Os textos deste blog estão sob licença

Creative Commons License

quarta-feira, 30 de março de 2011

Cortes do MEC afetam estudantes

Durante toda a campanha eleitoral Dilma Rousseff declarou que a educação seria uma prioridade em seu governo. No discurso de posse, enfatizou tal intenção. Anteontem, ao percorrer, cercada de centenas de estudantes brasileiros, os corredores da mítica Universidade de Coimbra, garantiu-lhes que o Brasil vai mandar mais bolsistas para estudarem no exterior.

Enquanto isso, na vida real, as universidades federais sentem os efeitos do corte de R3,1 bi no orçamento do MEC: novas contratações suspensas, adiamento de licitações e, o mais grave, corte das verbas até para as longas e desconfortáveis viagens, de ônibus, que levam os estudantes aos congressos de suas respectivas áreas.

Em decorrência, assiste-se à frustração de muitos deles, que, sem condições financeiras de arcar com os custos de uma viagem, investiram muitos meses - às vezes mais de um ano - em um projeto de pesquisa, confiantes na manutenção do compromisso mínimo de que um ônibus da universidade os levaria até o congresso, para que pudessem apresentar a seus pares os resultados de seus esforços, arcando eles próprios com gastos com comida e hospedagem da empreitada.

Desnecessário observar que tal quadro gera um círculo vicioso, que desestimula o desenvolvimento de pesquisas na graduação e retarda o amadurecimento do aluno e sua capacitação, acabando por afetar o nível das pós-graduações.

Nelas, os efeitos dos cortes de verbas são ainda mais nocivos, dada a fundamental importância desempenhada pela avaliação das pesquisas por pares e pela troca de conhecimentos atualizados que os congressos proporcionam. Intercâmbio, como se sabe, é essencial ao progresso da pós-graduação.

E para que sacrificar tanto uma área vital ao país, perguntamos. Para, mais realista que o rei, o governo cumprir a meta insana de déficit nominal zero, agradando ao deus-mercado, priorizado uma vez mais pela presidenta, ao invés das demandas do povo que a elegeu - baseando-se em um discurso bem diferente das atuais práticas, registre-se.

Assim, pois, deixando as meras palavras e declarações de intenções de lado e aferrando-nos à realidade concreta dos fatos, a verdade é que prioridade da gestão Dilma, até agora, não é a educação, mas o mercado.

domingo, 20 de março de 2011

O imperador e seus súditos

Ao final da dupla presidência de George W. Bush, a popularidade dos EUA se encontrava em seu momento mais baixo. As mentiras sobre as armas de destruição em massa, a manipulação da opinião pública, o desrespeito à ONU e a mortandade de civis no Iraque levaram o anti-americanismo a alastrar-se como nunca pelo mundo, levando-o a pontos incandescentes entre os povos do Oriente Médio - indignados pelo apoio incondicional dos EUA ao agravamento das políticas opressivas de Israel contra os palestinos e estigmatizados em bloco como fanáticos religiosos e terroristas.

A eleição de Obama, com o simbolismo da questão racial, a mobilização de jovens e internautas e a euforia utópica do “Yes, we can!”, trouxe a esperança de que tal quadro se reverteria e o obscurantismo da Era Bush seria uma página virada da história. Afinal, embora a relação com Israel devesse permanecer intacta, o programa de governo incluía o diálogo com lideranças árabes, o fechamento da prisão de Guantánamo e, no âmbito interno, as reformas das leis de imigração e do calamitoso sistema de saúde.


Decepções em série
Quase tudo isso ficou no mero marketing. O descontentamento do governo, Hillary à frente, ante os levantes populares contra as ditaduras árabes foi evidente (só não o seria se fosse no Irã). No último dia 7, Obama recuou em relação a Guantánamo, que continua mantendo presos, em condições desumanas, suspeitos sem julgamento, numa afronta à Justiça internacional. “A reforma da política nacional de imigração foi inviabilizada no Congresso e tem sido substituída por selvagens leis estaduais anti-imigrantes”, como aponta Luiz Antonio M. C. Costa.

Para Maria da Conceição Tavares – que concedeu ótima entrevista à Carta Maior -, Obama “exerce um presidencialismo muito vulnerável, descarnado de bases efetivas, pois a juventude e os negros que o elegeram não teriam poder institucional “nem assento em postos chaves”. Ela aponta o que chama de “conservadorismo de bordel”, representado pela aliança entre o moralismo republicano e a farra da finança especulativa, como uma camisa-de-força conservadora para o exercício da presidência nos EUA atuais.


