Tenho
uma profunda admiração pelo ser humano Dilma Rousseff, alguém que,
em plena juventude e correndo alto risco, lançou-se à luta contra
um regime ditatorial que usurpou ilegalmente o poder; uma mulher
que, capturada, suportou as piores sevícias, sendo física e
psicologicamente torturada e, sem ter delatado companheiros de luta,
encarou altivamente seus carrascos no simulacro de julgamento a que
teve direito.
Embora
intimamente discordasse do modo como foi escolhida como candidata –
com o dedazo substituindo a
saudável disputa intrapartidária – votei em Dilma
Rousseff nos dois turnos e com convicção, pois a continuidade – e
o aprofundamento das conquistas - da presidência Lula afiguravam-se,
para mim, no contexto daquela eleição, como o único caminho então
possível para a melhoria do país.
A
importância histórica de termos, pela primeira vez em nossa
história, uma mulher – e uma ex-guerrilheira - no mais alto cargo
do país colaborava para a impressão de que tal voto significaria um
avanço para a democracia brasileira e um bom presságio para o
tratamento das questões de gênero no país.
Não
tenho dúvidas de que a presidente Dilma Rousseff é uma mandatária
bem-intencionada, honesta e dedicada, que quer o melhor para o país
e para o povo e se empenha muito para isso.
No
entanto, infelizmente, tais histórico e retidão pessoal têm se
mostrado insuficientes para assegurar um bom desempenho à frente da
Presidência do país – e há razões concretas e objetivas que
ajudam a entender o porquê dessa lacuna, as quais, como veremos ao
longo deste artigo, vão desde fatores externos, relativos à
economia mundial, passam por questões de personalidade e estilo
administrativo e culminam com opções econômicas e políticas
questionáveis.
Estas, além de terem sacrificado no altar das coligações religiosas os esperados avanços no tratamento das questões de gênero, não raro foram ditadas, olhos nas eleições, pela ambição em ampliar a hegemonia político-partidária, associando-se a figuras públicas que protagonizam tanto as páginas de política quanto o noticiário criminal e com forças partidárias cuja identificação programática com o PT é nenhuma. E isso mesmo depois de Dilma ter assumido com uma base aliada bem maior que a de Lula em seus dois mandatos.
Os danos à ética e os efeitos danosos em termos de desideologização da política que tal pragmatismo gera foram amplamente negligenciados à época, mas agora, nas ruas - e futuramente, nas urnas - cobram o seu preço.
Estas, além de terem sacrificado no altar das coligações religiosas os esperados avanços no tratamento das questões de gênero, não raro foram ditadas, olhos nas eleições, pela ambição em ampliar a hegemonia político-partidária, associando-se a figuras públicas que protagonizam tanto as páginas de política quanto o noticiário criminal e com forças partidárias cuja identificação programática com o PT é nenhuma. E isso mesmo depois de Dilma ter assumido com uma base aliada bem maior que a de Lula em seus dois mandatos.
Os danos à ética e os efeitos danosos em termos de desideologização da política que tal pragmatismo gera foram amplamente negligenciados à época, mas agora, nas ruas - e futuramente, nas urnas - cobram o seu preço.
Alertas
em vão
Quem
acompanha há tempos este blog não se espanta com a queda brutal dos índices de aprovação de Dilma (de 57% em março para 30% em final de junho, segundo o Datafolha). Pelo contrário: nos últimos dois
anos e meio boa parte dos textos aqui publicados se dedicou a
examinar criticamente o seu governo, a desvendar porque, ao invés de
aprofundar conquistas seminais do governo Lula, a atual administração
preferiu dar uma guinada conservadora que, exatamente como diversas
vezes previmos, a leva agora a perder parte do eleitorado à esquerda
- que se sentiu traído - e ver o recém-adquirido eleitorado
conservador bater asas aos primeiros indícios de crise econômica. Se algo surpreende, é que tal queda tenha demorado tanto para ocorrer - e que ocorra de forma tão brusca.
Não
é com satisfação ou orgulho que vejo tais previsões se
confirmarem – pelo contrário: é com profundo pesar, pela certeza
de que o governo Dilma Rousseff desperdiçou uma chance histórica
única de aprofundar conquistas da esquerda e lançar pás de cal ao
neoliberalismo. Preferiu, ao invés disso, apostar num modelo arcaico
de desenvolvimentismo a qualquer custo, que restabeleceu o primado do
economicismo sobre as políticas sociais e, cometendo o estelionato
eleitoral de ressuscitar as privatizações que na campanha eleitoral
combatera, embaçou a distinção com a agenda da direita e abriu
flancos que o conservadorismo certamente explorará nas próximas
eleições.
