Os
índices de aprovação da presidente Dilma Rousseff caíram pela
primeira vez desde a posse, assegura o Instituto Datafolha, cujo
passado demanda cautela. Não obstante o ineditismo, foi uma queda
expressiva: dos 65 pontos em março, Dilma despencou oito e agora 57%
dos entrevistados avaliam seu governo como "ótimo" ou
"bom" – um tombo percentual de 12,3%, ou seja, em três
meses perdeu quase um oitavo dos antigos apoiadores.
O
resultado, que deveria acender a luz de alerta no QG governista, foi
recebido nas redes sociais com o misto de transferência de culpa
(acusando o "PIG" ou a Secom que o sustenta) e tentativas
diversionistas (como destacar que "Aécio só cresceu 4%")
que já se tornou rotina entre a militância virtual. Trata-se de um tipo de reação que cria um círculo vicioso o qual superdimensiona o poder da mídia, bloqueia a autocrítica e, assim, tende a retardar ou dificultar que o governo detecte e quiçá corrija seus erros - em um processo que pode vir a ser particularmente danoso em uma batalha eleitoral intensa como a que o país está prestes a assistir.
Reversão
de expectativas
Ainda
segundo o Datafolha, no centro dos motivos para a queda de Dilma
estão as expectativas quanto à economia – notadamente inflação
e desemprego -, as quais refletem que parcelas do eleitorado
tornaram-se menos otimistas ou mesmo receosas.
A
resposta-padrão para tal questão provavelmente será que não há
razões para pessimismo, já que tanto o desemprego quanto a inflação
se encontram dentro das metas estabelecidas pelo governo. Ainda que
eventualmente correta, não é, como demonstra a pesquisa, uma
resposta que satisfaça a todos. Em relação ao desemprego isso se
dá - entre outros fatores que abordarei em um post futuro sobre o
tema - pelo fato de que há uma enorme discrepância entre o "pleno
emprego" que a atual taxa de 5,7% sugere e o número real de
pessoas desempregadas no Brasil, distorção esta causada por uma
fórmula de cálculo oficial que privilegia a relação entre a
população economicamente ativa e a população em idade ativa e,
assim, acaba por negligenciar uma série de fatores educacionais,
sazonais, etários e mercadológicos que, se devidamente computados,
aumentariam exponencialmente a porcentagem real de desempregados do
país.
Ignorante
ou indiferente à frieza otimista dos números, mas sentindo de perto
e ao redor os humores do mercado de trabalho, parte do eleitorado já
percebeu - no aumento expressivo de pontos comerciais fechados porque
os alugueis subiram a um ponto intolerável, na quantidade de
conhecidos desempregados ou subempregados, no aumento de notícias
sobre desemprego em sincronia com a diminuição dos anúncios de
novas vagas - que os ventos do mercado de trabalho já não sopram
como antes ou como apregoam os meteorologistas governamentais.
Feels
like...
Quanto
à inflação, é preciso ter claro que, para além de fenômeno
econômico strictu
sensu, ela
não se limita ao que dizem os índices oficiais – antes se
constituindo através de uma percepção social algo difusa. Assim,
por mais bem-sucedido que o governo Dilma esteja sendo em seu esforço
pra reduzir os índices oficiais de inflação - através de
estratégias como isenção ou desoneração fiscal de itens que
influenciam o cálculo do índice – e que estes sejam os números
que serão brandidos na campanha eleitoral, a percepção de muitos
brasileiros quanto ao aumento dos preços, neste momento, não
corresponde à estabilidade fria das estatísticas.
Pode-se
arguir que parte dessa percepção popular de que os preços estariam
aumentando muito advém, justamente, de uma intensa campanha
midiática no sentido de propagar a volta da inflação, campanha
esta simbolizada no tomate – que atingiu picos de preço antes de
regredir a um valor mais baixo. Penso que em alguma medida a campanha
midiática possa estar surtindo efeitos, mas resisto a atribuir-lhe o
ônus pela queda de Dilma, e por três motivos: o primeiro é que,
como as três últimas eleições presidenciais demonstraram, o povo
não parece estar dando muita bola para as campanhas da mídia, sejam
estas factoides ou não. O segundo é que a mídia não criou do nada
uma campanha negativa, e sim baseou-se em um fato: a ocorrência de
uma percepção generalizada de aumento de preços (eu mesmo cheguei
a ver o quilo do tomate sendo vendido a R$10,00 numa feira livre em
São Paulo), a qual certamente procurou amplificar.
