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terça-feira, 17 de abril de 2012

A sexualidade nas telas


Dois filmes em cartaz têm como tema sexualidade e universo afetivo nos dias atuais, a partir de personagens adultos e examinando tópicos como prazer, solidão, novos e velhos ritos de acasalamento, carência, sexo (com amor e sem amor), além, é claro, do papel das novas tecnologias nos relacionamentos interpessoais.

Shame, dirigido pelo cultuado Steve McQueen (Hunger), acompanha o cotidiano de um trintão atlético e bem-sucedido (Michael Fassbender, indicado ao Globo de Ouro) que, a despeito de sua aparente timidez, tem uma vida sexual intensa e diversificada, fugindo do compromisso como o diabo da cruz. Porém a chegada inesperada da irmã – uma cantora com tendências depressivas – e o envolvimento com uma secretária que questiona seu horror a envolvimento emocional vão, pretensamente, levá-lo a se defrontar consigo mesmo


Ao menos era essa a intenção. Trata-se, no entanto, de uma narrativa que, além de não avançar para além do argumento inicial, peca pelo moralismo: não sendo hábil em caracterizar, na fase inicial do filme, um presumido vazio existencial do protagonista, a impressão que fica, em última análise, é que o personagem de Fassbender é punido por ser sedutor e gozar de uma vida sexual muito ativa e diversificada. Ou seja, a velha e conhecida “Síndrome de Freddy Krueger”, vulgarizada no “transou, morreu” dos filmes de horror, deslocada para o habitat de um filme “sério”, cult e com clara ambição de crítica sociológica. (O título que o filme recebeu na Espanha, Deseos Culpables, entrega o ouro.)
Jantar constrangedor - para o casal e para o espectador
Muito da má impressão moralista que o filme causa advém da pobreza do roteiro, que tem momentos constrangedores, daqueles de provocar vergolha alheia - como quando, após um primeiro encontro em que o personagem de Fassbender não só é rejeitado, mas obrigado a ouvir um sermão sobre afetividade e compromisso, ele, até então um alegre e desreprimido namorador, cai de amores pela garota, sem o roteiro fornecer a mínima motivação que justifique tal fascínio.

Assim, o sobrevalorizado McQueen - que abusa da criação de “atmosferas” ambientadas por música eletrônica e dá mostras de confiar demais no poder epifânico do material filmado, em detrimento do aperfeiçoamento do roteiro –  acaba, quem diria, por recorrer à velha moral repressiva para produzir um filme moderninho.Shame on you, McQueen!



Jovens Adultos tem elenco afiado
Bem melhor resultado alcança o drama com pitadas de humor Jovens Adultos, protagonizado por Charlize Theron (indicada ao Globo de Ouro) e dirigido com mão segura por Jason Reitman, de Amor sem Escalas e de Juno.

Ela interpreta Marcis, uma ghost-writer de livros infanto-juvenis que vive uma vida confortável mas um tanto vazia em Minneapolis, a bela capital setentrional apelidada de Mini Apple por conta de seu cosmopolitismo e de sua paisagem urbana extasiante, a qual ela observa da varanda de seu amplo apartamento, no vigésimo andar.

É na solidão desse local, entre tentativas de trabalhar no tal livro e distrações frequentes com e-mails, redes sociais e games (a narrativa retrata muito bem a presença quase invasiva do universo virtual no cotidiano de hoje em dia) que Marvis recebe um anexo com foto anunciando o nascimento de um bebê, filho de um ex-namorado. Acusa o baque.

Após mais uma noite de sexo casual e insatisfatório, ela decide, num rompante, pegar suas tralhas, seu cãozinho e reencontrar o antigo namorado (Patrick Wilson, o protagonista da série A Gifted Man), que ainda mora em Mercury, a cidade caipira onde ela vivera sua adolescência de rainha da beleza.

Patton Oswalt quase rouba a cena
 O roteiro de Diablo Cody (que ganhou o Oscar por Juno) é cheio de sutilezas e tem personagens sólidos e complexos – com destaque para a gordinho vivido por Patton Oswalt, traumatizado após ter sido brutalmente espancado na adolescência por suspeitarem que fosse gay. Cody manipula com maestria o processo de identificação do espectador com os personagens e dosa muito bem o equilíbrio entre drama, humor e pitadas certeiras de sarcasmo para contar o retorno de Marvis, jogando com a dualidade entre sua imagem exterior (a ex-cheerleader e atual autora bem-sucedida, despertando rancores, admiração e inveja) e sua auto-imagem em crise (extremamente carente, alcoólatra, à beira do desemprego e de um colapso nervoso). Ao contrário do que acontece em Shame, aqui a crise existencial da personagem é bem crível, não só porque sua vida afetiva e sexual, embora bem ativa, é logo no início caracterizada como insatisfatória para ela, mas por aludir, através da foto do bebê de seu ex-namorado, à questão da maternidade e a um episódio do passado que só ao final do filme será revelado.

Reitman é um diretor que cuida com esmero dos enquadramentos e que se vale muitas vezes apenas das imagens, em montagem eventualmente criativa, para insinuar sentidos e criar climas. Observe-se, nesse sentido, o modo como filma a noite de Mercury ou as transformações frenéticas do visual de Mavis, com atenção aos rituais detalhistas e algo penosos aos quais ela se submete em suas idas e vindas ao salão de beleza.

Jovens adultos, embora longe de ser uma obra-prima, consegue tocar com propriedade em alguns dos principais dilemas afetivos atuais, uma era em que, felizmente, se pode usufruir a sexualidade de forma muito mais livre e desreprimida, mas sem que isso, necessariamente, torne menos tenso, no universo afetivo, a paradoxal relação entre necessidade de liberdade e desejo de estabilidade, ou seja, de ininterrupta e continuamente amar e ser amado.


(Imagens retiradas, resectivamente, daqui, dali e dacolá)

2 comentários:

Luciana disse...

Acompanho o blog através do feed e não sei o porquê, seus textos ficam com o espaçamento entre palavras todo zoneado, bastante difícil de ler.

Unknown disse...

Oi, Luciana,

Não faço ideia porque isso aconteça, vou procurar me informar.

Obrigado por acompanhar o blog.

Maurício.