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quinta-feira, 28 de junho de 2012

Freixo e Maluf testam limites da realpolitik



A candidatura de Marcelo Freixo (PSOL) à prefeitura do Rio de Janeiro tem provocado comoção em setores da juventude e entre aqueles que, identificados com um ideário progressista, se agastam com práticas políticas institucionalizadas, tais como a composição de amplas alianças - inclusive com representantes dos setores mais retrógrados da sociedade - e compromissos não-oficiais mas efetivos entre o mandatário e os principais doadores de sua campanha.

Tendo se destacado pela determinação com que, em CPI estadual, combateu as milícias (que, recorrendo amplamente a violência e extorsão, tomaram o lugar do tráfico como gerenciadora de vários morros e áreas periféricas da metrópole), Freixo, ameaçado de morte por tais forças parapoliciais, tem uma visão complexa da questão da segurança pública no Rio e de suas atuais ligações com o grande capital, a qual exprime de forma articulada – duas qualidades raras em aspirantes a cargos executivos em um contexto regional no qual tem predominado um discurso populista e mistificador.


Fascínio do novo
Na atual campanha, sua fala intermediada de resgate de valores éticos, humanistas e sociais da esquerda – que, não obstante bem ciente da realidade atual, traz um quê do utopismo de 1968, de buscar a volta do sonho ao espaço pragmático em que se transformou a política – tem soado como música aos ouvidos de quem ainda nutre esperanças em seu poder transformador, mas gostaria de vê-la extirpada do que interpreta como seus acessórios poluentes: apoio eleitoral trocado por cargos na administração; aporte financeiro em troca de privilégios, benesses e eventuais licitações com cartas marcadas; coligações governistas que sacrificam ou relativizam bandeiras políticas.

Desse modo, mesmo com o apoio federal de que goza o candidato à reeleição Eduardo Paes – que tem profundas ligações com os milicianos -, Freixo, que pode vir a ser a grande novidade da eleição, tem conseguido inclusive “virar” votos de muitos petistas, agastados com o papel de coadjuvante do partido no estado.




Limites da realpolitik
A despeito de se irá ou não ganhar o pleito, a repercussão que a candidatura de Freixo vem obtendo ao afirmar recusar tal forma de fazer política parece captar uma demanda eleitoral à flor da pele, que, ao menos parcialmente, decorre de um fenômeno identificado em texto recente pela senadora petista Marta Suplicy, preterida por Lula a favor de Haddad em São Paulo:


O modelo 'realpolitik' se esgotou e parece que nem todos estão percebendo (…) eleitores … podem até entender a necessidade das composições, alianças e acordos que se tornaram imprescindíveis no Brasil muito em função do nosso sistema eleitoral, do número de partidos e do quanto tornou-se precioso o tempo de TV (...) Mas quando, pela sua simbologia, ferem os limites do bom-senso e têm a marca do estapafúrdio, tornam-se incompreensíveis para a população e são por ela rechaçadas.”

Sonho versus resignação
Para muito além de reação movida por despeito – e sem entrar no mérito da recusa da senadora em fazer campanha para Haddad -, interessa reter de sua análise um diagnóstico que com relativa facilidade é, hoje em dia, passível de ser empiricamente atestado através do contato com a juventude ou com grupos numericamente expressivos de cidadãos e cidadãs, e que as reações entusiasmadas à candidatura Freixo corroboram de forma evidente.

Além disso, o texto de Marta, em sintonia com o diagnóstico que perfaz e mesmo sem citá-la diretamente, implica numa portentosa crítica à aliança que trouxe Paulo Maluf e seu PP a bordo da candidatura petista à prefeitura paulistana.