Deslumbre entusiasmado
Foi para receber esse presidente pato manco que o Brasil se perfilou. Mídia deslumbrada e acrítica à frente, prometia-se um show de democracia e afagos no ego nacional, com direito a comício na Cinelândia e Obama anunciando à massa que reservara um assento para o país no Conselho de Segurança da ONU.

Como sói acontecer quando se trata de Obama, houve uma grande frustração de expectativas. Primeiro, a Cinelândia foi vetada, após monitoramento das redes sociais, por receio de protestos populares.

Depois, uma manifestação corriqueira em frente ao Consulado dos EUA no Rio termina com treze cidadãos brasileiros detidos - a maioria estudantes e professores - e outro, um vigilante, com ferimentos provocados pelo que a polícia fluminense alega ser uma explosão de coquetel molotov. No dia seguinte, para espanto de muitos, os treze detidos são mandados para a prisão em Bangu, para aguardar julgamento por penas que podem chegar a doze anos.


Muito anos 70
Além de inédito nos anais recentes das manifestações públicas brasileiras, é, para dizer o mínimo, pouco crível que um grupo heterogêneo de militantes, predominantemente do PSOL, mas com um menor de idade e uma senhora de 69 anos, lançasse mão de coquetéis molotov, socos ingleses e pedras (material alegadamente apreendido, mostrado pela Globo) em um ato de protesto - ainda mais contra a superprotegida embaixada dos EUA.

É fato documentado que pertence ao universo dos grupos neonazistas - cujas ligações com setores da extrema-direita militar são evidentes - o hábito de carregar tal parafernália, para descarregar seu ódio contra gays, nordestinos e demais minorias.

E, embora pertença ao âmbito da especulação o que realmente teria acontecido, convém, como sempre, se perguntar a quem interessaria tal conflito aberto. As respostas parecem evidentes: aos grupos paramilitares de direita e seus militares de pijama, que alimentam ódio ao governo “de esquerda” e “revanchista” de Dilma e às próprias forças de segurança dos EUA em conluio com a PM carioca, que ao reprimir violentamente o protesto e prender 13 pessoas desencorajaria a participação popular em novas manifestações. Esta última hipótese é reforçada por dois fatores: a alegação de partidários do PSTU de que havia pessoas infiltradas entre o grupo e repetição de um modus operandi tantas vezes utilizado pela CIA.


A recusa de Lula
Mas não para por aí. A seguir, a novidade do evento foi o anúncio da não-participação de Lula no almoço com Obama. Muitos atribuem tal ausência ao esforço do popular ex-presidente para preservar intacto o protagonismo de Dilma Rousseff.

De minha parte, nunca comprei essa versão, pois, se assim fosse, Lula não deixaria para anunciar sua ausência na última hora, criando um fato jornalístico que traz de volta os holofotes a ele e gera uma série de especulações. Se deixar o palco para Dilma fosse o caso, seria mais lógico que ele assumisse, com bastante antecedência, um compromisso internacional que fizesse que ele sequer estivesse no país por ocasião da visita do mandatário estadunidense.

Portanto, o anúncio abrupto, de última hora, de sua ausência evidencia insatisfação ou desaprovação. A o quê? Não é preciso ser Nostradamus para se aperceber de que, com a ONU tendo aprovado, dois dias antes da visita de Obama, a decretação de zona de exclusão aérea na Líbia, seria uma questão de tempo para que os EUA seguissem os passos da França e anunciassem o ataque ao país - o que muito possivelmente viria a acontecer no Brasil, como efetivamente ocorreu.


Em solo brasileiro
E o fato de Obama fazer tal anúncio no Brasil repercutiu muito mal para nosso país no Oriente Médio e, como demonstra Maria Fro, na América Latina. Neste exato momento, Dilma Rousseff está sendo muito criticada tanto pela abstenção na votação na ONU quanto, sobretudo, por dar a impressão de endossar o anúncio de guerra ianque, por este ter se dado aqui e em meio a recepções calorosas a Obama.

Trata-se, evidentemente, no caso das últimas acusações, de uma injustiça, pois a presidenta nada poderia fazer em sentido contrário, em meio ao mais importante encontro internacional de seu mandato, organizado com grande antecedência.

