Vive-se um momento
contraditório no país: ao mesmo tempo em que o governo mantém
altos índices de popularidade e a estabilidade econômica alcançada
em meio à mais grave crise do capitalismo desde 1929, graves
problemas na Educação e na Saúde vêm a público, no bojo da
insatisfação de médicos e professores. A greve destes atinge 20
dias, tem número de adesões crescente (já são 51 instituições
paradas) e permanece sem perspectiva de solução. Concomitantemente, ocorrem dezenas de greves de professores estaduais e municipais.
Agora a situação se
deteriora ainda mais: desde ontem, quando o ministro Aloizio Mercadante (Educação) chamou os representantes docentes à mesa de negociação mas, invocando as incertezas do cenário econômico internacional, não apresentou proposta, servidores públicos de 31
categorias profissionais, que protocolaram sua pauta de
reivindicações no longínquo janeiro, decidiram aderir à paralisação
até o próximo dia 18, como forma de protesto, após uma dezena de
reuniões infrutíferas com o governo.
Não obstante a
gravidade da situação, tal cenário quase não tem atraído as
atenções da mídia corporativa, cuja orientação neoliberal
inclui, naturalmente, um desprezo acentuado pelo funcionalismo
público. Só abre eventuais exceções quando – como ontem, no MEC
- há quebra-quebra e a possibilidade sempre excitante de incriminar
os movimentos sociais. Para muito além desses interesses de fundo,
porém, tal comportamento se insere em um contexto histórico e
político específico que ora já pode ser entendido como demarcador
de um capítulo da história da imprensa: o seu relacionamento com os
governos federais petistas.
Mídia omissa
A mais grave crise da
imprensa brasileira, tanto em termos comerciais - face às
dificuldades para competir com o conteúdo gratuito oferecido pela
internet - quanto éticos – graças à negligência de regras
básicas do bom jornalismo e à ação como partido político, que
fazem com que se encontre profundamente desacreditada - está prestes
a completar uma década, posto que deflagrada a partir da campanha
eleitoral de 2002, a qual levou Lula, pela primeira vez, à
Presidência.
Muitos e graves são os
efeitos deletérios ora ocasionados ao país pela virtual
ausência de um jornalismo sério que, malgrado suas ligações com o
grande capital, ao menos se esforçasse para aparentar
profissionalismo e imparcialidade, como se faz em boa parte do mundo.
Mas não: além da
insistência obsessiva em reafirmar, como dogma, um receituário
neoliberal desautorizado pela história socioeconômica – como os
índices de desemprego e a grave crise vivenciados no passado pelo
Brasil e ora pelas nações do norte ocidental ilustram de forma
cabal – e da tendência a se aferrar a um conservadorismo
patrimonialista, contrário a tudo que recenda a lutas sociais – de
reforma agrária a liberdades comportamentais, de direitos sobre o
próprio corpo a greve como forma de reivindicação –, a imprensa
brasileira abusa de expedientes baixos, de manipulações grosseiras,
de armações várias, dos quais o inacreditável fuzuê em torno das
declarações de Gilmar Mendes e as evidências da CPI do Cachoeira
envolvendo a revista Veja e o
crime organizado são as provas mais recentes.
O nó da questão
Esse
quadro acima descrito, que promove o esvaziamento do jornalismo como
campo de valoração e intermediação, acaba por afetar
substancialmente a circulação qualitativa da comunicação na
sociedade, a difusão de critérios valorativos à ética na política e seu acompanhamento, o grau de consciência cívica
dos cidadãos, a constituição de narrativas histórico-políticas,
entre outros temas. Tudo isso faz com que a relação entre mídia,
cidadania e democracia se afigure, atualmente, como um ponto nodal
para o avanço da democracia no país.
Para
além dessas características eminentemente negativas, talvez o
aspecto mais contraditório – e mais revelador da pouca
inteligência política que caracteriza a estratégia do
conservadorismo midiático – seja que, ao optar pela
desqualificação grosseira, pelo denuncismo seletivo e pela
repetição de mantras e dados em sua maioria inverídicos, ele deixa
tanto de reconhecer méritos (a muitos evidentes) quanto de apontar
falhas e deméritos efetivos dos governos Lula e Dilma. Isso, por sua
vez, acaba por gerar um fenômeno paradoxal, uma vicissitude crítica
de consequências anestesiantes, que merece ser examinado com maior
detalhamento.
Um ano e meio de governo
Pois
desse modo agindo, a parcialidade antigovernista tende, por um lado,
a tornar indistintas,
do ponto de vista de seu grau de procedência e de sua veracidade, as
críticas que faz ao governo. Isso, por outro lado, incita - nas
redes sociais, sobretudo – uma resposta contrária e em igual
medida, porém pró-governista. Assim, seja pela dificuldade de
separar o joio do trigo nas críticas da mídia ao governo,
peneirando o que é procedente e o que não é, ou seja pela
impropriedade de se esperar que as respostas coletivas e de natureza
eminentemente reativa das redes sociais somem à exaltação dos
méritos o ato de botar o dedo nas feridas governistas, acaba-se por
não se desenvolver devidamente e a contento o exame de questões
problemáticas e dos pontos fracos da gestão federal – e isso, ao
contrário do que possa inicialmente aparecer, é prejudicial não só
para a mídia, mas, mais ainda, para o governo Dilma Rousseff e para
o país.
