O
Roda Viva que entrevistou Pablo Capilé e Bruno Torturra, do Mídia
Ninja, pode ser visto como uma espécie de documentário sobre o grau
de anacronismo e de elitismo do jornalismo corporativo brasileiro em
sua versão corrente.
Nele,
uma bancada de experimentados jornalistas, cujos problemas de
autoimagem se evidenciam ao longo do programa, demonstra incapacidade
não apenas de compreender, mas de dialogar e reconhecer como válido
um modo de fazer jornalismo que difere sobremaneira das práticas
instituídas nas corporações midiáticas.
Medo
do novo
Acostumados
a reportagens televisivas editadas a posteriori e que obedecem a
lógicas narrativas maniqueístas pré-moldadas, os entrevistadores
demonstraram incapacidade de assimilar e aceitar a dinâmica
fragmentária e instantânea, sem edição ex machina, instaurada
pelo jornalismo ninja, embedded, com seus celulares intermitentes e o
eventual contraponto feito in loco, em perguntas diretas ao
interlocutor (no caso dos protestos, frequentemente o policial em
atitude de agressão).
Por
não reconhecerem nessa dinâmica o respeito ao preceito sagrado de
sempre ouvir o outro lado – preceito este que parecem acreditar ser
fielmente cumprido pelo jornalismo convencional tal como feito no
Brasil -, colocam-se numa posição de superioridade ética, num
processo que, além de contrariar a visão que o jornalismo hoje
usufrui junto ao público, mostra-se pouco atento não só à
obediência efetiva ao "ouvir o outro lado" na corporações,
mas, na eventualidade de isto ocorrer, ao modo como a edição e os
elementos estruturantes da notícia manipulam - e mesmo revertem - o
sentido de tal contraponto.
O
mito da isenção
Levando
em conta tais fatores, e no contexto das relações entre mídia e
politica na última década, soou no mínimo pueril a cobrança por
posicionamento político-partidário que parte da bancada fez aos
entrevistados, e cínica a contraposição entre o que descreveram
como o ativismo engajado destes e a postura apartidária dos
jornalistas-entrevistadores em seus veículos de atuação
profissional.
Assim,
assumindo uma injustificada postura de superioridade ética, a
bancada, com a única exceção de Alberto Dines - uma alma jovem aos
81 anos de idade -, acabou por revelar-se a um tempo agressiva e
temerosa. Pois, por um lado, evidenciou que tais profissionais
corroboram a crença nos ditames iluministas que o jornalismo
historicamente clama para si como evidência do caráter redentor de
sua missão – e que as práticas, em sua maioria de origem
norte-americana, ora instituídas nas corporações efetivamente
constituem a forma correta de como tal efetivá-la.
Má
vontade e empáfia
Porém,
por outro lado, a virulência algo gratuita, o descaso ostensivo para
com o novo, somado à crença risível de superioridade ética de
quando em quando ostentada, mal disfarçou o despeito, a insegurança
e o medo de perder o lugar no Olimpo ao qual tais jornalistas
"consagrados" creem – ou fingem crer – pertencer,
sabe-se lá porquê. Mesmo porque, como testemunhas e protagonistas
da maior crise da história da imprensa corporativa, seja no âmbito
econômico ou de credibilidade, não têm razões para justificar
tanta empáfia. Ao final, soaram anacrônicos.
Há
de se lamentar, pois muito haveria a ser debatido com Capilé e
Torturra, particularmente no que concerne a formas e formatos do fazer
jornalístico (em detrimento das intermináveis querelas sobre
conteúdo) e à relação entre jornalismo, política e as
movimentações populares que fizeram a fama da Mídia Ninja.
Afinal,
se o Movimento Passe Livre merece ser reconhecido como o grande
deflagrador das manifestações populares, à Mídia Ninja a
cidadania e os Direitos Humanos devem o registro do abuso de poder e
da violência desmedida empregada pela PM carioca - a qual, não
fosse a corajosa ação, in loco, desses repórteres munidos tão-somente de seus celulares, certamente teria imposto à opinião pública uma versão
fabricada dos acontecimentos.
Passado
e futuro
Em
relação ao desempenho da dupla de entrevistados, não obstante
prejudicado pelos preconceitos e anacronismos da bancada, Capilé
conseguiu fazer uma crítica contundente à hipocrisia reinante na Folha
de S. Paulo e ambos morderam o calcanhar do Roda Viva ao comentar a
demissão do ex-âncora Herótodo Barbeiro por motivos puramente
políticos.
O
futuro do programa, aliás, está sob risco, já que Augusto Nunes,
que passou os últimos anos brincando de blogueiro pitbull da Veja,
deve ser o novo apresentador do programa, numa clara operação de
aparelhamento da estatal pelo PSDB, a 14 meses das eleições.
(Foto retirada daqui)
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