Mas se Lula tivesse ido ao encontro, certamente sobrariam para ele acusações de incongruência entre, de um lado, a política Sul-Sul e de aproximação com o Oriente Médio que promoveu e, de outro, o fato de prestigiar o banquete para o mais novo senhor da guerra contra a região, inexplicavelmente laureado com o Nobel da Paz. Estrategista exímio como reconhecidamente é, Lula deve certamente ter prefigurado tais desdobramentos. Como se já não bastassem as idas e vindas de Obama quando incentivou que Lula mediasse um acordo com o Irã.


Humilhação oficial
Para completar o triste espetáculo que foi a visita de Obama, ministros foram obrigados, em território nacional, a tirar o sapato para revista pelas forças de segurança dos EUA, as quais revistaram até viatura da Polícia Federal. É o cúmulo da subserviência, de um lado, e do desrespeito à soberania, do outro.

Que alguns ministros tenham se recusado a tirar os sapatos, preferindo perder o almoço com Obama, traz o alento de saber que alguma dignidade foi preservada. Mas me recuso a acreditar que o cerimonial e as agências brasileiras de segurança não sabiam que seria assim – afinal, esse encontro vem sendo preparado há meses. Trata-se, portanto, de humilhação consentida, de vassalagem ao soberano. Há de se denunciar o ímpeto imperialista do visitante, mas não dá para fingir não notar a leniência submissa do governo brasileiro.


É o comércio, estúpido!
Com tantos transtornos, a visita de Obama ao Brasil evidenciou, uma vez mais, toda a truculência e arrogância imperialista que impregna, há décadas, a política externa dos EUA. O único evento a destoar positivamente do programa foi o discurso de Dilma Rousseff: firme, consistente, deixando claros os limites e as discordâncias do Brasil para com as demandas estadunidenses, foi reconhecido até por empedernidos conservadores.

Obama, em contraposição, além de lento e pouco articulado, não garantiu, no discurso oficial, o apoio à candidatura do Brasil ao Conselho de Segurança da ONU – menção que só veio a fazer no almoço, o que é diplomaticamente muito menos significativo. Deixou claro que o negócio dele é fazer aumentar o comércio a favor dos EUA - e o resto é secundário.

Ou seja: os colonizados se humilharam e se abaixaram até "pagar cofrinho", mas desta vez nem espelhinhos ganharam...


(Cartum de Latuff retirado daqui)

quinta-feira, 17 de março de 2011

Bethânia põe a nu distorções e anacronismo da Lei Rouanet

Maria Bethânia é uma artista de primeira grandeza. Senhora de dois mundos, tornou-se referência cultural no Brasil e em Portugal, com sua capacidade de mesclar o literário e o musical e de tornar o popularesco sublime e o sublime, popular.

Com o tempo, à medida que seus longos cabelos cacheados tornaram-se brancos como um véu, tornou-se para muitos uma espécie de figura referencial (a la Fernanda Montenegro), repositório de sensatez e sensibilidade, com uma espiritualidade evidente em semi-contraste com a aura de diva que sua figura irradia.

Os que privilegiam a técnica interpretativa como principal quesito para avaliação do desempenho de cantoras tendem a eleger Elis Regina sua referência máxima; mas entre os que preferem a emoção interpretativa, Bethânia (ao lado de Nana Caymmi) reina soberana. Na modesta opinião deste blogueiro, ela divide com Aracy de Almeida a mais alta posição no pódio das cantoras brasileiras.


Vaias a granel
Mas ontem essa protagonista da história cultural brasileira durante quase meio século viveu seu dia de Judas em Sábado de Aleluia, despertando a fúria de internautas ao obter a liberação do MinC para captar 1,3mi através da Lei Rouanet. Pior: para montar um blog (os altos custos seriam causados pelo emprego de profissionais e equipamentos de ponta para gravações de videoclipes a serem diariamente postados).

Inútil argumentar que há tempos se tornou recorrente a captação de dinheiro público por artistas cujas fama e penetrabilidade midiática permitiriam prescindir do Estado para avançar sua carreira: trata-se de um fato, mas não de uma justificativa.

Assim, o imbroglio envolvendo a cantora baiana pôs a nu as vicissitudes da "Lei Rouanet", instrumento que, logo após ser criado, desempenhou papel fundamental na sobrevivência de determinados setores artísticos durante o outono neoliberal, mas que, como o episódio em questão evidencia, acabou por gerar graves distorções nas relações entre economia, ideologia e produção cultural.