Pois, em certo sentido, os pressupostos que levaram à efetivação dessa aliança – e que vêm sendo esgrimidos pelos seus defensores – são o exato contrário dos anseios que Marta identifica nos eleitores e que Freixo se esforça por suprir. Baseados na bem-sucedida estratégia de alianças levada a cabo por Lula e Dilma em âmbito federal, sustentam que a conquista do poder e da governabilidade pelas forças de centro-esquerda pressupõe o sacrifício de alguns ideais, bandeiras históricas e princípios éticos como forma de viabilizar alianças as mais amplas.


O passado como norma
Desse movimento decorreu, num primeiro momento, a aliança federal do PT com PMDB, PSB e partidos menores, a qual se expandiria no decorrer da administração Lula, incorporando, por exemplo, o PRP de Fernando Collor (momento que marca, na opinião de alguns analistas, o cruzar da fronteira que separa as alianças aceitáveis das que ultrapassam um padrão ético mínimo requerido). A recente aliança do PT/SP com o PP de Maluf leva ao paroxismo essa visão elástica de realpolitik.

Seus defensores partem do pressuposto de que por terem dado certo no âmbito federal com Lula, tais alianças, à revelia da posição do aliado no espectro político, de sua folha corrida e de demais pudores éticos, teriam se tornado uma espécie de norma obrigatória para vencer eleições – e, em decorrência, que a crítica e o colocar-se contra determinada composição implicaria em um “purismo” intrinsecamente nocivo, pois disposto a aceitar passivamente a derrota que tal recusa fatalmente ocasionaria. É difícil deixar de notar o quanto tais premissas trazem, introjetadas, um fatalismo tão inescapável quanto conservador.

No caso de Maluf supôs-se ainda que por, justificadamente, ninguém aguentar mais a péssima administração dos tucanos em São Paulo, os fins justificariam os meios. E, alegadamente, a aliança com o PP traria não apenas um minuto e meio a mais de tempo de propaganda gratuita na TV por dia, cinco dias por semana, mas, certamente, parte dos cerca de quinhentos mil votos que o parlamentar do PP obteve nas últimas eleições parlamentares.


Choque de realidade
Como diria o grande filósofo Garrincha, faltou combinar com os russos. A reação foi avassaladora, notadamente entre o pessoal de esquerda e a juventude. A mídia, é claro, sentiu o clima e tratou de botar lenha na fogueira – mas incorrerá em erro quem achar que se trata de uma reação artificialmente insuflada, mesmo porque o grosso da mídia hoje escreve e fala ao antipetismo.

O que ficou claro desde o início - e só não viram os obtusos que colocam Lula e o partido acima da razão - foi que, ao menos nesse momento imediatamente após o anúncio, haveria perda de votos, e não o ganho eleitoral apregoado. Não tenho dados empíricos para sustentar esta hipótese, mas arrisco dizer que, para além dessas perdas, a campanha deixou de conquistar, por conta de tal aliança, muitos votos em um estrato específico: a classe média com formação educacional e saturada da incompetência tucana – mas jamais disposta a compactuar com Maluf, que encarna a antítese dos valores que cultuam. Tendem a migrar para outro candidato que não Serra – possibilidade, aliás, que, até agora, tem sido largamente negligenciada pelo petismo.


Tendências claras
Pesquisa divulgada ontem pelo Datafolha confirma, por ora, as críticas dos que se opuseram à aliança: não só Haddad deixou de crescer como perdeu votos, e 64% dos que declaram votar no PT disseram reprovar aliança com Maluf. É evidente que se deve receber com ressalvas pesquisas eleitorais produzidas por tal instituto, que na última década teve seus índices prognósticos frequentemente desmentido pelas urnas, em ao menos uma ocasião em claro benefício de José Serra, cujos laços com os donos do Grupo Folha são por demais conhecidos.

Não obstante as ressalvas, tais pesquisas, sobretudo quando não realizadas em momentos decisivos da eleições, têm fornecido um quadro geral que, malgrado imprecisões eventuais, serve como esboço da situação. E o último Datafolha, além de diagnosticar o aumento da rejeição de Serra para impeditivos 35%, apura que a porcentagem dos que desaprovam a aliança com Maluf é de tal forma expressiva e em larga medida parece corresponder ao que se pode observar in loco na cidade, que não será surpresa se, com pequenas diferenças eventuais, outros institutos – inclusive os que pendem para o PT – o corroborarem.