O
contexto econômico internacional
O
cenário internacional exerce, sem dúvida, um importante papel nesse
retrocesso, pois a queda do preço internacional das matérias-primas
tem afetado incisivamente o Brasil, que mantém um modelo exportador
arcaico, baseado no agronegócio e em commodities: estima-se
que, com tal baratamento, o país tenha perdido algo em torno de U$20
bilhões entre 2011 e 2013. Há ainda os fatores decorrentes da
prolongação da crise na Europa, que diminuiu drasticamente
investimentos no país, e, neste momento, da sinalização mais clara
de recuperação da economia dos EUA, que tende a atrair parte
considerável do montante financeiro internacional antes passível de
ser investido no Brasil.
Por outro lado, há de se levar em conta
que o momento mais agudo da crise mundial como tal foi vivenciado ao
final do segundo mandato de Lula, e que o país reagira de forma
consideravelmente bem ao choque – faltou, portanto, habilidade para
lidar com suas decorrências. Mais importante, os demais BRICs e
países situados fora da Europa – aí incluídos vários de nossos
vizinhos latino-americanos, e, mais recentemente, alguns dos "tigres
asiáticos" -, sob as mesmas condições internacionais
vivenciadas pelo governo Dilma, vêm apresentando um desempenho
econômico incomparavelmente melhor do que o Brasil, como a
comparação entre os PIBs nacionais deixa claro.
O
peso da personalidade
Além
de sua relação com as decisões econômicas nacionais, com as
alianças partidárias e com a economia mundial, um terceiro fator a
ser considerado ante a crise do governo Dilma decorre de sua
personalidade e seu estilo de administrar como presidente. Por algum
tempo rejeitei esse tipo de crítica - e cheguei a escrever sobre
isso no Observatório da Imprensa - , por interpretá-la como
uma manifestação do entranhado machismo brasileiro, para o qual a
mulher "dócil" e "feminina" careceria de
autoridade para exercer o poder e a mulher "assertiva" e
"determinada" – como Dilma - incorreria em autoritarismo.
O tempo provaria que, em se tratando da atual presidente, não era
esse o caso: mesmo analistas políticos os mais afinados com o
governo são unânimes em apontar o excesso de autoritarismo no trato
e a concentração excessiva de poder decisório – esta como método
obsessivo de repressão à corrupção - como duas das
características negativas principais da atual mandatária.
Trata-se
de dois defeitos deletérios a uma boa gestão, que desestimulam a
criatividade, a iniciativa, e coíbem a autonomia, restringindo
drasticamente o raio de ação de cada ministro, fenômeno nítido na
atual administração. Dilma é uma mulher muito inteligente, mas a
recusa em delegar tarefas decisórias a especialistas muito mais
capazes do que ela ajuda a compreender a impressão de marasmo e
atrofia que se depreende de sua administração. Não acredita? Faça
uma comparação caso a caso do desempenho dos ministros da era Lula
com os da era Dilma. Sugiro começar contrapondo o ministério da
Educação sob Haddad e sob Mercadante.
Estratégias
diversionistas
Para
piorar o quadro acima esboçado, setores e simpatizantes petistas que
poderiam lutar internamente pela reversão de tais políticas
preferiram adotar um comportamento de seita, saudando bovinamente o
neoconservadorismo e toda e qualquer medida governamental e abrindo
mão da necessária reflexão crítica - em prol, por um lado, de um
"oba-oba, salve o rei" baseado em índices de aprovação e
em projeções sobre as eleições de 2014, as quais eles
consideravam favas contadas; por outro lado, pelo hábito entranhado
de, ante a mínima crítica - ou mesmo apresentação de dado desfavorável ao governo -, desqualificar seu autor e a fonte. Ficar se lamentando contra o "PIG" o STF ou Gurgel, como
fizeram até agora durante todo o mandato de Lula e Dilma, pode ser uma
experiência catártica redentora, mas em termos de ação politica é
inócua. Equivale a perder tempo em lamentações enquanto os adversários se armam. Assim, o efeito final de tal comportamento dual foi tornar,
a muitos, invisível a crise que ora explode.
O
mesmo comportamento de avestruz ocorre, agora, ante as manifestações
que têm lugar em todo o país. Não é por outro motivo que os
blogueiros que apoiam incondicionalmente o governo, depois de
inicialmente atacarem o movimento nos mesmíssimos termos utilizados
por Arnaldo Jabor e de, ante a proliferação de protestos, recuarem
estrategicamente para uma posição de empatia forçada e
paternalismo, nas últimas semanas voltaram a procurar
desqualificá-lo de todas as formas, temerosos de que o vácuo de
autoridade e o caráter raivosamente antipartidário das
manifestações as transformassem em um fator de desprestígio de
Dilma Rousseff, como de fato ocorreu.