Tábua de salvação
Elaborado especificamente para reerguer a produção cinematográfica nacional, destroçada após a extinção da Embrafilme por Collor em 1990, o modelo de financiamento trazido pela "Lei Rouanet" em concomitãncia à "Lei do Audiovisual”, baseado em renúncia fiscal de parte do imposto devido por empresas, transferiu para o setor privado – especificamente, para os diretores de marketing de tais firmas – a tarefa de selecionar projetos e determinar os rumos da produção de filmes no Brasil. Com dinheiro público, bem entendido.

Sob forte pressão de outros segmentos culturais – notadamente a classe teatral - e à medida que o cinema brasileiro passava a demonstrar vitalidade, a lei passou a atender demandas de diversas áreas, inclusive da MPB – que, por uma série de razões histórico-mercadológicas, sempre andou com as próprias pernas, ao menos no que concerne a artistas com algum apelo popular.


Lado B
Na gestão Gil/Juca Ferreira, não obstante os esforços de rediscussão da Lei Rouanet quando esta completou dezoito anos, a situação gerou disparates, com artistas do porte de Caetano Veloso captando altos volumes de recursos – os quais poderiam beneficiar uma dezena de artistas que realmente precisavam do apoio da lei – e o internacional Cirque du Soleil valendo-se de recursos do povo brasileiro mas oferecendo ingressos ao preço mínimo de R$300,00.

Para completar, a mais poderosa empresa de mídia corporativa do país – a Rede Globo – tornou-se líder de captação pela Lei Rouanet, deixando à míngua gerações de novos cineastas enquanto inunda o mercado com seus filmes-novelões-minisséries previsíveis.


A privatização da cultura
A Lei Rouanet cumpriu sua funcão de revitalizar a produção cultural brasileira em tempos de vacas magras. Mas mostra-se, há tempos, prenhe de distorções e promotora de mecanismos viciados de benefício de famosos e descolados e de marginalização do novo e do ousado, num processo entrópico que, analisado detidamente, acabará por revelar uma das grandes razões para o relativamente baixo nível de renovação do mercado cultural brasileiro – e, na média, da defasagem de qualidade entre os novos artistas e seus predecessores.

Há um porém: o pano de fundo ideológico que “justifica” e sustenta até hoje a Lei Rouanet é a herança maldita que o neoliberalismo nos deixou, simbolizada na bem-sucedida operação de demonização do Estado como ente gestor de cultura e na transferência do poder decisório do setor para a iniciativa privada.

Na atual conjuntura política, não há indícios de que nos livraremos de tal entulho tão cedo, mesmo porque, sui generis, o modelo de privatização da cultura com dinheiro público interessa muito ao poder corporativo e ao grande capital.

Restam, como catarse dos auto-iludidos, a indignação neoudenista e a unção de Bethânia a Judas da vez. While the show goes on...


(Imagem returada daqui)

domingo, 13 de março de 2011

A intolerância dos dilmistas

Espanta a intolerância para com críticas exibida, nas redes sociais, por muitos dos apoiadores incondicionais de Dilma Rousseff.

Esse é, muito provavelmente, um dos principais contra-efeitos do desenho de forças que, nos últimos três anos, dominou a blogosfera: acostumados a uma divisão maniqueísta, em que de um lado se irmanavam os defensores do lulopetismo e os críticos da mídia e de outro os adversários representados pelo tucanato e pela mídia amiga, os primeiros ressentem-se de discordâncias advindas do próprio campo da esquerda, e reagem com pedras à mão – um “método” antes quase exclusivo de trolls tucanos.

Além da agressão grosseira pura e simples, recorrente nas redes sociais, há as tentativas de desqualificação pessoal e as acusações imaginosas: esta semana, até a de “bullying virtual” foi assacada...

Há, ainda, a falsa generalização, que consiste em dizer que alguém “matou o governo Dilma” ou que escreveu o “epitáfio” deste só porque fez meia dúzia de críticas pontuais ao início da gestão.


Blindagem autoritária
Mas, por mais que os intransigentes lamentem, Dilma e seu governo não são entes sagrados, inatacáveis, que devam ser preservados, imaculados, em uma bolha à prova de criticismo.

