Não pertence ao âmbito deste artigo a discussão do primeiro item, embora seja forçoso reconhecer que, se a eleição de um ex-operário com um passado de luta representou um momento de conjunção de tal dinamismo social com exercício maduro de democracia, alguns dos aspectos mais retrógrados da Presidência de Luís Inácio Lula da Silva - a despeito do bom desempenho de sua administração em diversas frentes, notadamente a política externa, as áreas sociais e a economia - advém justamente de sua adesão a uma realpolitik por demais elástica, de modo a assegurar a governabilidade através da satisfação das demandas dos donos das capitanias políticas que persistem no Brasil contemporâneo. A proeminência de duas figuras políticas de um passado de triste memória redivivas na base de apoio lulista é suficiente para ilustrar tal ocorrência: José Sarney, senhor feudal do estado mais pobre da federação e ex-mandatário que deixou a Presidência com a inflação medida na casa das centenas e Fernando Collor de Mello, ex-presidente afastado sob ameaça de impeachment.
Mais complexo ainda é o caso da imprensa – ou melhor, da mídia, porque é irrelevante, no âmbito de um artigo que se dispõe a analisar o campo da comunicação no Brasil, discutir o comportamento de órgãos de imprensa escrita sem levar em conta como se portam as mídias televisivas e radiofônicas.
Blogosfera x Imprensa
A imprensa, acuada pelo crescimento das redes digitais de informação, passa pela sua maior crise, refletida não apenas na queda vertiginosa da venda de exemplares, mas – o que seja talvez mais grave – de respeitabilidade e de reconhecimento público, devido a uma série de práticas condenáveis que têm sido sistematicamente reveladas e exaustivamente debatidas na Internet (talvez a mais grave delas a publicação, pela Folha de S. Paulo, de uma ficha policial falsa da pré-candidata à Presidência Dilma Roussef recebida por email e cuja autenticidade não foi verificada pelo jornal).
Porém, se grandes grupos de mídia sempre aliaram seus interesses econômicos e políticos a falcatruas ao jogo de manipulação e omissão da notícia - Assis Chateaubriand sendo um exemplo notório de tais práticas, embora de modo nenhum o único – agora, com o advento dos blogs, ficou consideravelemente mais difícil dissimular tais expedientes.
A blogosfera política costuma se gabar por alegadamente ter acabado, na marra, com o monópolio da comunicação impressa nas mãos – e nos bolsos – de um punhado de famílias, representantes do conservadorismo em seus diversos matizes. O advento da Internet teria possibilitado à blogosfera não apenas apresentar-se como uma alternativa anti-hegemônica, mas trazer à luz as maquinações, omissões e interesses políticos dessa plutocracia empresarial.
Excesso de euforia
É evidente que eu próprio, como blogueiro, sou entusiasta do meio virtual e das novas modalidades de comunicação e de jornalismo que ele propicia; no entanto, parece-me necessário evitar uma certa euforia, em voga na blogosfera, quanto à superação que esta poderia vir a promover, no curto (ou mesmo no médio) prazo, em relação à “grande mídia.
É forçoso lembrar que a profissionalização do jornalismo independente na Internet brasileira – excetuando blogs ligados à mídia corporativa (e que, portanto, reforçam seu poder) e casos que se contam em uma das mãos -, não passa, neste momento, de uma quimera. Achar que o voluntarismo amador – no sentido de não remunerado – vai sustentar de forma regular a blogosfera em seu enfrentamento com a imprensa convencional é uma aposta muito alta. Profissionalizar, em algum momento, será uma necessidade inadiável.
O fator mídia
Outra questão que demanda urgente reflexão e revela o quão frágil e superdimensionada tem sido a blogosfera em relação a si mesma é sua comparação no âmbito da mídia eletrônica, incluindo televisão, rádio e internet corporativa. Há algo de esquizofrênico no comportamento da blogosfera e da tuitosfera quando continuam diariamente a se alimentar, difundir e criticar a programação televisiva e, ao mesmo tempo, a fingir que é irrelevante contrapor-se comparativamente com ela, em termos de forças. Como se, fingindo que a assimetria de forças não existe, ela deixasse de ser efetiva.
Porém, “Não dá pra deixar a grande mídia pra lá, simplesmente. Não só porque continua muito influente - certamente não os jornais impressos, mas a televisão e o rádio, sim -, porém principalmente porque, no caso destes meios, são concessões públicas e, mesmo no caso de não serem (como os impressos ou as suas versões on line), ocupam um espaço essencial de serviço público e têm contas a prestar. Não podem disseminar informações falsas, não podem provocar pânico, não podem fazer um monte de coisas que fazem e ficar por isso mesmo” – afirma a professora de jornalismo Sylvia Moretzsohn em comentário a um artigo no Observatório da Imprensa (cujo link não encontrei).
Sua intervenção toca em pontos relevantes para o debate, evitando os autoenganos frequentes na blogosfera nos embates entre mídia corporativa e jornalismo na internet. Primeiro, como já dito, a excessiva valorização que os críticos da mídia corporativa fazem da imprensa escrita em detrimento do rádio e, sobretudo, da televisão – veículos cujos graus de penetração nos lares brasileiros, em comparação com os da internet e da imprensa, pertence a outra escala de valores. Segundo, a falácia – naturalizada durante o período de hegemonia do ideário neoliberal – de que, por constituirem-se como empresas privadas, os órgãos de imprensa escrita não teriam contas a prestar ao poder público e à sociedade a respeito de suas práticas jornalísticas.
Batalhas iniciais
A revolução representada pelo advento da internet – e, no âmbito desta, da blogosfera, cuja velocidade de implantação e disseminação tem superado tremendamente a morosidade institucional do Legislativo, não só no Brasil mas em boa parte do mundo desenvolvido – apanhou as forças da mídia corporativa (e do conservadorismo de forma geral) no contrapé. Historicamente, essas forças da imprensa corporativa foram capazes, por um longo período, de barrar ou de restringir a níveis mínimos e alcance reduzido as manifestações contra-hegemônicas no campo da comunicação, como as rádios mal chamadas “piratas”, a imprensa alternativa, as TVs comunitárias (que prometiam proliferar e renovar a mídia televisiva quando do advento da TV a cabo no país), entre outras manifestações. É ilusório achar que, com o poder econômico e político que possuem, deixarão de fazer de tudo para reverter a situação como ora se encontra, ainda mais porque à medida que a exclusão digital deixar de ser um desafio no país a tendência, naturalmente, é o crescimento da atividade blogueira e virtual. Não é à tôa que vêm das forças políticas que já controlam a mídia corporativa os principais projetos legislativos de controle da internet no Brasil.
Essa é uma batalha em estágio inicial, e que pode vir a se tornar uma grande guerra. As eleições presidenciais deste ano, com a promessa de um exército de cibermercenários atuando na internet promete ser seu primeiro confronto. De qualquer forma, o atomismo dos blogueiros e a pouca efetividade de suas organizações coletivas são dados a enfraquecer o campo progressista da luta.
(Imagem retirada daqui)
Nenhum comentário:
Postar um comentário