A pressa com que a
mídia tenta tirar de cena o escândalo Demóstenes-Cachoeira,
evidente nos últimos dias, deixa claro até para os que ainda
insistem em nela crer que sua campanha implacável contra a corrupção
e seu moralismo vigilante são de fancaria e atendem a interesses
político-partidários específicos.
Tal afirmação
certamente parecerá redundante para os que seguem a blogosfera e
acompanham a profunda crise – material, de credibilidade e ética –
em que a imprensa brasileira se meteu na última década, mas é
preciso não se iludir: a internet, entre outros fatores, trouxe
efetivos avanços à diversidade ideológica da comunicação no
país, porém a mídia corporativa ainda preserva um considerável
poder de repercussão junto a diversos estratos da população.
E é precisamente
através do exercício de tal poder – decadente, mas efetivo –
que a mídia, embora não tenha conseguido abafar e tenha adiado ao
máximo a publicização do escândalo envolvendo Demóstenes Torres
(eleito pelo DEM/GO), vem efetivamente ocultando do grande público que o país
está diante de um dos maiores e mais bem documentados casos de
corrupção de sua história.
Pois, além de envolver
cifras impressionantes, as ramificações do poder amealhado por
Cacheira e seus comparsas, apontam as provas, atingem o Senado, a
Justiça, a atual administração estadual de Goiás, a PM goiana, os
grupos de mídia e mais um sem-número de entes privados, alguns
deles com enorme poder de mobilização de lobbies e
de capital.
Comparada,
no entanto. à cobertura dispensada ao chamado mensalão - que, a
partir de uma denúncia de ninguém menos que o ex-collorido Roberto
Jefferson, de muito “ouvi dizer” e de factoides que, hoje se sabe, partiram do próprio núcleo duro dos envolvidos na Operação Monte Carlo, parou o país por meses em
2005 – a atenção dispensada pela mídia às graves evidências
colhidas na operação Monte Carlo é minúscula e na base do “vamos
deixar pra lá” - vide o apelo cínico do catão-mór da imprensa
Merval Pereira para que “não politizem as denúncias”.
Cadê o polvo?
Ora,
quando as denúncias envolviam as forças políticas que desagradam à
plutocracia midiática a qual Merval serve, a regra era uma
exploração política máxima das acusações - mesmo que de
rumores, factoides ou armações se tratasse; mesmo que dissesse
respeito a uma tapioca de R$8,00, a uma diária de motel ou a uma
carona num avião. Daí a exploração era não só política, mas
eleitoreira e na base do derruba-ministro.
As
mais de 40 capas de Veja contra
um determinado partido político, sempre repercutidas pelo consórcio
midiático de jornais, revistas e emissoras de rádio e TV - que, como reconhece uma das principais executivas do
setor, atua como partido político –, aí estão para nos lembrar de
como era voluntariosa e virulenta a indignação da mídia contra
seus inimigos.
Mas
e agora, que um dos políticos campeões de indignação moral
pública sob os holofotes da mídia tem contra si contundentes provas
que o envolvem até o pescoço em um esquema criminoso com penetração
nacional, cadê as capas com um polvo maléfico? Os editoriais que se
proliferam de jornal a jornal, cada vez mais empesteados da baba
hidrófoba da autêntica indignação cívica? As passeatas cansadas
querendo incendiar o congresso e dar um basta nessa democracia que só
elege corruptos?
Ameaça à democracia
Tudo isso somado, é
preciso se ter claro que, para muito além de sua significação para
as relações entre corrupção e mundo político, as evidências
contra o senador – e, até anteontem, bastião midiático da ética
- Demóstenes Torres são reveladoras da ameaça à
democracia que, no Brasil, as táticas empregadas pelo consórcio
entre partidos conservadores e mídia corporativa representam.
Idealmente – e de
acordo com o próprio papel social que historicamente reivindica para
si -, uma das principais funções da imprensa seria informar o
cidadão acerca dos meandros, práticas e significados das ações
políticas e, assim, em um regime democrático, ajudá-lo a se
posicionar e a decidir o destino de seu voto.