As
manifestações, porém, são um fato: trazem um dado novo à
política nacional, bagunçam o coro dos contentes e fazem as por si
questionáveis previsões para 2014 tornarem-se ainda mais incertas.
Mais importante: demonstram cabalmente, para quem não se recusa a
ver, que há uma insatisfação difusa mas generalizada no país, a
qual a fórmula conciliadora e assitencialista petista não foi capaz
sequer de detectar, o que dizer de reverter minimamente. E que, para
uma geração que nem tinha nascido quando o governo FHC começou (e
tinha 7 ou 8 anos quando ele entregou o governo a Lula) não causa
espécie ficar mostrando dados comparativos do desempenho econômico
de FHC e de Lula (mesmo porque estamos no governo
Dilma, cujo desempenho é não só bem pior mas muito mais
conservador do que o de seu antecessor petista)
Volta
às ruas?
Agora
o PT promete sair as ruas, coisa que não fez nos últimos dez anos,
nem mesmo quando as denúncias do "mensalão" bombardeavam
o presidente Lula noite e dia, ou quando o julgamento tornou-se um
reality-show com juízes aparentemente acuados ante a mídia,
e nem mesmo sequer quando o tribunal, ante a escassez de evidências,
inverteu o ônus da prova e recorreu a uma teoria pra lá de
questionável como forma de condenar os réus.
E
por que o PT assim agiu? Porque, marqueteiros a postos e pesquisas de
opinião à mão, não se podia criar nenhuma marola que perturbasse
os índices de aprovação de Dilma. Pois estes agora estão
gravemente perturbados e em um cenário de ruas ocupadas. E agora?
Persistirá a tática de culpar o PIG, o Joaquim Barbosa e o Facebook
pela derrocada da candidata petista ou haverá gana, espaço e
disposição para enfrentar os problemas e reverter o conservadorismo
gritante e suas deletérias consequências, que ora se apresentam?
(Imagem retirada daqui e manipulada digitalmente)
3 comentários:
Bom dia ao autor deste blog.
Comentando o seguinte trecho:
"Ficar se lamentando contra o "PIG" o STF ou Gurgel, como fizeram até agora durante todo o mandato de Lula e Dilma, pode ser uma experiência catártica redentora, mas em termos de ação politica é inócua. Equivale a perder tempo em lamentações enquanto os adversários se armam. Assim, o efeito final de tal comportamento dual foi tornar, a muitos, invisível a crise que ora explode".
Há 4 anos atrás eu era até leitor ávido de meia dúzia ou pouco mais de blogues "progressistas", mas neste meio tempo fui notando algumas coisas que não se encaixavam nas premissas que eles diziam acreditar:
a) Primeiro, a de sempre tentar "blindar" Lula e Dilma de eventuais erros, atribuindo-os a má vontade da mídia, ao PMDB, ao Gurgel, ao Gilmar et caterva, como se eles fossem infalíveis.
b) A inexplicável insistência de insistir na tecla da regulamentação das telecomunicações mesmo com a Dilma dando vários sinais de que não iria mexer nisto;
c) O comportamento de "manada" com vários blogueiros colocando as mesmas pautas, os mesmos assuntos, como se trabalhassem numa mesma... "redação" (se é que me entendem);
d) Os erros de avaliação endossados por certos "peixes grandes" especialmente com relação a certos "aliados", como Eduardo Campos (que era elogiadíssimo antes de ter assumido a sua pretensão a concorrer) e o próprio Joaquim Barbosa (este último obviamente até a fase pré julgamento). O problema não é errar em si, mas o fato destes "medalhões" passarem induzir os leitores a descer o malho nestas figuras sem o mínimo de autocrítica, na maior cara de pau.
Hoje, se muito, leio apenas um ou dois blogues e mesmo assim dando preferência aos mais autocríticos e que apresentem pontos de vista próprios, não pautados pelos "medalhões".
Sem autocrítica e sem espírito de independência, os blogues "progressistas" correm o risco de se tornarem meros instrumentos de culto a personalidade stalinista e, pior, de serem a versão governista do PIG
Calerom,
Obrigado pela ótima reflexão, que enriquece o debate.
Quanto à regulamentação das telecomunicações, lamento que o governo Dilma não comprenda a importância do tema para a real democratização do país.
Quanto aos blogueiros governistas formarem um "PIG do B" (como apelidou uma amiga do blog), penso que, mais do que um risco, é um fato.
Um abraço,
Maurício.
Belíssimo texto!
Parabéns!
Se puder dá uma passadinha no meu blog e deixa um comentário?
Meu mundo, Meu quarto
Postar um comentário