Tampouco o fato de que a gestão apenas se inicia, e tem muito tempo para se acertar – como espera-se que o faça - equivale a um dado que desautoriza a priori qualquer crítica - a não ser que o grau de autoritarismo seja tamanho que se queira estabelecer a partir de quando é permitido fazer críticas ao governo.

Ademais, a gestão tem menos de três meses, mas tomou tantas medidas controversas, contrárias ao discurso de campanha, que tem descontentado a muitos dos que a apoiaram entusiasticamente, enquanto surpreende de forma positiva a setores conservadores e da mídia corporativa, os quais se esforça para cooptar.


Política e fé
Dentre as estratégias genéricas de desqualificação, uma repetida com frequência pela pequena parcela dos apoiadores incondicionais do governo que reconhecem um mau começo é a de que devemos dar tempo ao tempo e, como ouvi um dia desses, que “no começo todos [os críticos] são PSOL, depois se acalmam”.

Além de não concordar com a generalização indevida de enquadrar qualquer crítica como alinhada ao PSOL – estratagema que pode vir a ser entendido, a depender do interlocutor, como uma forma de desqualificação -, tal postura espanta-me não apenas pela transformação da política em uma questão de fé, de certeza nas benesses vindouras, com todo o irracionalismo e fanatismo que tal mutação acarreta, mas pela dissociação pré-estabelecida entre os atos do governo e suas imediatas conseqüências e responsabilizações.

Pois achar que tudo é apenas uma questão de tempo equivale a isentar automaticamente e a priori a atual administração de todos os eventuais erros do presente em nome de bênçãos futuras que asseguradamente virão. “Como sabem que virão?” pergunto. Porque, respondem, a despeito dos dados atuais negativos, a fé cega nos diz que isso ocorrerá. Qualquer semelhança com sistemas de crença religiosa não é mera coincidência.

Outros preferem lembrar que o governo Lula também começou mal, com cortes orçamentais e "aperto de cintos", mas terminou em alto estilo, como se a administração do país fosse uma receita de bolo, bastando segui-la para obter os mesmos resultados. Desprezam, pois, o alerta do velho Marx, segundo o qual a história só se repete como farsa.


Egos feridos
Repetida amiúde, outra estratégia de desqualificação das opiniões discordantes é tachar seu emissor de arrogante e presunçoso, que “se acha a última batata frita do pacote”. À parte o dado cômico de tal “crítica” – e o que ela revela em termos de feridas egóicas - o que chama atenção é a renúncia ao questionamento e à crítica das ideias emitidas, em prol do ataque pessoal irrespondível.

Opiniões, a princípio, são feitas para ser refletidas, eventualmente aceitas, relativizadas ou rejeitadas. Descartá-las sem sequer considerá-las, desviando a atenção para uma alegada falta de qualificação ou para imaginosos traços de caráter de quem as emite, equivale a apostar no obscurantismo. Uma das grandes conquistas da internet é justamente o fim do monopólio da opinião por experts com anel de doutor no dedo e a substituição destes por cidadãos e cidadãs cujo trabalho será julgado pela pertinência (ou falta de pertinência) intrínseca ao material que produzem. Naturalmente, o que agrada a gregos tenderá a não agradar a troianos, mas, ao final, a tendência é prevalecer uma forma mais democrática de seleção.


Linchamento virtual
A despeito da natureza volátil da internet, penso que o ideal seria que àqueles que expressam suas opiniões de forma equilibrada, analítica, sem agredir a ninguém, fossem reservadas reações igualmente polidas, argumentativas e não-agressivas, ainda que discordantes.

Pois reagir com pedras nas mãos a comentários educados é coisa de turbas enfurecidas, não de quem diz professar a esperança na promoção da justiça social e no desenvolvimento do país por meios democráticos.

Do contrário, acabaremos por reproduzir, no seio da esquerda, a intolerância e a truculência que tanto criticamos na militância virtual tucana.


(Imagem retirada daqui)

sexta-feira, 11 de março de 2011

Da necessidade de utopias

Bati o olho na lombada amarela do livro na estante e fui invadido por uma espécie de nostalgia: como eu era feliz quando, politicamente ingênuo, o cultuava como a uma bíblia pagã. Seu título, Hóspede da Utopia, resume bem a atmosfera de 1968 revivido que marcou, no Brasil pós-distensão do regime militar, a primeira metade dos anos 80.

