A estreia de Luiz Inácio
Lula da Silva como colunista do The New York Times,
para além de sua pontual contribuição à arena internacional,
reinsere, de fora para dentro, a participação midiática do
ex-presidente no debate público brasileiro, de onde tem sido
sistematicamente alijada, numa operação deliberada de boicote e
desqualificação comandada pela mídia corporativa.
Em
seu primeiro artigo
mensal, intitulado "Novas vozes no Brasil" e que repercutiu
fortemente nas redes sociais, o ex-presidente se dedica a examinar o
fenômeno dos protestos de ruas que irromperam em países árabes, se
alastraram por democracias europeias em crise e, nos últimos dois
meses, tomaram as ruas do Brasil. O "pulo de gato"
do texto – e sua parte mais destacada pela imprensa – está
contida neste período:
"Muitos analistas atribuem os protestos recentes a uma rejeição da política. Eu acho que é precisamente o oposto: apontam no sentido de ampliar o alcance da democracia e incentivar as pessoas a dela tomarem parte mais plenamente".
O jogo de palavras,
embora não deixe de revelar perspicácia, baseia-se numa omissão:
Lula finge desconhecer que, em meio a um movimento que tem como
característica distintiva a diversidade de reivindicações, uma das
mais identificáveis é a de que a politica contra a qual os jovens
protestam é a institucional, partidária, especificamente aquela ora
vigente no Brasil e da qual o ex-presidente foi um dos principais
artífices, política esta que prioriza a hegemonia a qualquer custo
em detrimento das identificações programáticas, dando pouca ou
nenhuma atenção às implicações éticas – como a aliança entre
Haddad e Maluf, apadrinhada pelo próprio Lula, exemplifica de forma
icônica.
No papel de colunista
estreante, ele revela estupefação pelo fato de os protestos
populares não se limitarem a países não democráticos nem em
aguda crise econômica – e aproveita para publicizar dados
auspiciosos sobre desemprego e "expansão sem paralelo dos
direitos econômico e sociais" no Brasil. Mas pouco se detém na
análise dos porquês de, em um cenário tão alegadamente fabuloso
em nosso belo país tropical, terem irrompido protestos em cadeia em
grandes, médias e pequenas cidades brasileiras.
Negligencia, por
exemplo, o quanto possa ter contribuído para tal explosão
reivindicatória o caráter essencialmente antidialógico do governo
Dilma Rousseff, caracterizado, em seus dois ano e meio iniciais, pelo
isolamento palaciano, pela recusa sistemática ao diálogo com
sindicatos, órgãos de classes, associações populares, ONGs e
agências representantes de minorias; pela reação truculenta a
greves e protestos, pela tendência a impor autoritariamente suas
decisões - como a decretação unilateral e sem conversações
prévias da MP 621, instituindo o Programa Mais Médicos, ilustra
com propriedade, enfatizada pela subsequente desqualificação
agressiva da classe médica, co-patrocinada pela militância petista.
A única explicação
de Lula para a escalada das manifestações populares, emprestada de
uma certa sociologia petista muito chegada a rotulações mas pouco a
pesquisas empíricas que as corroborem, é, resumidamente, a de que
justamente por ascenderem socialmente (em seu governo e no de Dilma),
os jovens que vieram das classes D e E estariam mais exigentes em
relação aos serviços públicos e à própria política.
Trata-se de uma
explicação altamente questionável. Não fosse por outro motivo,
porque supõe uma supremacia de um estrato socioeconômico muito
específico nos protestos, o que não se verifica nas pesquisas sobre
os eventos e contraria os diagnósticos da própria blogosfera
governista, a qual cansou de martelar que as manifestações seriam
eventos essencialmente burgueses, desprovidos de trabalhadores e do
povão - o que seria, ainda segundo tais governistas, corroborado pela
baixíssima presença de negros nos protestos.
Agora, que a análise
levada a cabo por seu grande líder contraria os falsos diagnósticos
que visavam servir à desqualificação dos protestos, os blogueiros
mais bovinos já desdizem o que antes seguidas vezes afirmavam,
saudando o petismo por mais este feito notável, o de colocar o povo
nas ruas, marchando por seus direitos. Um pouco de coerência,
senhores!
Lula, naturalmente,
passa longe de tais picuinhas. Ainda que, no rescaldo dos protestos,
não perca uma oportunidade de promover a seu governo e a de tentar
retratar a reação de Dilma à melhor luz possível, procura
posicionar-se, no texto, como um estadista que vê a situação de
olímpica distância, alertando para o perigo da repressão violenta
e das "soluções não democráticas" e procurando cooptar
os jovens a quem se dirige diretamente: "quando você estiver
irritado com a situação da sua cidade, do seu estado, do seu país,
desanimado de tudo e de todos, não negue a política. Ao contrário,
participe! Porque o político que você deseja, se não estiver nos
outros, pode estar dentro de você."
Independentemente das
críticas específicas que se possa pontualmente fazer às ideias e
posições que Lula defende no artigo, a repercussão por este obtida
mostra que a colaboração do ex-presidente com o diário
novaiorquino merece ser saudada como uma novidade alvissareira, que
amplia e recoloca no centro do debate a voz de um sujeito político
dos mais relevantes, voz esta injustamente perseguida por uma mídia
corporativa que, a despeito de suas falcatruas jornalísticas ou
fiscais, segue sendo beneficiária de vultosas verbas públicas
gerenciadas pela Secom – num permanente atentado à democracia
brasileira que os governos petistas, por covardia ou interesses
inconfessos, não lograram desarticular.
(Foto retirada daqui)
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