Tal cobertura
naturalmente também incluiria, em alguma medida, a apuração e
denúncia de corrupção contra figuras públicas ou partidos, o que
acrescenta ao mencionado papel político-informacional da imprensa a
formação de juízos de valor moral não apenas quanto a
determinados políticos, mas em relação à própria atividade
política como um todo.
À margem da lei
Agora, se, como
evidenciam as provas relativas à Operação Monte Carlo, uma
organização à margem da lei - da qual seria beneficiário direto
um senador da República - tinha a capacidade não só de influir,
mas até de pautar relevantes setores da mídia de forma efetiva,
inclusive com a criação de factoides sem lastro na realidade, não
só a própria função institucional da mídia está seriamente
comprometida, mas o funcionamento pleno da ordem democrática
ameaçado.
Portanto, as denúncias devem ser politizadas, sim - e cabe à blogosfera e ao que restou dos setores da mídia comprometidos com o avanço democrático avivá-las e publicizá-las -, sem a demagogia populista que caracteriza a atuação do consórcio do conservadorismo político-midiático, mas no intuito de fazer chegar ao público a verdade dos fatos e a necessidade de justiça para tão graves transgressões.
E o ônus pelo comportamento da direita e da mídia não pode mais recair somente no aparato político e midiático - é preciso que o público/eleitor que lhes dá audiência e voto seja também cobrado. Pois não é mais possível,
nesse caso, a manutenção de uma moral dupla. Aqueles que compraram
o discurso neoudenista que coloca uma idealizada pureza ética como o
virtualmente único parâmetro axiológico da política têm de se
decidir: ou sustentam tal posição e renunciam tanto à fidelidade
aos partidos conservadores que têm violado a ética quanto à mídia
que camufla tais violações, aligeira escrúpulos e é leniente com tal trangressão; ou, arcando
com ônus da hipocrisia, admitem que o que os moveu nunca foi a
ética, mas sim a identificação com as posturas elitistas,
preconceituosas e socialmente discriminatórias do conservadorismo
brasileiro e da plutocracia midiática que o apoia.
Coerência, por favor
Pois o caso
Demóstenes/Monte Carlo demostra, com abundância de provas, que o
grau de degradação da mídia corporativa, em suas relações
ocultas com as forças conservadoras, é gravíssimo. A perda da
tábua de salvação do moralismo, por onde se equilibrava a direita
nativa, implica no reconhecimento de que os setores conservadores não
têm projeto para o país.
Ao contrário do que as
aparências sugerem, não se trata de algo que mereça comemoração:
ter uma oposição que atue de forma programática e apresente
propostas alternativas às das forças políticas no poder e contar com uma mídia que - ainda que sem
ilusões de imparcialidade efetiva ou de descomprometimento com o
capital - atue nas balizas determinadas pela
deontologia do jornalismo seriam duas conquistas que fariam evoluir muito a democracia brasileira.
Porém, no momento,
como o caso Demóstenes-Cachoeira e a cobertura que (quase não)
recebe da mídia evidenciam, seria irreal acalentar a esperança de
tal evolução.
(Imagem retirada daqui)
2 comentários:
Caleiro,
A mídia ainda repercute muito no meio mais "organizado", o que ela diz produz efeito claro, sua manchetes ainda regulam a pauta dos blogs, mesmo os mais progressistas, que os copiam, quando convém.
Caso Demóstenes é didático, expôs os moralistas, o esquema mídia-oposição-escândalo fica nu. Agora a operação é ameaçar quem exige ir até o fim, mostrar as entranhas do esquema.
Arnobio
Verdade, Arnóbio,
Concordo com tudo que você disse - e acho que os que, como o Azenha, apregoam a necessidade de a blogosfera produzir material próprio e a também pautar, de forma mais ativa, estão cobertos de razão.
Abs.
Maurício.
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