E fica cada vez mais claro que o governo Dilma oferece até agora,
quase um ano e meio depois de seu início e na iminência de
ingressarmos em mais um período eleitoral, um legado contraditório,
cujos méritos diversos merecem, sem dúvida, ser reconhecidos, mas
cujos pontos indubitavelmente problemáticos não podem permanecer
eclipsados pelo paradoxo gerado pela atuação obscurantista da
imprensa neoliberal, de um lado, e, de outro, pelo otimismo muitas
vezes condescendente de seus simpatizantes, entusiastas e militante
nos blogs e redes sociais (neste sentido, é altamente simbólico que
o ápice da deterioração das relações entre governo e servidores
tenha se dado concomitantemente a um momento em que as redes sociais
fervilhavam de irônica autocongratulação, com tags como
#serpetralha e #BolsaTwitter).
Pois, desse modo,
acabamos no pior dos mundos para as demandas trabalhistas, posto que
tanto o entusiasmo cego de uns quanto o neoliberalismo dogmático de
outros acaba por fazer vista grossa para tais reivindicações –
advindas, no caso, de servidores responsáveis justamente pela
aplicação das políticas sociais do Estado, na Educação, na Saúde
e para além destas.
Méritos e desacertos
Não se deve, por
certo, deixar de reconhecer os méritos do atual governo, em que se
destacam, por estruturais, as políticas de erradicação da miséria
e de seguridade socioeconômica, de um lado, e a estabilidade
econômica de outro, esta notadamente por se dar em meio a uma grande
crise mundial, como já mencionado. Trata-se de um feito que não
pode ser menosprezado: a título de comparação, basta examinar as
consequências devastadoras que a crise do petróleo gerou na
economia brasileira do início dos anos 80 ou, num exemplo mais
próximo e com a economia já altamente globalizada, as três vezes
em que o Brasil quase foi à falência durante o segundo governo de
Fernando Henrique devido a crises econômicas localizadas, bem
menores do que a atual, e que legaram ao país muita carestia e
desemprego.
Convém frisar ainda
que, a despeito do baixo crescimento dos últimos meses, o desempenho da economia brasileira, no governo Dilma, tem contemplado, de forma inédita, um esforço para redução substancial dos juros e atenção aos níveis de desemprego (que se encontram no menor índice da
série histórica), de crédito e de consumo. Destarte, não tem
sido possível, nos últimos anos, bradar a constatação antes
renitente de que “a economia vai bem, mas o país vai mal”.
Recursos há
Por outro lado, o rigor
fiscal continua recebendo um tratamento prioritário que é negado a
áreas sociais fundamentais, tais como saúde e educação. Mesmo já
atingida a por si excessiva meta de superávit primário em abril, o
governo continua economizando, enquanto promove um inaceitável corte
de salários de 48 mil médicos e trata com marasmo a greve dos professores
universitários federais.
Saúde e educação são
– ou deveriam ser duas áreas de máxima prioridade para um
governo alegadamente comprometido com a real promoção de avanços
sociais e democráticos. Durante toda a campanha eleitoral e em seu
discurso de posse, Dilma reiterou que a Educação seria, em suas
palavras, “prioridade número um”.
Porém o que se vê
agora está muito distante de honrar esse compromisso: o governo,
embora siga promovendo um superávit primário absurdamente alto e
disponha de recursos que o permitem perdoar dívidas milionárias das
teles e continuar abdicando de impostos para estimular compra de carros e de
eletrodomésticos, se recusa a sequer apresentar uma contraproposta
às categorias profissionais em greve, que têm sido tratadas com um
descaso incompatível com um governo popular.
Incoerência programática
Tal postura
intransigente acaba por permitir lances do mais hipócrita
oportunismo, como o recente apoio do PSDB à greve. Ora, os tucanos
não têm moral para se solidarizar com quem sempre maltrataram:
quando no poder, com FHC, faltou giz e dinheiro para pagar conta de
luz nas universidades federais, que estiveram à beira do colapso
(este era mesmo o objetivo, para privatizar o ensino superior).
No entanto, se
continuar a tratar as demandas de seus servidores como os últimos
itens a serem contemplados em sua agenda governamental, a
administração Dilma Rousseff estará não só facilitando o
trabalho de seus opositores – seja através de lances hipócritas
como o acima mencionado, seja por desvalorizar o setor público para
gáudio do conservadorismo – mas diminuindo a qualidade e a
efetividade da ação do Estado nas áreas de Saúde e de Educação
- e, assim, afastando-se da plataforma de um governo progressista e prejudicando o povo e o país.
(Imagem retirada daqui)
2 comentários:
Perfeito!
Nem uma vírgula a acrescentar.
Assino embaixo.
Cordiais saudações,
Aquiles Lazzarotto
Ecelente texto, mas eu matizaria a questão dos ganhos econômicos e afins do governo quando confrontamos osdados governamentais com a realidade de uma classe média de 291 reais (uma piada, sem duvida) e uma política que caminha para emular a substituição de importações da Ditadura (que casa bem com Belo Monte e outras obras da Ditadura), os impostos que cada vez mais sobem, os burros incentivos á que parece ser a única indústria do país - a de carros - e a redução da lcuratividade da poupança sem diferenciar ricos de pobres.
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