O federal e o municipal
Para se compreender melhor a dinâmica eleitoral do momento, muito haveria a se falar, aqui, a respeito das substanciais diferenças entre eleição e governabilidade em âmbito municipal e nacional - em que, entre tantos outros fatores, o complexo sistema federativo, o bicameralismo e o que alguns cientistas sociais chamam de “presidencialismo parlamentarista” - além da a relação institucional com os estados e municípios - têm de ser considerados.

Pois a noção de que a proximidade e o grau de personalismo e de identificação (bem como de repulsa) entre eleitores e candidatos é muito maior no contexto do município tem sido um dado muito pouco observado nas análises relativas ao caso Maluf. E ela afigura-se essencial para a contextualização da reação enfurecida contra a aliança, pois algo muito diferente é esta dar-se, em âmbito federal, com o PP nacional – onde Maluf é um cacique decadente entre outros tantos – ou numa aliança municipal, ainda mais se selada com uma foto de Lula em alegre congraçamento na mansão do ex-prefeito, maior símbolo da corrupção do país, novamente prestigiado como figura pública em seu próprio curral eleitoral.

Em outro registro, mas de modo análogo, a candidatura Freixo pelo PSOL não pode ser entendida como um evento autônomo em relação à atuação do partido em âmbito nacional e estadual. A conquista massiva do voto petista – que se afigura essencial para sua vitória – acabará por implicar, portanto, em uma cobrança de posicionamento do candidato quanto à frequência com que a agremiação ao qual está filiado tem se aliado, em votações no parlamento, ao conservadorismo do DEM e do PSDB - e, ainda mais grave, como ele justifica que o PSOL, no deplorável estágio da mídia brasileira atual, tenha legitimado uma revista acusada de graves crimes ao valer-se de “denúncias” de Gilmar Mendes ali publicadas para endossar uma ação contra o ex-presidente Lula?


Caminho do meio
Penso que, tanto em um caso como em outro, um meio-termo acabará por se impor como necessário. Ou seja, Freixo muito provavelmente acabará obrigado – se não para vencer as eleições, certamente para conseguir governar – a compor alianças e a negociar com os representantes do grande capital, mesmo que, em um e outro caso, se esforçando, com  resultados efetivos ou enredando-se em autoengano, para conservar a dignidade.

Já em relação à eleição paulistana, parece ficar cada vez mais claro que a aliança com Maluf foi um enorme, deplorável erro, mas não por opor “puros” e “pragmáticos”, como os mais afoitos prognosticaram, pois a questão central, no caso, nunca foi que quaisquer alianças seriam, por si, condenáveis, mas sim quais seriam aceitáveis e quais não. E com um político gestado pela ditadura militar, símbolo máximo da corrupção, criminoso internacionalmente procurado, fiador da Rota como esquadrão da morte de pobres e negros é, claramente, inaceitável que a centro-esquerda faça alianças.


Tema perene
De qualquer maneira, só o futuro dirá, com certeza, quais as consequências da comnposiçãocom Maluf para a candidatura Haddad e da recusa à realpolitik para o projeto político de Freixo. Mas a questão de fundo implicada nessas posturas antagônicas deve permanecer ainda por um bom tempo como um dos temas centrais do embate político, do interesse dos jovens por política e, em decorrência, da própria evolução democrática no Brasil.


(Imagens retiradas daqui e dali)

Um comentário:

Marcelo Delfino disse...

Me incomoda a aliança do referido deputado do PSOL com deputados cabralistas na Alerj para aprovar projetos de interesse de barões do fânqui carioca, como Rômulo Costa e DJ Malboro.