A candidatura de
Marcelo Freixo (PSOL) à prefeitura do Rio de Janeiro tem provocado
comoção em setores da juventude e entre aqueles que, identificados
com um ideário progressista, se agastam com práticas políticas
institucionalizadas, tais como a composição de amplas alianças -
inclusive com representantes dos setores mais retrógrados da
sociedade - e compromissos não-oficiais mas efetivos entre o
mandatário e os principais doadores de sua campanha.
Fascínio do novo
Na atual campanha, sua
fala intermediada de resgate de valores éticos, humanistas e sociais
da esquerda – que, não obstante bem ciente da realidade atual,
traz um quê do utopismo de 1968, de buscar a volta do sonho ao
espaço pragmático em que se transformou a política – tem soado
como música aos ouvidos de quem ainda nutre esperanças em seu poder
transformador, mas gostaria de vê-la extirpada do que interpreta
como seus acessórios poluentes: apoio eleitoral trocado por cargos
na administração; aporte financeiro em troca de privilégios,
benesses e eventuais licitações com cartas marcadas; coligações
governistas que sacrificam ou relativizam bandeiras políticas.
Desse modo, mesmo com o
apoio federal de que goza o candidato à reeleição Eduardo Paes –
que tem profundas ligações com os milicianos -, Freixo, que pode vir a ser a grande
novidade da eleição, tem conseguido inclusive “virar”
votos de muitos petistas, agastados com o papel de coadjuvante do
partido no estado.
Limites
da realpolitik
A despeito de se irá
ou não ganhar o pleito, a repercussão que a candidatura de
Freixo vem obtendo ao afirmar recusar tal forma de fazer política
parece captar uma demanda eleitoral à flor da pele, que, ao menos
parcialmente, decorre de um fenômeno identificado em texto recente
pela senadora petista Marta Suplicy, preterida por Lula a favor de
Haddad em São Paulo:
“O modelo 'realpolitik' se esgotou e parece que nem todos estão percebendo (…) eleitores … podem até entender a necessidade das composições, alianças e acordos que se tornaram imprescindíveis no Brasil muito em função do nosso sistema eleitoral, do número de partidos e do quanto tornou-se precioso o tempo de TV (...) Mas quando, pela sua simbologia, ferem os limites do bom-senso e têm a marca do estapafúrdio, tornam-se incompreensíveis para a população e são por ela rechaçadas.”
Sonho versus resignação
Para muito além de
reação movida por despeito – e sem entrar no mérito da recusa da
senadora em fazer campanha para Haddad -, interessa reter de sua
análise um diagnóstico que com relativa facilidade é, hoje em dia,
passível de ser empiricamente atestado através do contato com a
juventude ou com grupos numericamente expressivos de cidadãos e
cidadãs, e que as reações entusiasmadas à candidatura Freixo
corroboram de forma evidente.
Além disso, o texto de
Marta, em sintonia com o diagnóstico que perfaz e mesmo sem citá-la
diretamente, implica numa portentosa crítica à aliança que trouxe
Paulo Maluf e seu PP a bordo da candidatura petista à prefeitura
paulistana.
Pois,
em certo sentido, os pressupostos que levaram à efetivação dessa
aliança
–
e que vêm sendo esgrimidos pelos seus defensores – são o exato
contrário dos anseios que Marta identifica nos eleitores e que
Freixo se esforça por suprir. Baseados na bem-sucedida estratégia
de alianças levada a cabo por Lula e Dilma em âmbito federal,
sustentam que a conquista do poder e da governabilidade pelas forças
de centro-esquerda pressupõe o sacrifício de alguns ideais,
bandeiras históricas e princípios éticos como forma de viabilizar
alianças as mais amplas.
O passado como norma
Desse
movimento decorreu, num primeiro momento, a aliança federal do PT
com PMDB, PSB e partidos menores, a qual se expandiria no decorrer da
administração Lula, incorporando, por exemplo, o PRP de Fernando
Collor (momento que marca, na opinião de alguns analistas, o cruzar
da fronteira que separa as alianças aceitáveis das que ultrapassam
um padrão ético mínimo requerido). A recente aliança do PT/SP com
o PP de Maluf leva ao paroxismo essa visão elástica de realpolitik.
Seus
defensores partem do pressuposto de que por terem dado certo no
âmbito federal com Lula, tais alianças, à revelia da posição do
aliado no espectro político, de sua folha corrida e de demais
pudores éticos, teriam se tornado uma espécie de norma
obrigatória para vencer eleições – e, em decorrência, que a
crítica e o colocar-se contra determinada composição implicaria em
um “purismo” intrinsecamente nocivo, pois disposto a aceitar
passivamente a derrota que tal recusa fatalmente ocasionaria. É
difícil deixar de notar o quanto tais premissas trazem,
introjetadas, um fatalismo tão inescapável quanto conservador.
No
caso de Maluf supôs-se ainda que por, justificadamente,
ninguém aguentar mais a péssima administração dos tucanos em São
Paulo, os fins justificariam os meios. E, alegadamente, a aliança
com o PP
traria não apenas um minuto e meio a mais de tempo de propaganda
gratuita na TV por dia, cinco dias por semana, mas, certamente, parte
dos cerca de quinhentos mil votos que o parlamentar do PP obteve nas últimas eleições
parlamentares.
Choque de realidade
Como diria o grande
filósofo Garrincha, faltou combinar com os russos. A reação foi
avassaladora, notadamente entre o pessoal de esquerda e a juventude.
A mídia, é claro, sentiu o clima e tratou de botar lenha na
fogueira – mas incorrerá em erro quem achar que se trata de uma
reação artificialmente insuflada, mesmo porque o grosso da mídia
hoje escreve e fala ao antipetismo.
