Dois filmes em cartaz
têm como tema sexualidade e universo afetivo nos dias atuais, a
partir de personagens adultos e examinando tópicos como prazer,
solidão, novos e velhos ritos de acasalamento, carência, sexo (com
amor e sem amor), além, é claro, do papel das novas tecnologias nos
relacionamentos interpessoais.
Shame,
dirigido pelo cultuado Steve McQueen (Hunger),
acompanha o cotidiano de um trintão atlético e bem-sucedido
(Michael Fassbender, indicado ao Globo de Ouro) que, a despeito de
sua aparente timidez, tem uma vida sexual intensa e diversificada,
fugindo do compromisso como o diabo da cruz. Porém a chegada
inesperada da irmã – uma cantora com tendências depressivas – e
o envolvimento com uma secretária que questiona seu horror a
envolvimento emocional vão, pretensamente, levá-lo a se defrontar
consigo mesmo
Ao menos era essa a intenção. Trata-se, no entanto, de uma narrativa que, além de não avançar para além do argumento inicial, peca pelo moralismo: não sendo hábil em caracterizar, na fase inicial do filme, um presumido vazio existencial do protagonista, a impressão que fica, em última análise, é que o personagem de Fassbender é punido por ser sedutor e gozar de uma vida sexual muito ativa e diversificada. Ou seja, a velha e conhecida “Síndrome de Freddy Krueger”, vulgarizada no “transou, morreu” dos filmes de horror, deslocada para o habitat de um filme “sério”, cult e com clara ambição de crítica sociológica. (O título que o filme recebeu na Espanha, Deseos Culpables, entrega o ouro.)
Muito da má impressão moralista que o filme causa advém da pobreza do roteiro, que tem momentos constrangedores, daqueles de provocar vergolha alheia - como quando, após um primeiro encontro em que o personagem de Fassbender não só é rejeitado, mas obrigado a ouvir um sermão sobre afetividade e compromisso, ele, até então um alegre e desreprimido namorador, cai de amores pela garota, sem o roteiro fornecer a mínima motivação que justifique tal fascínio.
Assim,
o sobrevalorizado McQueen - que abusa da criação de “atmosferas”
ambientadas por música eletrônica e dá mostras de confiar demais
no poder epifânico do material filmado, em detrimento do
aperfeiçoamento do roteiro – acaba, quem diria, por recorrer à
velha moral repressiva para produzir um filme moderninho.Shame on you, McQueen!
Jovens Adultos tem elenco afiado
Bem
melhor resultado alcança o drama com pitadas de humor Jovens
Adultos, protagonizado por
Charlize Theron (indicada ao Globo de Ouro) e dirigido com mão
segura por Jason Reitman, de Amor sem Escalas
e de Juno.
Ela
interpreta Marcis, uma ghost-writer de livros infanto-juvenis
que vive uma vida confortável mas um tanto vazia em Minneapolis, a
bela capital setentrional apelidada de Mini Apple por conta de seu
cosmopolitismo e de sua paisagem urbana extasiante, a qual ela
observa da varanda de seu amplo apartamento, no vigésimo andar.
É
na solidão desse local, entre tentativas de trabalhar no tal livro
e distrações frequentes com e-mails, redes sociais e
games (a narrativa retrata muito
bem a presença quase invasiva do universo virtual no cotidiano de
hoje em dia) que Marvis recebe um anexo com foto anunciando o
nascimento de um bebê, filho de um ex-namorado. Acusa o baque.
Após
mais uma noite de sexo casual e insatisfatório, ela decide, num
rompante, pegar suas tralhas, seu cãozinho e reencontrar o antigo
namorado (Patrick Wilson, o protagonista da série A Gifted
Man), que ainda mora em Mercury,
a cidade caipira onde ela vivera sua adolescência de rainha da
beleza.
Patton Oswalt quase rouba a cena |
O
roteiro de Diablo Cody (que ganhou o Oscar por Juno)
é cheio de sutilezas e tem personagens sólidos e complexos – com
destaque para a gordinho vivido por Patton Oswalt, traumatizado após
ter sido brutalmente espancado na adolescência por suspeitarem que
fosse gay.
Cody manipula com maestria o processo de identificação do espectador com os personagens e dosa muito bem o equilíbrio
entre drama, humor e pitadas certeiras de sarcasmo para contar o
retorno de Marvis, jogando com a dualidade entre sua imagem exterior
(a ex-cheerleader e
atual autora bem-sucedida, despertando rancores, admiração e
inveja) e sua auto-imagem em crise (extremamente carente, alcoólatra,
à beira do desemprego e de um colapso nervoso). Ao contrário do que
acontece em Shame,
aqui a crise existencial da personagem é bem crível, não só
porque sua vida afetiva e sexual, embora bem ativa, é logo no início
caracterizada como insatisfatória para ela, mas por aludir, através da
foto do bebê de seu ex-namorado, à questão da maternidade e
a um episódio do passado que só ao final do filme será revelado.
Reitman
é um diretor que cuida com esmero dos enquadramentos e que se vale
muitas vezes apenas das imagens, em montagem eventualmente criativa, para insinuar
sentidos e criar climas. Observe-se, nesse sentido, o modo como filma
a noite de Mercury ou as transformações frenéticas do visual de
Mavis, com atenção aos rituais detalhistas e algo penosos aos
quais ela se submete em suas idas e vindas ao salão de beleza.
Jovens adultos,
embora longe de ser uma obra-prima, consegue tocar com propriedade
em alguns dos principais dilemas afetivos atuais, uma era em que,
felizmente, se pode usufruir a sexualidade de forma muito mais livre
e desreprimida, mas sem que isso, necessariamente, torne menos tenso,
no universo afetivo, a paradoxal relação entre necessidade de
liberdade e desejo de estabilidade, ou seja, de ininterrupta e
continuamente amar e ser amado.
2 comentários:
Acompanho o blog através do feed e não sei o porquê, seus textos ficam com o espaçamento entre palavras todo zoneado, bastante difícil de ler.
Oi, Luciana,
Não faço ideia porque isso aconteça, vou procurar me informar.
Obrigado por acompanhar o blog.
Maurício.
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