O livro sugeria – e eu acreditava piamente – que a vida era fácil e a felicidade, como uma fruta, estava sempre ao alcance da mão, se resumindo a bocas para beijar, estradas a percorrer, música, praias, luares “e algum veneno pra dar alegria”, como cantava Cazuza, então meu ídolo máximo, com quem eu era muito parecido fisicamente.

A política, embora não ocupasse um lugar central em minha vida, era repositório dos melhores presságios, antevisão de um futuro em que ao aparentemente iminente fim da ditadura se seguiriam anos de democracia plena, nos quais o atendimento às causas da então chamada “sociedade civil organizada” traria justiça social e o fim da violência de Estado, criando, em meio à nossa deslumbrante natureza ecologicamente preservada, um cenário propício para a plena manifestação da especificidade cultural brasileira.

Porém, logo a maléfica combinação de disseminação da AIDS e da hegemonia do neoliberalismo relegou tais delírios utópicos a um passado distante. No Brasil, com a derrota da emenda pelas eleições diretas - numa noite inesquecível e dolorosíssima -, seguida da agonia e morte de Tancredo Neves, instaurou-se, por um tempo longo demais, que parecia não ter fim, uma atmosfera distópica marcada pelo vácuo de ideologias, pelo desperdício de gerações de talentos e pela constatação cotidiana de que “meus heróis morreram de overdose, meus inimigos estão no poder”.


O tempo não para
Mais de 20 anos depois, o autor do tal livro é hoje uma triste figura do cenário político fluminense, aliado à pior direita. Em compensação, não há mais cenário distópico; a sexualidade se reinventou, talvez menos afetiva e mais atlética, mas certamente mais multifacetada e democrática; em termos políticos, o país demonstrou maturidade para eleger um operário oposicionista, cujos dois mandatos promoveram inclusão social em massa e mudaram a cara do país. Foi inegavelmente uma grande conquista e um enorme avanço.

Ainda assim, neste exato momento, sinto falta de um pouco de utopia ante o frio gerenciamento economicista, da coragem de colocar as demandas do povo acima das exigências do mercado, da capacidade de imaginar soluções que enterrem de vez a herança neoliberal, do destemor de firmar novas alianças com parceiros inovadores ao invés de continuar prestigiando o velho coronelismo decrépito - enfim, da vontade de sonhar, criar e inovar que hoje parece condenada a velhos livros empoeirados nas estantes.


***
E com este post o Cinema & Outras Artes ingressa em seu terceiro ano. Quem diria?


(Imagem retirada daqui)

quarta-feira, 9 de março de 2011

A vida em 10 quadros

Meu Nascimento (Frida Kahlo, 1932)



Meninos Soltando Pipas (Cândido Portinari, 1947)



A Dor (Pablo Picasso, 1903)



O Carregador de Flores (Diego Rivera, 1935)




Retrato de Natasha Gellman (Diego Rivera, 1943)





Série Família (Fernando Botero, 2006)



Santo Tolo (Evgeniy Shibanov, 2000)


Morte Mediática (Claudio Goldini, 1998)



A Evolução Silenciosa (Jason deCaires Taylor, 2007)




(Imagens retiradas, respectivamente, de 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10)

domingo, 6 de março de 2011

Dilma e o retrocesso que a direita adora

Não me arrependo nem um pouco de ter defendido o voto em Dilma Rousseff e exercido alguma militância virtual nesse sentido, a despeito de meu enorme desencanto com o início de seu governo.

A campanha por Dilma justificava-se por três aspectos: o primeiro, em importância, o reconhecimento das muitas qualidades da administração Lula, que recebeu o país em frangalhos, com altíssimo índice de desemprego e setor público sucateado e nos entregou um Brasil bem mais próspero, com 30 milhões de cidadãos retirados da pobreza, mercado de trabalho aquecido e um novo parque educacional, mais includente, à espera das novas gerações de universitários.


Derrotar o neoliberalismo tucano
O segundo motivo para apoiar Dilma fora a necessidade de derrotar José Serra, candidato que além de ter demonstrado durante a campanha não ter nenhum escrúpulo em sua sede de poder, filia-se à pior direita, representando o retorno ao alinhamento automático e subalterno do Brasil em relação aos EUA e à ortodoxia neoliberal em detrimento do atendimento às demandas sociais do país. Ademais, seria temeroso para as liberdades públicas entregar a Presidência a um político centralizador e autoritário que não aceita o contraditório e que reprime com violência manifestações pacíficas.