O que ficou claro desde
o início - e só não viram os obtusos que colocam Lula e o partido
acima da razão - foi que, ao menos nesse momento imediatamente após o
anúncio, haveria perda de votos, e não o ganho eleitoral apregoado.
Não tenho dados empíricos para sustentar esta hipótese, mas
arrisco dizer que, para além dessas perdas, a
campanha deixou de conquistar, por conta de tal aliança, muitos
votos em um estrato específico: a classe média com formação
educacional e saturada da incompetência tucana – mas jamais
disposta a compactuar com Maluf, que encarna a antítese dos valores
que cultuam. Tendem a migrar para outro candidato que não Serra –
possibilidade, aliás, que, até agora, tem sido largamente
negligenciada pelo petismo.
Tendências claras
Pesquisa divulgada
ontem pelo Datafolha confirma, por ora, as críticas dos que se
opuseram à aliança: não só Haddad deixou de crescer como perdeu
votos, e 64% dos que declaram votar no PT disseram reprovar aliança com
Maluf. É evidente que se deve receber com ressalvas pesquisas
eleitorais produzidas por tal instituto, que na última década teve
seus índices prognósticos frequentemente desmentido pelas urnas, em
ao menos uma ocasião em claro benefício de José Serra, cujos laços
com os donos do Grupo Folha são por demais conhecidos.
Não
obstante as ressalvas, tais pesquisas, sobretudo quando não
realizadas em momentos decisivos da eleições, têm fornecido um
quadro geral que, malgrado imprecisões eventuais, serve como esboço
da situação. E o último Datafolha, além de diagnosticar o aumento
da rejeição de Serra para impeditivos 35%, apura que a
porcentagem dos que desaprovam a aliança com Maluf é de tal forma
expressiva e em larga medida parece corresponder ao que se pode
observar in
loco
na cidade, que não será surpresa se, com pequenas diferenças
eventuais, outros institutos – inclusive os que pendem para o PT –
o corroborarem.
O federal e o municipal
Para se compreender
melhor a dinâmica eleitoral do momento, muito haveria a se falar,
aqui, a respeito das substanciais diferenças entre eleição e
governabilidade em âmbito municipal e nacional - em que, entre tantos
outros fatores, o complexo sistema federativo, o bicameralismo e o
que alguns cientistas sociais chamam de “presidencialismo
parlamentarista” - além da a relação institucional com os estados e
municípios - têm de ser considerados.
Pois
a noção de que a proximidade e o grau de personalismo e de
identificação (bem como de repulsa) entre eleitores e candidatos é
muito maior no contexto do município tem sido um dado muito pouco observado nas análises relativas ao caso Maluf. E ela afigura-se essencial
para a contextualização da reação enfurecida contra a aliança, pois algo muito diferente
é esta dar-se, em âmbito federal, com o PP nacional – onde Maluf é um
cacique decadente entre outros tantos – ou numa aliança municipal,
ainda mais se selada com uma foto de Lula em alegre congraçamento
na mansão do ex-prefeito, maior símbolo da corrupção do país, novamente
prestigiado como figura pública em seu próprio curral eleitoral.
Em
outro registro, mas de modo análogo, a candidatura Freixo pelo PSOL
não pode ser entendida como um evento autônomo em relação à
atuação do partido em âmbito nacional e estadual. A conquista
massiva do voto petista – que se afigura essencial para sua vitória
– acabará por implicar, portanto, em uma cobrança de posicionamento do candidato
quanto à frequência com que a agremiação ao qual está filiado
tem se aliado, em votações no parlamento, ao conservadorismo do DEM e do PSDB - e, ainda mais grave,
como ele justifica que o PSOL, no deplorável estágio da mídia brasileira atual, tenha legitimado uma revista acusada de
graves crimes ao valer-se de “denúncias” de Gilmar Mendes ali
publicadas para endossar uma ação contra o ex-presidente Lula?
Caminho do meio
Penso que, tanto em um
caso como em outro, um meio-termo acabará por se impor como
necessário. Ou seja, Freixo muito provavelmente acabará obrigado –
se não para vencer as eleições, certamente para conseguir governar
– a compor alianças e a negociar com os representantes do grande
capital, mesmo que, em um e outro caso, se esforçando, com resultados efetivos ou enredando-se em autoengano, para conservar a dignidade.
Já em relação à eleição paulistana, parece ficar cada vez mais
claro que a aliança com Maluf foi um enorme, deplorável erro,
mas não por opor “puros” e “pragmáticos”, como os mais
afoitos prognosticaram, pois a questão central, no caso, nunca foi
que quaisquer alianças seriam, por si, condenáveis, mas sim quais seriam aceitáveis e quais não.
E com um político gestado pela ditadura militar, símbolo máximo da
corrupção, criminoso internacionalmente procurado, fiador da Rota
como esquadrão da morte de pobres e negros é, claramente,
inaceitável que a centro-esquerda faça alianças.
Tema perene
De
qualquer maneira, só o futuro dirá, com certeza, quais as
consequências da comnposiçãocom Maluf para a candidatura Haddad e da
recusa à realpolitik
para
o projeto político de Freixo. Mas a questão de fundo implicada
nessas posturas antagônicas deve permanecer ainda por um bom tempo
como um dos temas centrais do embate político, do interesse dos
jovens por política e, em decorrência, da própria evolução
democrática no Brasil.
Um comentário:
Me incomoda a aliança do referido deputado do PSOL com deputados cabralistas na Alerj para aprovar projetos de interesse de barões do fânqui carioca, como Rômulo Costa e DJ Malboro.
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