A
gente não quer só comida
Mas
é o terceiro fato que, feitas as reservas de praxe, reforça a
possível acurácia da pesquisa Datafolha: a percepção, pessoal e
de praticamente todas as pessoas com quem convivo em diversos
ambientes, socioeconomicamente heterogêneos - colegas, amigos, familiares -, de que houve uma brutal
escalada de preços entre o fim do ano passado e o momento atual.
Alguém pode argumentar que esta percepção, além de
intrinsecamente subjetiva, não é corroborada pelos índices
oficiais, o que é verdade. Mas isto se dá porque, por um lado, como
já explicado, houve manipulação dos impostos referentes aos
produtos de maior "peso" no cálculo do índice, de modo a
reduzi-lo; e, por outro lado, porque foi o preço de uma série de
produtos supérfluos que pouco ou nada influenciam na constituição
do índice o que subiu consideravelmente.
Os
exemplos são vários e vão de chocolates a iogurtes, de cerveja a
refrigerantes e sucos, de comida congelada a biscoitos, de diárias
de hotéis a menus de bares e restaurantes. Em relação a tais
produtos, os preços muitas vezes dispararam nos últimos meses – e
a grande maioria das pessoas que sustenta uma casa pode facilmente
constatar isso. Eu não estranharia se, em acordo com a atual moda de
malhar a classe média - particularmente ativa entre a brigada
governista -, alguém argumentasse que são todos produtos supérfluos
e não gêneros de primeira necessidade. De fato. Mas uma das mais
alardeadas conquistas da Era Lula/Dilma tem sido justamente a
ascensão da classe D, inúmeras vezes representada pela alusão ao
fato de que agora estavam, pela primeira vez, consumindo iogurte e
refrigerantes, fazendo viagens aéreas e turismo, indo a
restaurantes.
Negligenciar
o sentimento difuso de que as classes médias, hoje, sentem-se
premidas a apertar o cinto e temem perder acesso a esse admirável
(ainda que modesto) mundo novo do consumo, temor este refletido na
queda de popularidade de Dilma, e trocá-lo pela frieza dos números
arranjados ou pela atribuição de culpa ao tal de "PIG",
corresponderia a submergir numa bruma de autoilusão que pode ser
danosa às pretensões eleitorais da aliança petista.
Cenário eleitoral
Na projeção que o Datafolha faz para as eleições, Dilma Rousseff teria hoje 51% dos votos (há três meses tinha 57), contra 16% de Marina Silva (estável desde março) e 14% de Aécio Neves (que cresceu quatro pontos no período, durante o qual gozou de destaque na mídia). Tais índices, como se vê, asseguram uma liderança folgada a Dilma, mas é importante observar que a erosão, em apenas três meses, de quase 1/8 de seus eleitores ante uma crise econômica que sequer entrou nos radares oficiais, situando-se por enquanto no âmbito da percepção popular, deixa claro o quanto tal eleitorado é volúvel em relação à economia, na qual o governo Dilma fez todas as suas apostas, aderindo às privatizações que tanto criticou no período eleitoral e apostando em um modelo de desenvolvimento a qualquer custo, opções que têm afugentado setores da esquerda antes simpatizantes do governo petista
A pesquisa delineia a hipótese, que vem sendo há tempos aventada por este blog, de que uma eventual piora na saúde da economia possa afugentar o eleitorado dilmista de ocasião (conquistado nos últimos dois anos), em um cenário em que parcelas da esquerda que apoiaram a aliança petista que elegeu Lula e Dilma já se encontrassem descontentes pela truculência, vazio ideológico e economicismo "de Brasil-Grande" que caracterizam a administração Dilma. Haverá tempo e disposição autocrítica para um rearranjo? Parece improvável.
(Foto de autoria de Beto Barata retirada daqui)
2 comentários:
Análise primorosa!!!! Percorreu tópicos os mais variados, como economia, política e influência da mídia, sem derrapar!!!! Não te conhecia, mas você merece os parabéns!!!!
Muito obrigado, Milton.
Bem-vindo ao blog!
Um abraço,
Maurício.
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