Após oito anos de FHC e oito de Lula, havia, ainda, como terceiro motivo a justificar o voto em Dilma, a imposição de uma derrota histórica ao projeto neoliberal tucano, derrota esta que superasse o personalismo carismático de Lula e significasse a aprovação às reorientações administrativas petistas.


O retorno do economicismo
Os primeiros dois meses do governo Dilma, embora reafirmem as duas primeiras razões para apoiá-la enquanto candidata, põem em questão, ao retornar ao velho neoliberalismo via corte de R$50 bi do Orçamento, suspensão de concursos e de contratações e anúncio de que a meta é zerar o déficit nominal – algo que, repito, nem Lula I ousou propor - a capacidade petista de conduzir a administração federal com preceitos próprios, sem se valer da mesma orientação econômica neoliberal, matizada aqui e ali, que tanto agrada ao deus-mercado e aos tucanos.

Ainda mais do que o retrocesso no MinC, o salário mínimo merreca (que pode ser compensado no futuro, se seguido o acordo, o que duvido), a visita à Folha, a transformação da presidenta em garota-propaganda de si mesma com aparições “mulherzinha” nos programas da Hebe e da Ana Maria Braga e a clara estratégia de cooptar a classe média conservadora, dispensando os “radicais”, é esse retrocesso neoliberal ao mais comezinho economicismo o que torna o início de governo Dilma tão ruim.

Pois não só joga fora as parcas mas efetivas conquistas do segundo governo Lula no sentido de retomar ao Estado alguma autonomia gerencial à revelia da ortodoxia econômica, como passa, de novo, a priorizar como ente decisório o mercado, em detrimento das demandas do povo - como tão bem ilustra o fato de que os dois últimos aumentos da taxa de juros custaram aos cofres públicos quatro vezes mais que o aumento do Bolsa-Família (única medida positiva do governo até agora, não tivesse sido relativizada e tornada mero jogo de cena pelo corte no programa Minha Casa, Minha Vida).


Sucateamento no horizonte
E, de todas as medidas que compõem o pacote neoliberal de ajustes, a suspensão de concursos e de contratações é a mais inaceitável. Primeiro, porque vai contra tudo o que Dilma afirmou na campanha e no discurso de posse, tanto no que concerne à manutenção do baixo índice de desemprego quanto, especificamente, à prioridade à educação. Anunciar uma coisa em campanha e fazer o oposto disso no poder é algo muito grave – e eu lamento pelos que não se apercebem (ou fingem não se aperceber) disso.

Segundo, porque aumentar exponencialmente a rede pública de universidades e de ensino técnico, como Lula fez, mas colocar para dar aulas professores com contrato temporário, ganhando uma merreca e sem direito a 13º. ou férias, como Dilma ora faz, é, na prática, além de um acinte às leis trabalhistas, uma forma de sucatear o ensino público federal, pois é óbvio que os profissionais atraídos por tais condições de trabalho não serão os mais preparados e que a qualidade de ensino vai cair acentuadamente (aliás, processo com dinâmica semelhante levou ao sucateamento do ensino público de segundo grau, durante a ditadura).


O passado presente
Fica cada vez mais claro que agora, como há 16 anos, é de novo o mercado quem dita os rumos do governo, que o obedece como um bichinho amestrado. E, assim, a presidenta que se elegeu prometendo aprofundar o legado de Lula reinstitui um programa de governo cuja orientação fiscal qualquer tucano ficaria honrado em corroborar. Não por outra razão, o governo Dilma, que ora atrai personalidades políticas como Kassab e Kátia Abreu, tem sido ultimamente tão adulado pela mesma mídia corporativa que a combateu com ferocidade.

Ou seja: Dilma venceu as eleições, mas o programa que adotou é do agrado da velha mídia e da direita nacional - e até alguns tucanos se mostram satisfeitos. Não havia como adivinhar que ela assim procederia, portanto o ônus advém de suas decisões: é dela e não daqueles que iludiu.

Agora, não dá para aceitar essa soma de traição eleitoral, retrocesso político e submissão econômica ao deus-mercado em detrimento das demandas da população. Mesmo os que a apóiam incondicionalmente, se refletirem com a mente e não com o fígado, hão de convir que não foi para isso que elegemos Dilma.


(Imagem retirada daqui)