a
atenção para a necessidade de se aprimorar os mecanismos democráticos
do país para que os candidatos a cargos executivos sejam instados a
apresentar um programa efetivo, detalhado em termos de objetivos,
prioridades, fontes de recursos e cronograma, para áreas essenciais
como Saúde e Educação – e, após a posse, assegurar que os
cidadãos e a Justiça Eleitoral tenham meios de monitorar e cobrar
seu cumprimento.
Do
contrário, estaremos sempre sujeitados a governos que, apesar de
mais de uma década no poder, só aparentam despertar para a urgência
da questão da Saúde com o povo nas ruas, os índices de aprovação
despencando e, com eles, a ameaça aos planos de eleger seu ministro
da Saúde governador do mais rico estado do país.
A
necessidade urgente de reformar a Saúde no país, para se tornar
efetiva e perdurar, obrigatoriamente tem de transcender tais
interesses imediatos.
(Imagem retirada daqui)
Um comentário:
Claro e abrangente!
Parabéns!
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